Em
Dresden, o racismo piorou desde que o movimento anti-imigração Pegida surgiu em
2014, afirmam cidadãos dos PALOP a morar na cidade. Dizem ainda que o partido
de extrema-direita AfD legitima a discriminação.
O
movimento anti-imigração Pegida realiza frequentemente protestos em várias
cidades da Alemanha. Em Dresden, os protestos são semanais. Nas suas
manifestações, os apoiantes do movimento, os chamados "Patriotas
Europeus Contra a Islamização do País", proferem um discurso de ódio
contra estrangeiros, exigem o encerramento das fronteiras da Alemanha e o
fim da imigração ilegal, entre outras exigências.
Quem
vive na cidade diz que o racismo tem sido rotina desde a criação do movimento,
em 2014.
"Está
muito pior aqui. Está muito mal mesmo, aqui na Saxónia. Estamos a viver com
muita dificuldade nessa cidade," afirma o soldador
angolano Massumo Neluimba, que mora há 18 anos em Dresden
Legitimação
do racismo
Além
das manifestações semanais do Pegida, a capital da Saxónia é um dos redutos
mais fortes do partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD).
Depois de eleita como a terceira maior força do Parlamento alemão, a AfD quer
agora tornar-se o maior partido no Parlamento da Saxónia, nas eleições
estaduais de 2019.
Massumo
Neluimba conta que já foi vítima de racismo nos transportes públicos da cidade
e que, nos dias em que o Pegida sai às ruas, evita estar por perto.
"Todas
as segunda-feiras eu fico em casa, não saio à rua. Quando eles fazem a
manifestação, não tenho coragem de sair. Fico em casa, porque sei que são
pessoas que não gostam de estrangeiros. Sinto-me intimidado. Pode
acontecer alguma coisa ou podem bater-me. Antes das 18 horas tenho de estar em
casa para não acontecer um problema grave", relata.
Matilde
Djaló é portuguesa de origem moçambicana. Veio para Dresden há
três anos, para fazer uma formação para cuidar de idosos. Logo à
chegada, deparou-se com um protesto do Pegida.
"Num
dia desses, eu saí à rua e havia essa manifestação. Foi muito estranho,
porque todo o mundo praticamente só olhava para mim e dizia
'Ausländer raus, Ausländer raus,' que significa imigrante fora,
não queremos imigrantes aqui", descreve.
"Foi
um choque para mim, foi um grande choque, porque eu não estava à
espera daquilo. Porque eu acordo às quatro da manhã para trabalhar e chego
à rua e as pessoas dizem 'Ausländer raus," lamenta.
Matilde
relata também outras situações em que se sentiu constrangida: "É um
bocadinho estranho chegar à rua e as pessoas dizerem: 'aquela é preta'. É
triste, ninguém gosta de ouvir isso. Eu nunca ouvi isso em toda a minha vida.
Chego aqui, as pessoas olham para mim, já me chamam de preta. Eu sei que sou,
mas não preciso que alguém me diga, aquela é preta," critica.
Propaganda
anti-imigrantes
Nas
suas campanhas contra os imigrantes, tanto o Pegida como a AfD divulgam
constantemente, nas redes sociais, reportagens sobre crimes cometidos por
estrangeiros. Matilde Djaló diz que sofre na pele este tipo de manipulação
da informação.
"Eu
sinto que sou colocada no mesmo pacote, mas não é o que acontece no dia a dia. Porque também qualquer um pode cometer [crimes], mesmo os próprios alemães
fazem isso. Só que escondem, não contam a realidade deles, contam a realidade
dos outros. Porque também a preocupacao maior é afastar os
imigrantes", avalia.
A
moçambicana Olga Carlos é enfermeira e vive há 32 anos em Dresden. Ao longo de
todo esse tempo, viu o racismo passar por altos e baixos. Para ela, as
manifestações contantes do Pegida e a presença da AfD nos parlamentos estadual
e alemão têm contribuído para o aumento do racismo nos últimos anos.
"Naturalmente
senti tanta, tanta diferença, porque já em 1991 havia muito racismo aqui
na Alemanha. Depois ficou muito calmo aqui em Dresden e sentia-me à vontade.
Mas depois começou este movimento Pegida e, então, a pessoa já sentia alguma
diferença na rua, nos carros elétricos".
Tratamento
hostil
A
enfermeira trabalha há 27 anos num hospital religioso, atualmente com
pacientes com cancro. Apesar de contribuir para o bem estar dos doentes,
muitas vezes recebe de volta um tratamentto hostil.
"Os
doentes que estão aí perguntam se naquela enfermaria só meteram estrangeiros
para trabalhar. Até já tive doentes que disseram: 'Hoje é segunda-feira.
Se eu estivesse lá fora, hoje teria ido à manifestação'. Exatamente esses
doentes é que têm tido esses problemas de nos chamar de estrangeiros. Isso
não foi sempre assim. Aliás, no local de serviço nunca senti nenhum
racismo. Tanto com os médicos, como com as colegas enfermeiras, não há
nenhum racismo, nunca senti isso," afirma Olga Carlos.
Segundo
dados de um inquérito de 2016, 22,5% da população alemã tem origem
migratória, mais da metade destas pessoas são cidadãos alemães. Boa parte
deles contribuem para impulsionar a forte economia do país, com a sua força de
trabalho e o pagamento regular de impostos. Apesar
disso, o racismo faz parte da vida destes cidadãos. Muitos não acreditam
que a discriminação racial irá diminuir em Dresden.
"Com
o número de imigrantes que vêm entrando aqui, acho que as coisas vão piorando,
porque o Pegida vai sempre tocar na mesma tecla, que são os imigrantes que
fazem isso. Acho que isso vai aumentar, não vai parar", considera
Matilde Djaló.
"Aqui
não se muda nada. Já estou aqui há 18 anos. O que eu vejo ou o que eu já vi...
Não melhora aqui, nunca vai melhorar", acrescenta Massumo Neluimba.
Já
a enfermeira moçambicana Olga Carlos entende que muitos alemães ainda não se
adaptaram a esta realidade e batalha por uma maior consciencialização.
"Eu
digo-lhes: vocês têm de ter cuidado. O alemão, hoje em dia, não é mais
loiro e com os olhos azuis, porque já estamos misturados. Eu, por exemplo, não
sou estrangeira, sou alemã. Os meus filhos também são alemães. Então, eles
só veem a cor e começam logo a dizer que você é
estrangeiro", finaliza.
Uma
mudança de mentalidade parece difícil, mas certamente seria um bom caminho para
um futuro de mais igualdade numa sociedade tão plural como a alemã.
Cristiane
Vieira Teixeira (Dresden) | Deutsche Welle
Na
foto: Manifestação do Pegida no centro histórico de Dresden
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