Afonso Camões* | Jornal de Notícias
| opinião
O Parlamento Europeu arreganhou
os dentes, esta semana, ao votar contra Viktor Orbán, o racista
primeiro-ministro húngaro. O cartão amarelo pode não produzir efeito, mas
sinaliza a mais importante fratura que marcará as eleições europeias de maio.
Porque estão em causa valores que são os alicerces da União e sem os quais não
haverá Europa. O assunto também é connosco e a campanha já aí está.
Há anos que a extrema-direita
europeia procurava uma narrativa comum, e está a tecê-la à volta da xenofobia e
do populismo eurocético. São partidos diversos, com posições que vão desde o
ultranacionalismo ao neonazismo. Governam em Itália, Hungria e Polónia, e
condicionam a agenda política de uma dezena de países da União. É preciso
travá-los. Porque ceder-lhes, ou insistir em ignorar as razões do seu
crescimento, é antecipar o colapso do projeto europeu.
Ensina a História que só há
concorrência ou conflito na disputa de bens escassos. E a soberania é um deles,
todos a querem. Quem a não tem ou não tem o suficiente, deseja tê-la por
inteiro. E quem a tem inteira, ou julga tê-la, angustia-se no receio de a
perder - progressiva e inexoravelmente. A soberania tem capatazes e respetivos
cães pastores: são os estados. Os mais possessivos estão condenados a cedê-la e
até perdê-la, aos solavancos e de empurrão, na medida em que não estejam
dispostos nem preparados para partilhá-la. Quando os estados a partilham, em
vez de somar multiplicam. Ao contrário, é o conflito, por vezes a guerra. Ora,
se há instituição de larga trajetória (a caminho dos 61 anos de estabilidade,
paz e prosperidade) no exercício de partilhar, esta é a União Europeia. A
"maravilhosa construção jurídica e política" é em si mesma uma
experiência única. Mas tem deixado acentuar desigualdades e revela sinais de inquietante
fraqueza e divisão na forma como reagiu aos anos de chumbo, com as intervenções
da troika, com a crise do euro e das dívidas soberanas, ou com a persistente
incapacidade de gerir, com dignidade e no respeito pelos direitos humanos, a
crise migratória.
*Diretor do JN
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