Não há trabalhadores que,
perdendo o seu salário, se sintam felizes terem de recorrer à greve; as lutas
sociais são inerentes ao capitalismo, ao antagonismo de interesses entre
capital e trabalho.
Vítor Ranita | AbrilAbril | opinião
No dia 30 de Maio, patronato, UGT
e Governo, chegaram a acordo sobre as alterações a introduzir na legislação
laboral. A CGTP-IN, a mais representativa Central Sindical, em discordância,
ficou de fora. Portanto, houve consensos. O acordo legitimou apenas o que
interessava subscrever por alguns dos participantes. Mas tal não impediu o
ministro Vieira da Silva de opinar: «Um bom acordo para o país». E essa, por
certo, também foi a opinião da Comissão Europeia, empenhada na reversão dos
direitos laborais.
Segundo os insuspeitos Mário
Pinto e Amândio de Azevedo, «a subordinação e a dependência dos trabalhadores
constituem características do seu estatuto social tradicional1».
Provavelmente será essa a razão da satisfação pessoal com que o sindicalista
Carlos Silva se prontifica a subscrever o que interessa às confederações
patronais. Enfim, idiossincrasias!
Naturalmente a Confederação
Empresarial de Portugal secundou a opinião do ministro Vieira da Silva. E ficou
reafirmada a concepção do Governo – António Costa assinou o acordo – que
identifica os interesses nacionais com os interesses particulares do grande
capital. Dito de outro modo, os governantes em exercício deixam clara a opção
de classe que privilegiam, apenas parcialmente condicionada pelo conjuntural
compromisso político-orçamental com os partidos à sua esquerda.
Quando o entendimento na
Concertação Social provocou nesses partidos acentuadas críticas, e Carlos
César, presidente do grupo parlamentar do PS, admitiu a introdução de
ajustamentos ao conteúdo do acordo firmado na Concertação, de novo se
manifestou a convergência de atitudes entre o patronato e a UGT.
Seguiram-se entrevistas nos
jornais, divulgação de comunicados, declarações aos repórteres de serviço:
António Saraiva ameaçou retirar-se do acordo em caso de mudanças adicionais na
Assembleia da República à alteração das leis do trabalho obtida com a
cooperação da UGT; por sua vez, Carlos Silva, num autêntico frenesim, do alto
do seu telhado de vidro acusou pateticamente a CGTP-IN de ter posições
ideológicas, e procurou influenciar os parlamentares, sobretudo os do seu partido,
o PS, para que respeitassem integralmente as mudanças da legislação laboral por
ele subscritas.
Vem a propósito recordar que,
desde há décadas, os sistemáticos ataques aos direitos dos trabalhadores, em
que se irmanaram PS, PSD e CDS-PP, podendo variar de designação (pacto social,
tectos salariais, congelamento da contratação colectiva, moderação salarial,
sucessivos pacotes laborais, caducidade forçada dos antigos contractos
colectivos…) orientaram-se pelas reivindicações patronais e serviram os interesses
que ditaram as citadas palavras do actual Ministro do Trabalho, Solidariedade e
Segurança Social.
O Bloco Central na origem da
concertação social em Portugal
No essencial a concertação mantém
o carácter instrumental que levou à criação do Conselho Permanente de
Concertação Social, em Março de 1984, por Decreto-Lei do PS de Mário Soares e
do PSD de Mota Pinto, então coligados no chamado governo do Boco Central.
Para melhor se lhe compreender o
objectivo instrumental importa lembrar as circunstâncias da época, um tempo de
graves problemas sociais e de muitas e grandes lutas laborais: o aumento anual
do custo de vida chegava aos 33%; havia para cima de 100 mil trabalhadores com
salários em atraso; acentuava-se o alargamento da precariedade e da aplicação
do lay-off; o desemprego atingia meio milhão de desempregados; novas
ameaças contra a qualidade de vida e de trabalho avizinhavam-se com a aceitação
das imposições do FMI. E foi neste contexto que o governo do Bloco Central,
presidido por Mário Soares, arauto das virtudes do diálogo social, ficou
marcado pela intervenção das forças militarizadas nos conflitos laborais e pela
detenção de 284 sindicalistas que se manifestavam à porta do primeiro-ministro.
Então, como hoje, a CGTP-IN, por
opção fundada na defesa dos interesses de classe dos trabalhadores era, e
continua sendo, o adversário em comum combatido pelos governos ligados ao
capital, pelas confederações patronais e pela UGT. E é neste quadro que se deve
entender o propósito instrumental do Conselho Permanente de Concertação Social
e a sistemática negação ao acolhimento das propostas da CGTP-IN, pela parte
maioritária dos seus membros, representantes patronais e apoiantes dos
correspondentes interesses de classe.
Será essa maioria de apoios
suficiente para satisfazer o capital? Não, muito por via da capacidade de luta
da CGTP-IN e na opinião de alguns Mestres em Direito das Empresas.
Efectivamente, Ricardo Gosau da
Mota Veiga Pereira, na sua dissertação de mestrado, defende que «os últimos
anos têm sido caracterizados por um grande número de greves que têm um impacto
verdadeiramente nefasto na economia2»
e que, por isso, «impõe-se reflectir se o sistema jurídico português prevê
mecanismos que permitam resolver o “inevitável conflito de interesses” entre
trabalhadores e empregadores, resultante da subordinação e dependência dos
primeiros aos segundos3».
Creio que não é necessário
possuir formação superior para entender o seguinte: primeiro, não há
trabalhadores que, perdendo o seu salário, se sintam felizes por serem forçados
a participar numa greve; segundo, que a razão maior das greves é a
intransigência patronal face às legítimas reivindicações dos assalariados; e,
finalmente, que essas lutas sociais estão relacionadas com uma realidade
intrínseca ao sistema capitalista – o antagonismo de interesses de classe entre
capital e trabalho.
Qual antagonismo!? exclamará a
UGT, negando o reconhecimento dessa realidade.
De qualquer modo, seria de
admitir o mais fácil entendimento entre estruturas por definição dedicadas a
defender os interesses comuns dos trabalhadores.
Mas o que vemos é Carlos Silva a
socorrer-se de «argumentos» do período da guerra fria para se distanciar da
CGTP-IN. O que sabemos é que tal atitude está associada, documentadamente, ao
modo como nasceu a UGT e se posicionou desde o princípio. O que se pode
confirmar é a preferência da UGT pela colaboração com as confederações
patronais, com um discurso anti-CGTP-IN por vezes mais agressivo do que o das
próprias organizações patronais.
Colaboração de classses: quem
perde e quem ganha
Quem tenha alguns resquícios de
consciência social poderá identificar na história vários artifícios patronais
para acentuar a dependência e subordinação dos seus assalariados e quebrar a
capacidade de luta dos trabalhadores vítimas de injustiças.
Entre esses métodos poderemos
identificar a construção de habitações para operários, incentivada pelo
salazarismo; a colaboração interclassista, obrigatória por lei do fascismo; a
distribuição anual de uma pequena parte dos lucros de sociedades de tal ou tal
empresa; a simpatia empresarial de disponibilizar algumas acções das sociedades
anónimas para aquisição por trabalhadores; os diversos prémios pecuniários a
trabalhadores «bem comportados», assim como a insistência na formatação das
mentalidades visando a aceitação da ideia do alegado «bem comum».
Essa formatação ideológica, por
compreensíveis razões, foi mais rápida e mais longe através da instituição
legal da co-gestão na Alemanha Federal capitalista (1951 e sucessivas
alterações a partir de 1956), face à pressão do enorme prestígio granjeado
pelos soviéticos com as derrotas militares por eles infligidas aos nazis, a
Leste e em Berlim. E
não deixa de ser significativo o facto de a envolvência na co-gestão ter
começado por ser orientada para os trabalhadores das empresas mineiras e da
indústria do ferro e do aço, de reconhecidas tradições de luta.
Na Alemanha actual, a lei que
regula a co-gestão não torna obrigatório o seu exercício generalizado.
Aplica-se apenas onde haja estruturas eleitas dos trabalhadores (Conselho de
Empresa). Onde é praticada, a participação dos trabalhadores exerce-se através
de representantes com assento em órgãos institucionalizados e em diferentes
níveis: no estabelecimento (unidade de produção), na empresa, na sociedade por
acções, e nas empresas holding.
Fora do âmbito da co-gestão fica
o que se refira à intervenção específica dos sindicatos e ao clausulado da
contratação colectiva de trabalho.
É interessante constatar na lei
alemã que é variável a proporção da representação dos trabalhadores no mais
relevante órgão (que designadamente elege a Administração) das sociedades, o
Conselho de Supervisão, cuja presidência, obviamente, é sempre patronal. Nos
sectores mineiro, do carvão e do aço, por exemplo, essa representação chega a
metade. Noutros sectores, em empresas com 500 a 2000 trabalhadores, a representação
fica-se por 1/3.
Na base da estrutura empresarial,
os trabalhadores podem invocar o direito de serem consultados, o direito de
exigirem, ou de se oporem, ao despedimento ou transferência de certos
trabalhadores, o direito de celebrarem acordos internos, por exemplo.
A nível intermédio das sociedades
por acções, nos órgãos onde se decidem as orientações estratégicas, a
participação dos trabalhadores centra-se na promoção da ideia da colaboração
baseada na confiança entre trabalhadores e Administração.
Generalizando a consideração dos
esquemas criados para enredar os trabalhadores na ideia do «bem comum», que
classe social ganha com a ideologia da colaboração interclassista?
Lembremos a frase de Marcus
Raskin: «As classes empresariais nunca descuram a sua consciência da luta de
classes, e menos ainda a importância de vencê-la»4.
Não esqueçamos, sobretudo, a condição do assalariado – subordinado e dependente
economicamente dos patrões – «o que significa na prática uma diminuição do
homem, um impedimento, uma prisão inibitória da plenitude da realização pessoal
do trabalhador, ou melhor: dos trabalhadores5».
Arredando da consideração os
eventuais benefícios pessoais usufruídos por alguns militantes da concertação
social, empresários ou assalariados, aqui fica, ainda, para reflexão, uma
conclusão tirada pelo Comité Económico e Social Europeu, que transcrevo da
atrás referida dissertação de mestrado de Ricardo Gosau Mota Veiga Pereira:
«outra vantagem dos mecanismos de participação financeira dos trabalhadores é
que os accionistas têm do seu lado, não só outros accionistas, mas também os
trabalhadores da empresa, que perseguem os mesmos objectivos».
Notas:
1.«Participação
dos trabalhadores na empresa: legislação alemã de co-decisão», Análise
Social, V. 8, 30-31 (2.º - 3.º trimestre 1970), pág. 466.
2.O
sistema de cogestão na lei das sociedades anónimas alemãs – desafios e
virtualidades da sua transposição para o Direito português, dissertação
apresentada no Instituto Universitário de Lisboa, Escola de Ciências Sociais e
Humanas, Departamento de Economia Política, datada de Setembro de 2015.
3.Citação
de um trecho da obra antes identificada, da autoria de Mário Pinto e Amândio de
Azevedo.
4.Prefácio
a Os Senhores do Mundo, de Noam Chomsky, Bertrand Editora, 2016, pg.21.
5.Mário
Pinto e Amândio de Azevedo, ob. citada, pág. 466.
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