Ainda não refeitos do acidente de
Borba, eis-nos de novo confrontados com mais uma ocorrência, que coloca em
causa o sistema de proteção civil vigente no País.
Duarte Caldeira | Abril Abril |
opinião
Sempre que falamos neste sistema,
temos tendência de colar ao conceito «agentes»: Bombeiros, INEM, Forças de
Segurança e outros. Fazendo isto, ficamo-nos pela avaliação crítica da
prestação de cada agente/instituição per se, perdendo de vista a sua
inserção num sistema mais vasto e complexo.
Se tivermos presente que ao longo
do ano os vários agentes asseguram ao nível local, com sucesso, cerca de um
milhão de serviços de emergência, no domínio do socorro de pessoas e bens, 80%
dos quais garantidos por corpos de bombeiros em todo o território nacional,
somos conduzidos à conclusão de que o sistema responde ao que dele se exige.
Porém, quando acontece alguma
ocorrência em que os resultados de operação são marcados pela perda de vidas
humanas e/ou dados materiais significativos, volta a dúvida quanto à confiança
no sistema.
Deste raciocínio resulta a
necessidade de não darmos por adquirida a fiabilidade do sistema tal como ele está
desenhado, obrigando-nos a um exercício de reflexão serena e alicerçada em
conhecimento, sobre as suas vulnerabilidades e insuficiências.
Aqui chegados, cruzamo-nos com a
desordem de instituições, serviços e ministérios, numa sobreposição de
competências, recursos e poderes que, nos momentos em que é necessário que
respondam a uma só voz, impõem os entendimentos corporativos que têm sobre o
que lhes compete, na cadeia de intervenção operacional.
No âmbito do trabalho do
Observatório Técnico Independente, criado no âmbito da Assembleia da República,
construímos uma infografia demonstrativa da duplicação e atropelo de
competências que cerca de meia centena de estruturas e instituições evidenciam,
em ocorrências mais graves. É um verdadeiro esparguete de linhas que se cruzam
e sobrepõem, numa matriz funcional complexa e, como tal, difícil de gerir.
Dir-se-á que esta é a razão
porque em 2007 foi criada a Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC), isto
é, para assegurar a coordenação de todo o sistema. Mas, passado mais de uma
década sobre o modelo concebido no período de 2006 e 2007, nenhuma avaliação
foi feita a esta entidade, no ponto de vista do aprofundamento da sua missão,
bem como à eficácia do modelo de articulação da ANPC com as já referidas mais
de 50 instituições e serviços, tutelados por sete ministérios diferentes.
Em resumo, podemos concluir que é
especulativo alarmar os portugueses quanto ao sistema de proteção e socorro de
que o País dispõe. Mas constitui uma evidência que o sistema de proteção civil,
necessário para gerir situações de acidente grave e catástrofe, revela cada vez
mais fragilidades e sintomas de desordem funcional.
É por esta razão que continuo a
reclamar a necessidade de, com o tempo e a serenidade que só o conhecimento
especializado permite, se fazer uma auditoria funcional ao sistema nacional de
proteção civil para que, numa primeira fase, se identifiquem as suas
vulnerabilidades e, numa segunda fase, se proponham as medidas a adotar para
lhe conferir a eficácia e eficiência que, comprovadamente, não possui.
E, para que não restem dúvidas
quanto a esta matéria, acompanho os que consideram que o projeto de Lei
Orgânica da ANPC aprovado pelo Governo no Conselho de Ministros do passado dia
25 de outubro, que tanta controvérsia tem gerado, só vai agravar a desordem.
Daqui a um ano o País estará já
na vigência de uma nova legislatura, após as eleições de outubro de 2019. Até
lá, esta é uma matéria que tem suficiente importância para integrar o debate
pré-eleitoral que se desenvolverá ao longo do ano.
Este é um dos meus votos para
2019!
*O autor escreve ao abrigo do
Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 (AE90)
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