Já que outros se não puderam
salvar, que ao menos o Zeca se salve do caldeirão panteónico. Honrar a sua
memória é recuperar, no quotidiano e para a formação dos futuros cidadãos, o
seu exemplo cívico.
José António Gomes | Abril Abril
| opinião… e roteiro cultural
Óscar Carmona? Sidónio Pais?
Eusébio? Amália?... Junte-se quem já lá está com quem se anuncia e teremos o
Panteão Nacional transformado num… albergue espanhol (passe o paradoxo). E uma
ideia começará a vingar na cabeça de muito boa gente: pois ali estão os
grandes, sim senhor, e como são grandes todos eles! Serão? «Presidentes-reis»,
«pais» disto e daquilo valerão o mesmo que os génios da literatura ou do canto
e o mesmo que os corajosos? Todos grandes, sim senhor. Essa pretensa grandeza,
essa pretensa superioridade nivelam, aspiram a igualar o conjunto – heróis,
políticos, artistas… – e com o tempo hão-de servir objectivamente o
branqueamento da acção, política sobretudo, de alguns. Os quais continuarão
assim a dormir – agora literalmente – à sombra de outros.
Não é aceitável. Nisto como
noutras coisas, é preciso lembrar que há boas e más companhias. Já custa, e
muito, ver que Aquilino Ribeiro e Sophia de Mello Breyner Andresen se não
salvaram de algumas forçadas parcerias, pretéritas ou futuras. Que ao menos
José Afonso se salve. E assim parece ir acontecer, a acreditar na posição da
família (e de alguns amigos).
A questão não está no cantor do «Coro da
Primavera», de «Os Índios da Meia Praia», de «O pão que
sobra à riqueza» ou de «As sete
mulheres do Minho», porque esse, o cantor, será sempre único e grande na
sua obra e exemplo; a questão está no próprio Panteão, que, enquanto objecto
semiótico que é, começa a tornar-se um lugar pouco recomendável no seu
simbolismo e nas suas mensagens explícitas e implícitas, e terreno propício a
confusionismos indesejáveis.
Que, juntamente com todos nós, as
entidades a quem isso cabe façam, sim, o que urge fazer para manter disponível
a totalidade da obra inigualável de José Afonso, para a divulgar, a estudar, a
dar a ouvir na rádio e nas televisões. Que se resolva a questão escandalosa do
desaparecimento das fitas das gravações originais. Que se faça o que importa
fazer para que as canções sejam interpretadas e recriadas pelas novas gerações,
de criadores e não só.
Que a voz, a música, a poesia de
José Afonso, o seu exemplo cívico de lutador contra o fascismo e o capitalismo,
de combatente generoso pelas causas da democracia, da liberdade, da paz e da
solidariedade internacionalista, de defensor do poder popular, que tudo isso
seja objecto de exposições, filmes e debates, de variadas acções de formação
junto de professores. Que as canções sejam escutadas nas escolas (e não apenas
a «Grândola»). Isso sim, parece-me, é honrar a memória de José Afonso. Que para
si queria, como alguns lembraram, «campa rasa» – a crer na literalidade do que
n’«A ronda das mafarricas» se pode escutar…
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