No Botswana os deuses estão mesmo
loucos!
Martinho Júnior | Luanda
1- Há minorias em África, que
sendo duma incomensurável riqueza antropológica para toda a humanidade, estão
sujeitas a todo o tipo de pressionantes manipulações de carácter fascista,
colonial e neocolonial!...
De entre essas minorias estão os
povos bosquímanos, os mais antigos povos autóctones da África Austral, com
culturas adaptadas aos espaços ardentes do Kalahári e suas periferias, onde
nenhum outro povo se instalou, onde foi garantido o seu refúgio-habitat e onde
a amenização é garantida pelo “motor a dois tempos” em que se rege
tropicalmente o Cubango (Okawango) que, nascido na região central das grandes
nascentes em Angol, se espalha num enorme delta interior que ocupa a parte
norte do Botswana.
É essa a “casa” dos
bosquímanos, cuja nomadização acompanha os regimes dos fluxos de água a norte
(ao longo do Cubango para dentro do território de Angola) e os pequenos e
secretos reservatórios no interior do Kalahári, bem no miolo central do
território do Botswana, a sul.
Essa nomadização é também feita
pelos grandes herbívoros: durante a estação das chuvas eles penetram a sul no
delta do Cubango e, quando chega o cacimbo, eles deslocam-se ao longo do rio em
direcção norte, para dentro do Cuando Cubango.
Sem o Kalahari para as suas
nomadizações, os bosquímanos estão a ser integrados nas pequenas reservas
naturais e atraídos à sedentarização nas imediações das “lodges” turísticas,
como espécie rara de museu animando as paisagens que dão lucro aos promotores
de tão original ecoturismo, numa altura em que esse tipo de iniciativas
complementam a instalação dos “superiores interesses” do cartel!
O crescimento dos interesses nos
diamantes intercala-se com a promissora indústria do turismo, em grande parte
virado para os endinheirados do mundo em busca de retiros exóticos.
O Central Kalahari Game Reserve
surgiu no miolo central do Botswana, ocupando a maior parte do espaço de
nomadização dos bosquímanos porém, desde que começou a ser considerado um
território rico em kimberlites diamantíferas nos anos 80 do século XX, as áreas
de exclusão para a exploração de diamantes começaram a surgir e, com elas, as
nomadizações dos bosquímanos dentro do habitat que constitui sua “casa”,
estão a chegar ao fim…
2- A PIDE/DGS utilizou os
bosquímanos com a criação dos Flechas pelo inspector Óscar Cardoso na segunda
metade dos anos 60 do século XX e, no âmbito da esteira do Exercício ALCORA,
eles continuaram a ser utilizados pelo "apartheid" na sua
famigerada"border war", servindo desde logo no Batalhão 31 integrado
nas Forças Territoriais do Sudoeste Africano durante a Operação Savana, na
tentativa de tomar Luanda a 11 de Novembro de 1975!...
A manipulação foi de tal ordem
que os bosquímanos não deram pela mudança das bandeiras, nem pela ordem
ideológica e doutrinária da internacional fascista em África, que disseminava
tribalismo e “bantustões”…
Hoje, por causa da exploração de
diamantes, numa altura em que esgotados os recursos na África do Sul o cartel
passa-se, “com armas e bagagens”, para o paralelo do Bostwana, os
bosquímanos estão a ser confinados, sedentarizados à força, tendo sido
retirados do imenso Kalahári os reservatórios de água que permitiam um melhor
habitat para as deambulações no seu ambiente natural!...
Dum patamar sócio-político e
institucional, com o fim do “apartheid” os mesmos interesses passaram
do estado para a economia e exercem-na com o mesmo sinal elitista e
exclusivista de sempre, inclusive no que diz respeito à gestão da vida em
relação ao património natural comum, onde se inscreve a cultura em vias de
extinção dos bosquímanos.
Pergunta pertinente, numa altura
em que foram criados no Sudeste de Angola, em função do jogo de interesses
elitista e exclusivistas, os Parques Nacionais que integram o KAZA TFCA:
O QUE ESTAMOS E VAMOS FAZER EM ANGOLA COM ELES NO
CUANDO CUBANGO, NO CUNENE E NO NAMIBE?
Martinho Júnior - Luanda, 18 de Setembro de 2018
Todas as ilustrações foram recolhidas do
Survival International
Alguns suportes:
Debswana and its 4 diamond mines
– https://www.911metallurgist.com/blog/debswana-and-its-4-diamond-mines
Botswana government lies exposed
as diamond mine opens on Bushman land – http://www.survivalinternational.org/news/10410
Diamonds in the desert and
despair in the Kalahari – https://www.independent.co.uk/news/world/africa/diamonds-in-the-desert-and-despair-in-the-kalahari-311280.html
Botswana, Kalahari Bushmen
evicted to make space for diamond mining – https://www.lifegate.com/people/news/botswana-kalahari-bushmen
Diamond miners exploit land of
the Bushmen – https://www.theguardian.com/world/2003/feb/20/rorycarroll
Exiles of the Kalahari – https://www.motherjones.com/politics/2005/01/exiles-kalahari/
ARTIGO-MANIFESTO DO SURVIVAL
Existem 100.000 Bosquímanos em
Botsuana, Namíbia, África do Sul e Angola. Eles são indígenas da África do Sul
e têm habitado a região por dezenas de milhares de anos.
Na região central de Botsuana
encontra-se a Reserva de Caça do Kalahari Central, uma reserva criada para
proteger o território tradicional dos 5.000 Bosquímanos Gana, Gwi e Tsila (e
seus vizinhos os Bakgalagadi), e a caça da qual dependem para sua sobrevivência.
No início da década de ’80, foram
descobertos diamantes na reserva. Logo depois, oficiais do governo entraram na
reserva para notificar os Bosquímanos, que lá viviam, que eles teriam que
deixar a área por causa dos diamantes encontrados.
Em três grandes despejos, em
1997, 2002 e 2005, praticamente todos os Bosquímanos foram expulsos. Suas casas
e seu poço de água foram destruídos, sua escola e posto de saúde foram
fechados, e as pessoas foram ameaçadas e transportadas em caminhões.
Os Bosquímanos agora vivem em
campos de reassentamento fora da reserva. Raramente conseguem caçar, e são
presos e espancados quando o fazem; eles são dependentes das subvenções do
governo. Agora, sofrem com o alcoolismo, o tédio, a depressão e doenças como a
tuberculose e o HIV/AIDS.
A menos que eles possam retornar
às suas terras ancestrais, suas sociedades originais e modo de vida serão
destruídos, e muitos deles morrerão.
Embora os Bosquímanos tenham
ganhado o direito na justiça de voltar às suas terras em 2006, o governo tem
feito todo o possível para impossibilitar o seu retorno, inclusive proibindo-os
de acessar um poço de água que utilizavam antes de serem despejados. Sem ele,
os Bosquímanos dificilmente encontram água suficiente para sobreviver em suas
terras.
Os Bosquímanos entraram com um
novo processo judicial contra o governo em uma tentativa de ganhar acesso ao
seu poço. Uma audiência foi realizada em junho de 2010, mas o juiz indeferiu o
pedido dos Bosquímanos.
Ao mesmo tempo que o governo
impede os Bosquímanos de terem acesso à água, ele tem perfurado novos poços
para os animais selvagens e permitiu a empresa Wilderness Safaris de construir
um alojamento turístico na reserva.
O Kalahari Plains Camp foi
inaugurado depois que a Wilderness Safaris firmou um contrato de arrendamento
com o governo. No entanto, o contrato não fez provisões para os direitos dos
Bosquímanos em cujas terras ancestrais o alojamento foi construído, nem foram
consultados sobre o empreendimento.
Enquanto os Bosquímanos dificilmente
encontram água suficiente para sobreviver em suas terras, os hóspedes podem
saborear cocktails na piscina do alojamento.
Além disso, o governo:
tem recusado a emissão de
licenças para caçar nas suas terras (apesar da decisão do Supremo Tribunal de
Botsuana que a sua recusa de emitir autorizações era ilegal),
prendeu mais de 50 Bosquímanos
por caçar para alimentar suas famílias,
tem impedido os Bosquímanos de
trazer seus pequenos rebanhos de cabras de volta para a reserva.
Sua política é claramente para
intimidar e assustar os Bosquímanos em permanecer nos campos de reassentamento,
e tornar impossível a vida dos que voltaram à sua terra ancestral.
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