segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Angola | O render da guarda


Jornal de Angola | editorial

Ao virar, no sábado, uma página da sua história, o MPLA mostrou estar à altura de dar resposta aos anseios mais profundos dos angolanos, apesar do percurso nem sempre linear que manteve ao longo destes sessenta anos decorridos desde a sua fundação.

Foi histórica a transição na presidência do partido no poder, longe da cosmética que lhe estava associada por alguns sectores que resistem em encarar a nova realidade e insistem, no silêncio da conspiração ou no ruído do anonimato que as redes sociais cobardemente acomodam, na manutenção de estatuto conseguido através de políticas e práticas que se mostraram lesivas aos interesses da maioria e que levaram o país, praticamente, à bancarrota.

Não se tratava“apenas” de substituir José Eduardo dos Santos por João Lourenço na liderança do MPLA. Nem da passagem de testemunho de qualquer prova de estafeta, onde quem entrega não cita quem recebe nem lhe formula votos de sucesso para o percurso que vai seguir, mas a conclusão formal de uma transição política, possível e, comprovadamente, necessária.

Assumir a presidência do MPLA, cumulativamente com a função de Presidente da República, não é um capricho de João Lourenço, que na opinião de alguns estaria a seguir os mesmos caminhos do seu predecessor  o que o tornaria, mais cedo ou mais tarde, um clone. 

Os alicerces do sistema político angolano estão assentes num modelo de comando único e por isso era importante que esse casamento entre a liderança partidária e do Estado, sem que isso signifique a primazia do partido sobre o Estado e a prossecução de uma política de exclusão para quem não partilhe as mesmas cores partidárias.

Se dúvidas ainda persistissem quanto à chegada das mudanças no MPLA, a reunião extraordinária do seu Comité Central que se seguiu ao congresso, veio dar respostas ao eleger um Bureau Político totalmente renovado, surpreendendo até os melhor intencionados e mais bem informados analistas, além de um regresso ao abandonado passado de candidaturas múltiplas. 

Uma nova direcção onde se destacam a entrada de quadros representativos das maiores franjas da nossa população, que se sabe serem os jovens e as mulheres, aliando com quadros académica e tecnicamente capazes, para que o MPLA possa enfrentar melhor os desafios que se lhe colocam e que obrigam a redinamizá-lo e prepará-lo para os vencer. Isso faz-se, como é evidente, com pessoas que estejam alinhadas nesta nova passada que o líder, enquanto Presidente da República, já vinha imprimindo e que possam imprimir a dinâmica necessária para acompanhar os novos tempos, preparando o partido para essa nova forma de fazer política, abrindo-o aos militantes, simpatizantes e à sociedade, modernizando-o e democratizando-o.

O tempo urge e o MPLA não poderia continuar a arrastar o pé face a uma realidade que conhecia e a que procurou responder na preparação do seu último congresso ordinário, em 2016, quando anunciou a intenção de mudar em quarenta e cinco por cento a sua direcção, com a injecção de muita juventude e mulheres. A força das resistências fez, então, recuar este propósito e nem os expedientes de alargar as estruturas de direcção conseguiram dar resposta cabal à essa necessidade. Agora não é tempo para recuos, e por isso é que assistimos às mudanças significativas na composição do Bureau Político, que se reflectirão, como é evidente, no seu secretariado a ser eleito, em princípio, hoje.

Há como que um render de guarda, em que cabe aqui elogiar a participação e dedicação de muitos veteranos da luta de libertação nacional que deram o melhor da  sua  juventude e vida às causas do povo angolano e que, agora, merecem o devido reconhecimento, mantendo-se ainda na direcção do MPLA, ao nível do seu Comité Central.

Trata-se de uma viragem geracional natural, que vai provocar as transformações necessárias dentro de um partido que está obrigado a reinventar-se todos os dias, trazendo maior e melhor debate interno e, por força disso, maior democratização, em busca da desejada unidade e  coesão, onde pensar diferente pode ser um trunfo em vez de sacrilégio, numa organização que se quer cada vez mais plural e aberta a todas as franjas da sociedade e em diálogo permanente, até mesmo com os adversários políticos.

Uma nota final, mas não menos importante, para a reconciliação do MPLA consigo próprio, ao resgatar a sua história e reconhecer os seus fundadores e ter na conquista da independência nacional a maior bandeira, capaz de aglutinar todos os angolanos, indistintamente.

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