quarta-feira, 14 de novembro de 2018

E agora, São Tomé e Príncipe?


Carlos P. Tiny | Téla Nón | opinião

Começo por uma Declaração de princípios: esta é uma “intervenção de cidadania”. Já não faço política partidária, não sou militante de partido algum e não tenho simpatia particular por qualquer das forças politico-partidárias santomenses. Há em todos os partidos gente por quem tenho grande simpatia, assim como há políticos de quem pura e simplesmente não gosto, mas respeito-os. Não renuncio ao meu direito de intervenção cívica quando, aonde e como entender, na defesa do que julgo serem os interesses deste país e deste povo. Como costumo a dizer entre os meus amigos, “não quero ser nem Primeiro, nem o último dos Ministros… nem Presidente, nem Contínuo da República”. Aos que procuram em mim um competidor saibam que não é em mim que o encontrarão.

No panorama político santomense de hoje, diga-se o que se disser, existe o que um amigo meu chamou de uma Nova Maioria (NM). Só não a vê quem não quer, até porque existem dois tipos de cegos: os que não veem porque não podem ver – doença ocular – e os que não vêm porque não querem ver. Por esses a medicina nada pode fazer. Essa Nova Maioria vai mesmo formar o próximo Governo de São Tomé e Príncipe. Não vejo como, legalmente, contornar isso. Deem-se as voltas que se queiram dar, isso vai acontecer.

Ontem chegou-me um vídeo, que espero que não seja “fake news”, – em todo o caso não vi um desmentido do partido interessado…, em que o líder do ADI, um ano antes das eleições, falou de partidos que “perderam a sua alma”, partidos que seriam “sucursais” de outro partido, disse que existem dois “blocos políticos”, e concluiu dizendo que “não pode haver vitória sem que haja maioria absoluta” e que, “se o ADI chegar primeiro sem maioria absoluta, significa derrota do ADI”. De facto foi o que aconteceu, o ADI chegou primeiro sem maioria absoluta e, de acordo com o as próprias palavras do Presidente do ADI, saiu derrotada. Há que sermos consequentes…

A Democracia como a conhecemos nutre-se de duas componentes vitais, uma não existindo sem a outra, sendo as duas igualmente importantes – o Poder e a Oposição. Sem essas duas, repito duas componentes, existe qualquer outra coisa, mas não existe democracia. Tenho sinceramente dificuldade em compreender o que é que faz o ADI fugir da oposição de forma tão obstinada. Lembro-me de, em 2010 quando estávamos no poder e perdemos as eleições, termos avançado sem pestanejar para a transferência de poder para esse mesmo ADI. Estivemos todos os membros do então Governo na tomada de posse do Governo de Patrice Trovoada. O percurso de um político, seja ele quem for, faz-se de vitorias e derrotas. Eu acredito que a derrota faz amadurecer um político. A mim pelo menos o fez.

Dito isso, acho que o ADI deve tomar o seu lugar na oposição e a Nova Maioria deverá formar o novo Governo da Nação. De resto, ou se mudam e bem as coisas, ou até é bem provável que não fique lá por quatro anos pois a probabilidade de a NM, por erros e omissões que possa vir a cometer, acabe por retirar o ADI da oposição mais cedo do que tarde não é desprezível. O tempo, esse grande pedagogo, nos dirá…

Por outro lado, não vejo razões para que essa Nova Maioria queira correr uma corrida de fundo como se de uma prova de velocidade se tratasse. Acho bom lembrar o ditado popular santomense que diz que “nguêmbú flontadu ka molê ni kapuelé”…. Na minha modesta opinião, o Presidente da República tem toda a legitimidade para “tomar o seu tempo” para decidir. Se decidir chamar o ADI, partido que obteve o maior número de mandatos parlamentares, a formar Governo, o que acredito que fará, fá-lo-ia, no respeito pela Constituição e pelas Leis. Todavia, sabemos (e o Presidente da República também sabe) que os ventos não são favoráveis ao ADI e que existe uma maioria parlamentar (espero bem que não se trate de uma maioria “para lamentar”) que derrubará esse eventual Governo, fazendo, e bem, o seu papel no jogo democrático. Assim, não vejo que, depois disso, restem muitas alternativas a Evaristo de Carvalho, para além de chamar JBJ e pedir-lhe para formar Governo.

Oportunidades sim, mas com enormes Desafios

A Nova Maioria tem de facto a oportunidade de reverter um curso de história a que assistimos nos últimos quatro anos e que nos conduziu a um lugar que podemos chamar de tudo menos de Democracia. Há no ADI gente, até mesmo dirigentes, por quem nutro consideração e respeito; gente que se chamou de “Geração Esperança” e em quem pessoalmente depositei de facto Esperança – julgo ser oportuno dizer que aquando do lançamento do partido “Geração Esperança” no Hotel Miramar, salvo erro em 2005 ou 2006, fui o único dirigente do MLSTP a marcar presença nesse acto e nessa altura eu disse claramente que o fazia consciente de que à essa nova Geração, em que eu acreditava, caberia um papel importante na definição do futuro da Nação. Confesso que até hoje não consegui compreender como é que algumas dessas pessoas foram capazes de não ver o que toda a gente via e pactuarem com coisas extremamente graves, lesivas da soberania nacional. Falo, por exemplo, de tropas estrangeiras “no solo sagrado da terra” para usar as palavras da saudosa Alda do Espírito Santo; falo da invasão de militares estrangeiros ao Parlamento para assediar Deputados eleitos da nação, falo da decapitação do Supremo Tribunal de Justiça, etc. São coisas muito graves que um patriota não pode calar em nome de fidelidades politico-partidárias. Contudo, trata-se de gente ainda jovem; e quem na juventude não cometeu erros? Eu cometi-os e muitos…

Enfim, o povo fez o seu julgamento e definiu uma Nova Maioria que, mais tarde ou mais cedo, vai ter de formar Governo… A propósito, ouvi dizer que o “Supermercado de Deputados” – onde se compra e vende Deputados – encerrou para balanço e espero bem que assim seja…

Até aqui tudo bem, tudo fácil… mas depois daqui é que vem o busílis…olhemos para os Desafios…
Jorge Bom Jesus (JBJ), o putativo Primeiro-ministro, foi eleito Presidente do Mlstp e, dois-três meses depois, ganhou as eleições em aliança com a Coligação PCD/MDFM/UDD. Ele tem de ter consciência de que é muito raro um político ser eleito e dois meses depois ser candidato a Primeiro-ministro; em STP isso aconteceu com o PCD-Grupo de Reflexão em 1991 e agora com o Mlstp de JBJ. Ele tem de se questionar do porquê disso (por experiência pessoal sei que o Mlstp é muito mau em procurar as “causas das coisas que lhe acontecem”). Não querendo deter-me longamente sobre isso (cabe ao Mlstp fazê-lo), direi apenas que nessa vitória alguns actores tiveram um papel muito importante: os militantes e simpatizantes dos diversos partidos da NM seguramente; mas a Sociedade Civil no seu todo bem como a Diáspora santomense, a Juventude, as Mulheres e as Igrejas, foram decisivas.

Revejam-se os vídeos das movimentações populares para reclamar a lisura nos processos de confirmação dos votos, visitem-se os sites das redes sociais, e teremos uma noção mais exacta do que digo… Aproveito para, humildemente homenagear esses diversos actores que, nas redes sociais, em “directos” e em inúmeras entrevistas, nas ruas, em conversas telefônicas com os seus familiares em STP souberam dizer “presente” à sua Nação e ao seu Povo em momento singular da sua existência como nação democrática. Não me permito citar nomes para não ser injusto esquecendo alguns, mas não resisto a mencionar o “Maikel”, o oficial da Polícia Nacional reformado, meu companheiro de bisca 61, de joelhos e com os braços abertos em cruz, em frente ao Tribunal Constitucional, clamando ao seu Deus para que iluminasse os caminhos da democracia e da liberdade na sua amada Pátria. Que força nessa imagem!…

Nunca houve nada como isso em STP. Nunca mais nada será como dantes… essa gente não mais será enganada por nenhum partido politico, novo ou velho, com “pão com chouriço e uma cerveja”, nem tampouco com 20, 40, 100, mil, milhões de dobras ou mesmo de euros… que o tentem fazer e terão a resposta…Estas foram a “mãe de todas as eleições” e… os políticos santomenses têm a oportunidade de acabar de vez com o “banho”, esta infame peste que tomou conta da cena política nacional e ameaça os alicerces da própria sociedade.

A primeira prova a sério a que será submetida essa nova maioria é a formação do Governo que vai apresentar ao país; é o primeiro indicador que dará à Nação das suas reais intenções. Essa nova maioria terá de ter consciência daquilo que a maioria dos santomenses que lhe deram a vitória esperam dela. Seria bom que na formação do próximo governo fossem tidas em conta as aspirações dessas diversas camadas do povo santomense. Transparência, um Governo inclusivo, competente, sério, com adequada representação de mulheres e jovens, um Governo em que se revejam a Sociedade Civil e a Diáspora. É extremamente importante que as pessoas se revejam nesse próximo governo. Seria também muito bom que a diáspora passasse a ter mais voz no dizer da nação na hora de escolher os seus dirigentes, seria bom que fossem estabelecidos palcos para que a sociedade civil se pudesse manifestar e dizer da sua justiça também.

Permitam que isso não aconteça e… falaremos dentro de 6-12 ou 24 meses…

Sejamos claros, e eu já não tenho idade para andar com subtilezas de conveniência e à despropósito. É muito difícil que isso venha a acontecer. A “caça aos tachos” só não é grande nos partidos porque é enorme, escandalosamente grande… Quase todos os “chefões” já se posicionaram, e existem listas que cada um apresenta com o ou os “tachos” que terão de lhes serem atribuídos. Por outras palavras, a ambição é desmesurada, é demais… toda a gente quer ser tudo. Como é evidente, isso põe uma pressão insustentável nas lideranças que lhes torna a vida num inferno. Como do inferno nada de bom se espera, pelo menos na minha educação judaico-cristã, também daí não espero grandes e boas notícias.

Da Oportunidade ao Milagre, mas sem Oportunismos

Com esse autêntico forrobodó que se assiste na classe política santomense em geral, e em particular no seio de alguns senão todos os partidos da Nova Maioria, só um milagre poderá permitir que esta possa parir um Governo que cumpra um mandato de quatro anos. Lamento dizê-lo, mas é a minha opinião, é para mim uma verdade nua e crua…

Daí o meu apelo a todos os políticos e quadros de todos os Partidos, a todos os santomenses que têm (e muitos deles até legitimamente) pretensões, para que facilitem a tarefa a quem tem de tomar as decisões. Meus caros Senhores, por uma vez que seja, calem os vossos egoísmos e ambições pessoais desmesurados e ponham os interesses de São Tomé e Príncipe em primeiro lugar.

Deem uma oportunidade para que Bom Jesus (o Deus feito homem) faça o Milagre e ilumine os caminhos do Jorge Bom Jesus (este, o bom cristão) para que ele saiba aproveitar a Oportunidade, permitindo-lhe fazer um Bom Governo e uma Boa governação.

O mundo não acaba com a formação do próximo governo, meus caros compatriotas. A ver vamos…

Que Deus abençoe São Tomé e Príncipe e dê Sabedoria e Humildade aos seus Líderes Todos.

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