Manuel Carvalho da Silva* |
Jornal de Notícias | opinião
Os trabalhadores da CP e forças
de Esquerda há muitos anos denunciam o crescendo de bloqueios à manutenção da
capacidade operacional e à modernização desta empresa, e de outras que com ela
se articulam, no contexto da afirmação da ferrovia como excelente solução para
o transporte em geral e para a mobilidade das pessoas em particular.
A Direita, que não tem pouca
responsabilidade na degradação do setor, desencadeou, nos últimos tempos, uma
campanha intensa sobre a CP. Inicialmente, até parecia que as suas preocupações
se centravam no reforço de uma CP pública em que é urgente investir; que
assumia a batalha da sua modernização. Rapidamente se tornou evidente que os
seus objetivos não são esses. Eles entroncam, sim, numa estratégia a nível
europeu (veja-se o que se passa na França e na Alemanha) tendente à abertura
absoluta do setor à "concorrência privada", sem preocupação em servir
melhor as pessoas, como fica claro com os protestos nesses países.
Como sabemos, nestes processos,
os grandes grupos privados asseguram previamente o êxito: o Estado fica com a
responsabilidade de satisfazer as necessidades dos cidadãos que "os
negócios" não contemplam; e de pagar, sem direito a retorno, os encargos
da modernização das vias e das estruturas necessárias. Os sindicatos do setor
vêm usando um slogan muito identificador do desafio que se nos coloca: Atenção
aos comboios: Pare, escute, lute.
Com toda a desfaçatez, há quem à
Direita continue a clamar contra o "Estado anafado", quando temos
hoje um Estado profundamente depauperado, exatamente em resultado de políticas
de Direita que tudo privatizaram, que alimentaram vergonhosas negociatas a
favor de interesses privados, que destruíram estruturas e organizações em vez
de as modernizar, que exauriram a Administração Pública de recursos humanos
qualificados. A sociedade não se desenvolve sem um Estado moderno com recursos,
estruturas e trabalhadores capacitados.
Em resposta a estas acusações, os
trauliteiros de Direita invocam logo o velho ditado de que só tem vícios quem
os pode sustentar, ou seja, aconselham-nos a esquecermos o direito à saúde, à
educação, à segurança social, à justiça - para todos e com qualidade - porque
não temos dinheiro para isso. Debaixo da trapaça de que não importa se os
serviços são prestados pelo setor público ou pelo privado, têm sido
desenvolvidas políticas estratégicas de enfraquecimento dos meios e das
capacidades materiais e humanas, por exemplo no SNS, e ampliadas as áreas de
negócios dos privados. E as propostas da Direita são cada vez mais incisivas na
reclamação de tudo privatizar. Até o "novo" partido de Santana Lopes
faz do aprofundamento desses objetivos as suas propostas de modernidade.
O afã da Direita apresentado como
solução para todos os problemas é o do crescimento económico. Ora, todos
sabemos que não basta assegurar crescimento: é preciso distribuir justamente os
ganhos obtidos e garantir reinvestimento que desenvolva a sociedade, quer
pressionando alterações qualitativas no perfil da nossa economia com atividades
que tragam maior valor acrescentado, quer melhorando a educação e a formação,
quer pagando melhores salários e tornando a vida menos cara em áreas chave da
vida das pessoas como é o caso do custo da habitação que se está a tornar
insustentável para milhares e milhares de famílias.
Muita gente que embarcou na onda
de credibilizar as privatizações das comunicações e telecomunicações, dos
transportes, do mercado elétrico e de outros setores fundamentais, assume hoje
que esses processos se confirmam como negócios desastrosos para a economia
nacional e que são faturas bem pesadas para o povo português. E de que nos vale
ter crescimento, se parte grossa dos seus resultados for encaminhada para
"acudir" aos desastres e roubos da Banca, como tem acontecido?
A Direita está em estado de
negação do seu passado e numa palração aparentemente contraditória, com que
pretende esconder maldades das suas propostas. À Esquerda impõe-se ampliar o
poder social, exercer o poder político na sua plenitude e com propostas
ofensivas. E fazer uma denúncia forte da estratégia da Direita, não se
distraindo com pretensas contradições e fragilidades desta.
*Investigador e professor
universitário
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