Manuel Carvalho da Silva* | Jornal
de Notícias | opinião
As tendências da evolução
salarial nos últimos anos têm gerado pronunciamentos públicos de surpresa e
preocupação, por parte de instituições internacionais, sobre o que se passa no
plano global, na Europa e em Portugal. Dizem-se perplexos por a trajetória de
crescimento económico e de expansão do emprego não estar a ser acompanhada por
um crescimento dos salários. Este cenário, aparentemente contraditório, desafia
a teoria económica nas suas conjeturas sobre a relação entre níveis de emprego
e desemprego e evolução dos salários, ou no que se refere à relação entre
emprego, produtividade e salários.
A imposição de políticas de
austeridade e de corte nos direitos laborais e sociais - promovida por estas
instituições que agora se dizem perplexas - empobreceu as pessoas no imediato e
criou outras realidades negativas para o futuro, por exemplo, no que se refere
à distribuição da riqueza produzida.
A partir de 2016, começou a
formar-se um consenso entre decisores políticos e instituições, acerca da
necessidade de crescimento dos salários. Declarações de responsáveis do Banco
Central Europeu (BCE), da Comissão Europeia e do Fundo Monetário Internacional
(FMI) expressaram essa preocupação. Trata-se de uma preocupação que nada tem a
ver com a criação de melhores condições de vida para os cidadãos. O objetivo
destes grandes atores dos poderes dominantes é somente garantir que as pessoas,
tal como as empresas e os estados, paguem "as suas dívidas" até ao
tutano e dediquem uma maior parcela do seu rendimento ao consumo e ao
investimento. Sempre favorecendo os que mais podem e têm.
Um relatório recente da OCDE
(Employment Outlook 2018) tem exatamente por tema o paradoxo (e o problema) dos
salários que não sobem quando o emprego aumenta. Nesse relatório, Portugal
surge nas posições cimeiras dos países onde mais emprego foi criado depois de
2013 e em que menos subiram os salários reais.
A matéria é complexa e justifica
análises de natureza multidisciplinar. Não haverá, seguramente, uma única
explicação para os factos que sustentam a "perplexidade" daquelas
instituições. Uma hipótese é as taxas de desemprego estarem a subestimar o
desemprego real e o subemprego. Uma outra é a disseminação da precariedade
substituir cada vez mais empregos permanentes e mais bem pagos por trabalho
precário e mal pago.
Será que a estagnação dos
salários médios é fruto de o novo emprego estar a ser criado sobretudo em
setores com níveis remuneratórios inferiores à média? A reconfiguração da
estrutura do emprego ao nível setorial é uma dimensão de análise
importantíssima.
A nova forma de organização
económica de base tecnológica, ancorada em atividades
"colaborativas", bem como velhas e novas expressões da economia
paralela, também podem estar a ajudar a estagnar os salários. Por outro lado,
não será que o Estado, ao negar aumentos salariais aos seus trabalhadores,
acaba por marcar um referencial de políticas salariais e de rendimentos para a
economia nacional?
Nesta análise, não se pode deixar
de fora da equação os impactos das alterações à legislação laboral no plano
europeu e nacional, que enfraqueceram a posição dos trabalhadores e a
capacidade negocial e de ação dos sindicatos. Desde as que reduziram a proteção
no emprego facilitando despedimentos e permitindo que a precariedade se
tornasse um problema sistémico, às que em nome da flexibilidade do tempo de
trabalho permitem que o trabalho extraordinário não seja pago como tal, em
resultado da proliferação dos bancos de horas. E a fragilização da negociação
coletiva, bem como a subversão do papel e da natureza do direito do trabalho
travaram muito crescimento dos salários.
Impõe-se um debate que permita
identificar as causas e consequências da estagnação e, sobretudo, desenhar
políticas que evitem a projeção no futuro de um novo normal de salários baixos
e de uma população ativa e residente que declina. Contribuindo para este
objetivo, vai realizar-se, no próximo dia 28, no ISCTE-IUL, em Lisboa, um
importante seminário internacional sob o lema "Porque não sobem os
salários? - salário, emprego e legislação laboral".
*Investigador e professor
universitário
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