domingo, 16 de setembro de 2018

No pasarán!


Afonso Camões* | Jornal de Notícias | opinião

O Parlamento Europeu arreganhou os dentes, esta semana, ao votar contra Viktor Orbán, o racista primeiro-ministro húngaro. O cartão amarelo pode não produzir efeito, mas sinaliza a mais importante fratura que marcará as eleições europeias de maio. Porque estão em causa valores que são os alicerces da União e sem os quais não haverá Europa. O assunto também é connosco e a campanha já aí está.

Há anos que a extrema-direita europeia procurava uma narrativa comum, e está a tecê-la à volta da xenofobia e do populismo eurocético. São partidos diversos, com posições que vão desde o ultranacionalismo ao neonazismo. Governam em Itália, Hungria e Polónia, e condicionam a agenda política de uma dezena de países da União. É preciso travá-los. Porque ceder-lhes, ou insistir em ignorar as razões do seu crescimento, é antecipar o colapso do projeto europeu.

Ensina a História que só há concorrência ou conflito na disputa de bens escassos. E a soberania é um deles, todos a querem. Quem a não tem ou não tem o suficiente, deseja tê-la por inteiro. E quem a tem inteira, ou julga tê-la, angustia-se no receio de a perder - progressiva e inexoravelmente. A soberania tem capatazes e respetivos cães pastores: são os estados. Os mais possessivos estão condenados a cedê-la e até perdê-la, aos solavancos e de empurrão, na medida em que não estejam dispostos nem preparados para partilhá-la. Quando os estados a partilham, em vez de somar multiplicam. Ao contrário, é o conflito, por vezes a guerra. Ora, se há instituição de larga trajetória (a caminho dos 61 anos de estabilidade, paz e prosperidade) no exercício de partilhar, esta é a União Europeia. A "maravilhosa construção jurídica e política" é em si mesma uma experiência única. Mas tem deixado acentuar desigualdades e revela sinais de inquietante fraqueza e divisão na forma como reagiu aos anos de chumbo, com as intervenções da troika, com a crise do euro e das dívidas soberanas, ou com a persistente incapacidade de gerir, com dignidade e no respeito pelos direitos humanos, a crise migratória.

*Diretor do JN

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