Dez anos depois da crise de 2018,
ex-premiê britânico expõe os ingredientes fatais: bancos sem controle, Estados
e sociedades devastados pela “austeridade”, descoordenação global e disputa
Ocidente X China
Gordonn Brown, entrevistado
por Larry Elliott, no Guardian | Outras Palavras | Tradução: Inês
Castilho
Um mundo sem líderes avança como
sonâmbulo para a repetição do colapso econômico do fim de 2008 e inicio de 2009
— porque falhou em remediar as causas da crise financeira de uma década passada
– alertou o ex-primeiro ministro Gordon Brown.
Primeiro-ministro britânico durante o período em que o colapso do banco de
investimentos norte-americano Lehman
Brothers colocou todos os maiores bancos em risco, ele disse que após
uma década de estagnação a economia global está agora se dirigindo para uma
década de vulnerabilidade.
Falando ao Guardian de
sua casa na Escócia, Brown fez uma análise contundente de como os grandes
problemas de 2009 permaneceram sem solução, e afirmou ser necessária uma ação
muito mais dura para evitar fraudes por parte dos banqueiros.
Brown foi fundamental na criação
do G20 – um órgão formado pelas principais nações desenvolvidas e em
desenvolvimento do mundo –, mas disse que a cooperação que ajudou a evitar uma
segunda Grande Depressão foi substituída por um mundo no qual os países refugiaram-se
em silos nacionalistas. “Corremos o perigo de caminhar como sonâmbulos para um
crise futura”, disse Brown, quando lhe pediram para avaliar os riscos de uma
repetição de 2008. “Terá de haver um severo despertar para a escalada dos
riscos, mas estamos num mundo sem líderes”.
O ex-primeiro ministro, que
liderava um governo trabalhista e perdeu as eleições de 2010 após a recessão
mais longa e profunda da era pós-guerra da Grã-Bretanha, disse haver agora
menos espaço para reduzir as taxas de juros do que há dez anos, nenhuma
evidência de que os ministérios das finanças teriam permissão pra cortar
impostos ou aumentar gastos públicos e nenhuma garantia de que a China seria
tão ativa na oferta de estímulos.
“A cooperação que foi vista em
2008 não seria possível numa crise pós-2018, tanto em termos de bancos centrais
como de governos trabalhando juntos. Teríamos um exercício de transferência
incessante de culpas, em vez de respostas ao problema”. À luz da guerra
comercial lançada pelos EUA contra Pequim, Brown duvidou que a China
fosse tão cooperativa numa segunda vez. “O protecionismo de Trump é a maior
barreira para construir a cooperação internacional”, disse.
Depois de suceder Tony
Blair no cargo de primeiro ministro, em junho de 2007, Brown teve
apenas uma curta lua de mel antes e surgirem os primeiros sinais de problema.
Ele disse que ainda falta, na economia global, um sistema de alerta precoce
para monitorar os fluxos financeiros, capaz de informar o que foi emprestado,
para quem, e em quais termos. “Temos lidado com as pequenas coisas, não com as
grandes”, disse ele.
Brown admitiu que o trabalhismo
deveria ter sido mais duro contra a City (o centro financeiro global situado em
Londres), nos anos de expansão que levaram à crise. “Nós não sabíamos o que
estava acontecendo em várias instituições, algumas delas ilegais e que estavam
sendo acobertadas”. Mas insistiu em que o clima na época era de
desregulamentação ainda maior das finanças. “Eu era criticado por ser muito
duro em termos de regulação e impostos”.
Desde a crise, os bancos foram
forçados a reservar mais capital para proteger-se contra possíveis perdas, e
introduziu-se um sistema de restituições de bônus, para dissuadir os banqueiros
de assumir muitos riscos. Mas Brown disse que as ações contra as piores
práticas financeiras não foram suficientemente duras, e os bancos esperam ser
novamente socorridos no caso de uma futura crise. “As penas para fraudes não
aumentaram suficientemente. Os banqueiros não têm medo de ser presos por mau
comportamento. Não se enviou mensagem forte o suficiente de que o governo não
irá resgatar instituições que não colocaram a casa em ordem.”
A crise de 2008 teve raízes no
mercado imobiliário dos EUA, quando os prejuízos sofridos pelas hipotecas
subprime espalharam-se como dominó no interior do sistema financeiro global,
até levar ao colapso do banco financeiro norte-americano Lehmans Brothers [em
15 de setembro de 2008]. Brown disse que da próxima vez a causa seria
diferente. “É muito difícil dizer o que irá dispará-la [a próxima crise], mas
estamos no final do ciclo econômico em que as pessoas assumem riscos maiores.
Há problemas nos mercados emergentes.”
Brown disse que uma área de
preocupação deve ser o pesado crédito comercial e industrial oferecido por
bancos-sombra pouco ou nada regulados, num momento em que as taxas de juros dos
EUA estão subindo. “[A crise] Pode surgir na Ásia, por causa da quantidade de
empréstimos no sistema bancário paralelo”. O ex-primeiro-ministro do Reino
Unido acrescentou: “Num mundo interconectado há uma escalada dos riscos.
Tivemos uma década de estagnação e agora estamos próximos de uma década de
vulnerabilidade”.
Recordando a paralisia dos
mercados financeiros, uma década atrás, Brown disse que os governos tentaram
compensar a falta de confiança entre os bancos cooperando mais de perto. “Na
próxima crise, um colapso da confiança no sistema financeiro seria ampliado
pelo colapso da confiança entre os governos. Não haveria a mesma vontade de
cooperar, mas sim uma tendência a culpar um ao outro pelo que deu errado.
“Os países se retraíram em silos
nacionalistas, e isso nos trouxe o protecionismo e o populismo. Problemas que
são globais, assim como nacionais e locais, não estão sendo enfrentados. Os
países estão em guerra uns com os outros sobre comércio, mudanças climáticas e
proliferação nuclear.” Brown foi contundente a respeito das políticas de “austeridade”
perseguidas pela coalizão que assumiu o poder depois dele perder as eleições de
2010. “A ‘austeridade’ baseava-se numa análise de que a causa da recessão
global era o alto nível de dívida pública, ao invés da ação irresponsável do
sistema financeiro. Ninguém que tivesse olhado para o problema seriamente
chegaria a essa conclusão, mas os conservadores mantiveram tal postura durante
cinco anos.”
O problema, acrescentou Brown,
não foi que o governo tomou mais emprestado para impulsionar o crescimento, mas
que o estímulo não foi grande o suficiente. “Nós subestimamos o poder da
política fiscal por causa de uma aversão a déficits e dívida. Voltamos a
crescer rapidamente, mas não pudemos sustentar o crescimento por causa da
consolidação fiscal excessivamente rápida. Saímos da recessão em 2009 mas
voltamos a ela em 2011. Por que? A retirada de apoio do governo nos custou
empregos e prosperidade, mas também a capacidade de reduzir o déficit no longo
prazo.”
Indagado se a atual
primeira-ministra, Theresa May, concordava com a análise de Brown, seu
porta-voz disse, na quinta-feira: “Não. Desde 2008 nós construímos um dos
sistemas regulatórios mais robustos no mundo, projetado especificamente para
garantir estabilidade financeira e proteger os contribuintes”. Questionado se o
Reino Unido não sofreria consequências adversas, mesmo com o possível afrouxamento
da regulamentação nos EUA, o porta-voz disse: “Nos últimos anos, reformamos a
regulamentação da City e implantamos um sistema incrivelmente robusto, um dos
mais robustos do mundo, certificando-nos ao mesmo tempo de que é globalmente
competitivo. Tomamos medidas para nos certificar de que nosso sistema é
resiliente e robusto.”
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