Quem olha para a história desse
feriado se conscientiza de como os tempos mudam, avalia o colunista Thomas Milz.
Dia da Consciência Negra é
celebrado em vários
Estados brasileiros em 20 de novembro, data da morte de Zumbi
dos Palmares.
No dia 20 de
novembro comemora-se novamente o Dia da Consciência Negra em todo o
Brasil. Se bem que eu não sei se "comemorar" é a palavra certa.
Atualmente, ouve-se das mais altas instâncias do poder que o ativismo não é
mais visto com bons olhos – querem até mesmo que ele acabe. Por outro lado,
isso só deverá valer a partir de janeiro – e, com isso, ainda não afeta a data
comemorativa no final deste novembro.
Seja como for – a história do
surgimento do Dia Nacional da Consciência Negra é extremamente
interessante. Há 40 anos, no dia 4 de novembro de 1978, ativistas do Movimento
Negro Unificado (MNU) se reuniram no ICBA em Salvador. Lá entraram
em acordo para, a partir daquele momento, celebrar o Dia da Consciência Negra
em 20 de novembro.
O dia da morte de Zumbi dos
Palmares deveria lembrar que os escravos sequestrados e levados para o Brasil
não aceitaram seus destinos calados, mas se rebelaram contra a dominação de
seus corpos e almas por estranhos.
E quem poderia culpá-los? Nós,
hoje em dia, mal suportamos quando alguém não tem a mesma opinião que a nossa.
Imagine só como nos sentiríamos se alguém nos escravizasse à força e nos
sequestrasse e levasse através dos oceanos. Mas, por sorte, o mundo evoluiu –
se tivéssemos armas, poderíamos até matar a tiros o escravagista numa situação
de emergência dessas, em legítima defesa. E todos nos parabenizariam por isso.
A sigla ICBA, aliás, reúne as
iniciais do Instituto Cultural Brasil-Alemanha – ou, em outras palavras, o
Instituto Goethe em
Salvador. Nos anos 1970, ele ofereceu proteção ao MNU contra
funcionários da ditadura. Naquela época, estes temeram realizar prisões num
instituto cultural alemão. Fora isso, porém, ativistas do movimento negro eram
alvos de perseguição, já que falavam sobre "racismo", apesar de
isso ser proibido na época. Não o racismo, mas falar sobre ele.
Com a Lei de Segurança Nacional
de 29 de setembro de 1969, uma discussão sobre racismo havia ficado
praticamente impossível. E, naturalmente, desnecessária, já que, segundo os
ditadores militares, o Brasil era, afinal, uma "democracia racial". O
termo soa estranho hoje em dia, mas aquele era um decreto sério. Provavelmente,
já soava esquisito naquela época.
A própria Lei de Segurança
Nacional é, em si, realmente interessante. Em várias partes, tive que sorrir: o
artigo 16 diz "Divulgar, por qualquer meio de comunicação social,
notícia falsa, tendenciosa ou fato verdadeiro truncado ou deturpado, de modo a
indispor ou tentar indispor o povo com as autoridades constituídas: Pena:
detenção, de 6 meses a 2 anos". Ou seja: as notícias falsas, ou fake
news, também já eram problema naquela época.
Mas, provavelmente, ninguém teria
tido coragem de ameaçar fechar o Supremo Tribunal Federal. Segundo o artigo 26,
era proibido "impedir ou tentar impedir, por meio de violência ou
ameaça de violência, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos
Estados: Pena: reclusão, de 4
a 10 anos". Mas eram outros tempos.
Hoje de manhã, uma mulher negra
puxou conversa comigo no elevador. "O Brasil está cada vez mais
racista", disse. "Fui comprar uma boneca de presente numa loja, mas
só tinha bonecas loiras e brancas. Estranho, já que nós, pardos, somos a
maioria, não é?", comentou, me desejando um bom dia.
O ICBA, aliás, voltou às
manchetes há apenas alguns meses – e, novamente, foi por causa de um movimento
pró-libertação. Dessa vez, o Movimento Brasil Livre convocou protestos na
frente do instituto porque, aos olhos do MBL, havia uma exposição fotográfica
obscena no local. Mas a polícia estava presente – com o objetivo de proteger o
ICBA dos manifestantes do movimento pela liberdade.
É. Os tempos mudaram.
Thomas Milz saiu da casa de seus
pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do
mundo. Tem mestrado em
Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15
anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como o Bayerischer
Rundfunk, a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher
Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois
de uma década em São Paulo ,
mora no Rio de Janeiro há quatro anos.
Thomas Milz (rk) | Deutsche Welle
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