quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Angola promete resolver problema dos angolanos indocumentados de longa duração em Portugal


Autoridades angolanas prometem resolver o problema dos angolanos indocumentados, residentes em Portugal. Segundo o Consulado de Angola em Lisboa, uma equipa técnica deverá começar a resolver o caso a partir de 2019.

A angolana Ana Maria Brito, de 56 anos, nasceu na aldeia de Samanguva, na província do Huambo, antiga Nova Lisboa. Veio para Lisboa com a madrinha um ano após a independência. Tinha então 13 anos de idade.

"Viemos para cá a 27 de março de 1976 por causa do conflito [armado]. Fugimos de Cuando Cubango, antiga Serpa Pinto. Dessa guerra entre a UNITA e a FNLA no Cuando Cubango, nós fugimos para o Calai. E depois do Calai, os sul-africanos mandaram-nos entrar para a Namíbia e dali viemos para aqui", conta Ana Maria Brito.

Hoje é mãe de três filhos nascidos em Portugal. Mas tal como a irmã continua sem nenhum documento angolano, mesmo depois de várias diligências junto do Consulado em Lisboa e de instituições portuguesas.

A Ana Maria Brito desabafa: "Escrevi uma carta para o cônsul, fui atendida pelo vice. Não tenho documentos nenhuns. Não tenho ajudas nenhumas. Nós vamos lá ao Consulado e é uma arrogância. Dá impressão que nós não somos angolanos também. Não somos nós que fizemos a guerra. Nós simplesmente fugimos."

Ana Brito diz que não sabe onde ir buscar uma certidão que prove o local de nascimento. Segundo lhe disse a madrinha, foi registada em 1969 para entrar para a escola, através de uma missão religiosa que já não existe: "Eu não tenho nenhum familiar lá em Angola a quem eu possa pedir para me tratar disto ou daquilo. Porque a minha mãe faleceu quando eu tinha 9 anos e fiquei com a minha madrinha. Tenho duas irmãs desaparecidas em Angola, não sei o nome delas, não sei onde é que estão. Não tenho maneira nenhuma de arranjar certidões.

"O Consulado tem que arranjar uma solução para nós", exige ela. Ana Brito é uma entre os muitos cidadãos angolanos indocumentados em Portugal.

Há casos complicados

A seguir à revolução de 25 de abril de 1974 em Portugal, com a chamada ponte aérea, muitos angolanos vieram para Lisboa sem papéis. "Há quem continue até então sem documentos", repete Jorge Silva, mediador sócio-cultural da Associação Solidariedade Imigrante junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).

"Ainda há bastantes casos, de pessoas já com mais idade. Esses casos ainda são mais complicados, porque são pessoas que, por um lado, perderam a ligação à terra, perderam ligações familiares; com o passar do tempo começaram a estar mais afastadas - e não têm sequer qualquer hipótese de voltar ao país de origem para ir tratar dos documentos. Mas as dificuldades são tantas que elas deixam-se ficar [porque] não conseguem mesmo tratar desses documentos", esclarece Jorge Silva.

Alguns, entre os mais antigos, já desistiram, adianta Jorge Silva. Outros terão optado por ficar com o cartão de residência sem esperança de obter documentação, embora continuem com Angola no coração. A geração mais nova constituída por imigrantes angolanos, incluindo estudantes, também tem dificuldades em tratar dos documentos.

"As nossas embaixadas infelizmente não tratam documentos. Tudo acaba por ser remetido para Angola para ser feito em Angola para depois voltar para Portugal e então ser distribuído às pessoas", conta Jorge Silva.

Jorge Silva diz que as pessoas têm duas opções: ou vão a Angola fazer um novo documento, sendo o processo mais ou menos rápido, ou fazem o pedido junto do Consulado em Lisboa, mas ficam uma eternidade à espera, embora oficialmente se diga que demorará três a quatro meses. E isso tem uma implicação considerável na vida das pessoas, diz o ativista angolano.

Tudo pode mudar a partir de 2019

Contactado pela DW África, Mário Silva, vice-cônsul da Embaixada de Angola responsável por este processo, reconhece ter havido demora em responder às inquietações dos cidadãos por razões técnicas. Admite tratar-se de um problema antigo desde a ponte área, o que levou a desenvolver um trabalho de proximidade com a comunidade angolana desde 2010.

"E fruto desse trabalho, nós temos 120 angolanos nessas condições de indocumentados. Nós coordenamos com o Ministério da Justiça e Direitos Humanos de Angola no sentido de vir cá uma equipa técnica para trabalhar somente para resolver esse tipo de situação", conta Mário Silva.

A equipa estará em Lisboa no primeiro trimestre de 2019, de acordo com as orientações dadas pelo Presidente da República, João Lourenço, com a missão de dar resposta paulatina aos problemas dos indocumentados. De acordo com Mário Silva, é um problema que ficará resolvido a curto prazo.

"Também estamos a fazer a coordenação junto do Estado português para que o SEF (Serviços de Estrangeiros e Fronteiras) também dê um grande contributo porque essa nossa comunidade está a passar por determinadas situações, onde os seus filhos e os seus netos, infelizmente, ficam condicionadso de se regularizarem junto do Estado angolano", avança Mário Silva.

Recentemente, no âmbito deste processo de indocumentados, o Consulado entregou o respetivo passaporte ao nacionalista angolano, Adolfo Maria, que aguardou pelo novo documento durante oito anos, depois de muita pressão junto das autoridades de Luanda. Mário Silva revelou à DW África que o Consulado resolveu outros cinco casos semelhantes ao de Adolfo Maria.

Confiança do Presidente angolano

No encontro com a comunidade angolana em Portugal, a 23 de novembro último, o Presidente João Lourenço assegurou que os casos pendentes começarão a ser resolvidos no primeiro trimestre do próximo ano, nomeadamente a emissão de cédulas, bilhetes de identidade e passaportes.

"Portanto, as autoridades angolanas estão a criar condições - e posso dizer isso com segurança - para que no início do ano se instalem postos fixos aqui em Portugal. Evidentemente que não poderemos garantir que se instalem em todos os sítios onde temos a nossa comunidade. Eventualmente, alguns vão ter que andar alguns quilómetros para satisfazerem esse desejo", prometeu João Lourenço.

Ana Brito espera que, com as mudanças em Angola, seja possível sair da condição de cidadã ilegal em Portugal: "Eu acho que este senhor Presidente está a pensar em todos os angolanos. Não há angolanos de primeira nem angolanos de segunda. Somos todos angolanos. E Deus queira que venha essa equipa para resolver a nossa situação."

João Carlos (Lisboa) | Deutsche Welle

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