Os esbirros autoritários
manifestam-se antes mesmo do fim da eleição
Pedro
Paulo Zahluth Bastos | Carta Capital | opinião
Jair Bolsonaro está de salto alto
depois do resultado das pesquisas e resolveu abrir o jogo. Repetiu que vai
taxar todos com um Imposto de Renda de 20%, ou seja, baixar ainda mais o
imposto dos ricos e, pasmem, aumentar o imposto dos que recebem acima de cinco
salários mínimos.
A lógica é continuar a distribuir
os custos da crise e do “ajuste” para o andar de baixo, preservando o andar de
cima para que compre o patrimônio público com preços rebaixados.
E o pior é que o votante médio
ainda acredita que Bolsonaro é antissistema, mesmo depois de dizer que vai
preservar o essencial do governo Temer: a reforma trabalhista que rebaixa
salários e deprime o mercado interno de consumo de bens e serviços e a PEC do fim do mundo (teto nominal de gasto
público), que vai rebaixar ainda mais o gasto na saúde, na educação e demais
serviços públicos.
Os gastos na manutenção da “ordem
pública” vão aumentar, contudo, retirando ainda mais do restante. Imagina
quando os estudantes saírem às ruas para reclamar do corte de investimento
público no SUS ou na educação, ou quando "ativistas" pedirem
recomposição de perdas salariais para poder comer, para não falar tomar cerveja
ou reformar casa. É provável que sejam chamados de “comunistas” ou até mesmo de
terroristas.
A repressão faz sentido para
preservar o "sistema" de distribuição de perdas e ganhos com a crise,
mas muito dela é feita sem sentido. Na terça-feira 16, um guarda municipal de
Campinas resolveu interromper ilegalmente uma panfletagem pró-Haddad e dar voz
de prisão a uma aluna de Artes Cênicas da USP e um aluno do Instituto de
Economia. Ambos estavam em tradicional espaço de panfletagem em Campinas. Nenhuma
lei passou a proibir a luta pelo voto ali.
Armou-se a confusão, a torcida
amontoada para espiar a peleja. A estudante telefona para a mãe advogada e
comenta: "Parece que estamos na ditadura". Pode parecer ficção, mas
as testemunhas ouvem o guarda municipal exclamar: “Sim, a ditadura militar
voltou, graças a Deus”.
Como hoje se usa o nome de Deus
em vão, não?
Enquanto isto, homens e mulheres
de bem cultivam o velho monstro de nossa história achando que ele nunca vai
machucá-los. Esquecem que o candidato que alimenta o monstro disse que é bom já
ir se acostumando ao fato de que ele não controla o ódio de todos que ele tenta
direcionar.
Não vai sobrar apenas para os
"ativistas" que o candidato disse que vai findar em sua primeira
declaração no segundo turno. Ódio autorizado, vai sobrar não só para gays,
mendigos, meninos de rua, negros, os bodes expiatórios mais explícitos, mas
também para mulheres, para os meninos mais fracos no colégio, para os
gordinhos, ou seja, para todos, para seu parente, seu amigo ou parente de seu
amigo.
Imagina se uma intervenção mal
planejada nos presídios esquente a guerra fria com o PCCe
o Comando Vermelho, e se as armas forem liberadas para todos. Vai sobrar para
os passantes colhidos pelas balas perdidas ou para as vítimas de crimes
passionais. Como disse Bolsonaro, ele mesmo foi vítima do que sempre pregou.
Infelizmente, o caos pode servir
para alimentar ainda mais o terror de Estado. Para aventuras talvez mais ambiciosas.
Para um ex-capitão que planejou plantar bombas em quarteis do Exército para
exigir aumentos salariais em 1986, o céu é o limite.
Cinco anos antes, em 1981, o
general Golbery do Couto e Silva, que idealizou o Serviço
Nacional de Informações e viu o aparato repressivo da ditadura sair do
controle, lamentou sua ilusão de comando. Depois do atentado fracassado do
Riocentro (em que oficiais de baixa patente forjariam um atentado comunista
explodindo bombas em um show de rock para abortar a transição para a
democracia), reconheceu: "Criei um monstro".
O monstro sempre sai do controle.
Libera infinitos projetos de poder e vingancinhas individuais, ódios incontidos,
corrupção e ignorância na ralé da repressão.
Não foi por falta de aviso. Há
quase 50 anos, 13 de dezembro de 1968, o ditador Costa e Silva resolveu assinar
o Ato Institucional número 5 para refutar os que achavam que vivíamos uma
“ditabranda”, e seu vice-presidente Pedro Aleixo exerceria o temerário direito
de divergir.
Perguntado se estava duvidando
das mãos honrosas do general, árbitro excelente da aplicação do AI-5, o civil
teria respondido com brilhantismo: “Das mãos honradas do presidente Costa e Silva,
jamais. Desconfio é do guarda da esquina.”
Quanto a mim, desconfio mais de
Jair Bolsonaro. Por que soltaria nas esquinas os "comandos de caça aos
comunistas" em pleno século XXI, quando os comunistas não existem mais a
não ser no nome?
Vamos combinar que talvez ainda
haja tempo para não pagar para ver.
Foto: Marcelo Camargo/Agência
Brasil
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