terça-feira, 26 de junho de 2018

Angola em busca de um relacionamento internacional que se impõe


Martinho Júnior | Luanda

1- A Europa (e não só a União Europeia), directa e indirectamente está a sentir a necessidade de fluência na direcção do multipolarismo emergente que se vai distendendo desde o leste da Euro-Ásia, sobretudo em função da actividade da Organização para a Cooperação de Shanghai e tendo em conta a oportunidade do “belt and road”, a Nova Rota da Seda que vai integrando parceiros de forma articulada desde o Pacífico.

Essa Europa, que é sobretudo a Europa do Euro, não tem merecido da parte da diplomacia angolana a atenção ao nível do que é importante equacionar para Angola, um país que até passou a ter no Euro a sua moeda internacional de referência.

As diligências agora iniciadas pelo Presidente João Lourenço na direcção da Europa, conforme sua recente visita a França e à Bélgica, (que será complementada com a próxima visita à Alemanha – http://www.vanguarda.co.ao/2018/06/20/visita-de-presidente-angolano-a-alemanha-marcada-para-agosto/), visam colocar num momento oportuno a Europa, na expressão dos seus mais fortes componentes (França e Alemanha sobretudo) como uma prioridade dos relacionamentos externos angolanos, sem prejuízo de outros em curso, que se deverão necessariamente adequar às correcções.

Essa nova ordem do esforço diplomático angolano corresponde a “corrigir o que está mal e melhorar o que está bem”, slogan da própria candidatura do Presidente João Lourenço, ao mesmo tempo que incentivam os mecanismos e procedimentos de paz, desenvolvimento e democracia, prioritários para África, com particular atenção em Angola, nos dois Congo, na região dos Grandes Lagos e no Golfo da Guiné.

É evidente que em relação a essa Europa há razões sobejas de em África se manterem todo o tipo de reservas, tanto pior em relação a uma França que com Macron além do incentivo interno aos procedimentos capitalistas neoliberais, mantém acerrimamente os postulados da FrançAfrique no seu pior estilo, na África do Oeste e ao longo de todo o Sahel, até ao paralelo da República Centro Africana.

Integração e articulação é todavia um pressuposto multipolar em emergência e o lugar a preencher pela Europa nesse sentido, pode começar a ser finalmente preenchido, pelo que numa altura em que há indícios de alterações nos relacionamentos internacionais, a visita do Presidente angolano tem suporte e justificação.


2- A oportunidade das visitas do Presidente João Lourenço, vai beneficiar de forma recíproca as relações entre Angola e a União Europeia, num momento em que a Europa tende a reflectir sobre os laços de vassalagem que se arrastam desde a IIª Guerra Mundial no quadro dos procedimentos típicos do império da hegemonia unipolar e apesar das correntes de inteligência e militares que a prendem a uma NATO, que por seu turno começa a abrir brechas (https://morningstaronline.co.uk/article/nato%E2%80%99s-cracks-are-beginning-show)…

A Europa, sob os pontos de vista económico e financeiro (http://misionverdad.com/trama-global/adios-al-dolar-o-la-verdad-detras-del-g7), ao fluir na direcção leste no imenso continente euro-asiático, requalifica seus interesses, aptidões, conveniências e propósitos, obrigando a uma revisão dos parâmetros de sua defesa e segurança (incluindo uma revisão do seu papel no quadro da NATO) e um reequacionamento de relacionamentos com outros continentes e estados desses continentes.

Durante a última reunião do G-7 no Canadá (http://www.defenddemocracy.press/united-states-and-europe-now-two-strategies-collide/), assistiu-se à antecâmara dessa fluência, correspondendo ao que está a determinar a deriva da Turquia, ainda que seja um dos mais fortes componentes da NATO.

Chegar à Europa, chegar a França e Alemanha, no preciso momento do início dessa fluência, é um sinal de clarividência da diplomacia angolana e dos esforços do novo Presidente apostado em mudanças, ainda que numa época global imersa em todo o tipo de riscos.

Esse facto vai influir também na prioridade de segurança comum, conforme o que inspira por exemplo a iniciativa da criação e exploração dos dois Nord Stream no Mar Báltico (https://euobserver.com/foreign/141756), eles próprios componentes avançados, a oeste, dos conceitos inerentes à Nova Rota da Seda e África precisa urgentemente duma reformulação dos termos de segurança, uma vez que o caos, o terrorismo, o divisionismo e a desagregação, são frutos proibidos que só têm vindo a beneficiar os que persistem nos conteúdos do império de hegemonia unipolar e seus poderosos instrumentos em África, entre eles o USAFRICOM e a NATO (https://paginaglobal.blogspot.com/2018/06/a-guerra-psicologica-do-imperio-da.html).


3- Angola precisa por outro lado de levar muito em linha de conta a necessidade de iniciar a reformulação inteligente dos procedimentos de independência, soberania e segurança, em relação aos contextos e conjunturas em seu próprio território, mediante novos processos de integração e articulação.

Essa reformulação prende-se também à necessidade de se implementar uma outra doutrina, filosofia e ideologia a fim de aprimorar o carácter do próprio estado angolano e sua vocação de fiel depositário dos interesses de todo o povo angolano.

A primeira Rota da Seda que existiu em África, foi em tempo de Império Britânico e foi expressa de forma elitista pelo que foi aplicado nesse âmbito “do Cabo ao Cairo”, conforme o génio geoestratégico de Cecil John Rhodes (https://pt.wikipedia.org/wiki/Ferrovia_Cabo-Cairo).

No século XXI o pensamento elitista aplicado desde então a África, por aquilo que ele acarreta de exclusivismo, deve ser alvo de crítica descolonizadora, anti-imperialista e ao mesmo tempo substituído pelo desenvolvimento das potencialidades inerentes aos processos de integração e articulação no continente.

Angola está a ser alvo de aplicações decorrentes do pensamento elitista que em África tem como base a África do Sul, algo que contraria os pressupostos da emergência multipolar, quando a própria África do Sul é o único membro africano do grupo BRICS (https://www.odiario.info/brics-reunidos-na-africa-do-sul/)!

Por essa razão, Angola tem tido imensas dificuldades em perceber as potencialidades duma geoestratégia para um desenvolvimento sustentável que priorize fluências e linhas de força decorrentes da Região Central das Grandes Nascentes (https://paginaglobal.blogspot.com/2016/01/geoestrategia-para-um-desenvolvimento.html), pois está a ser deliberadamente atraída na sua atenção para as periferias, conforme o exemplo das motivações da criação dos Parques Naturais Transfronteiriços, no âmbito do KAZA-TFCA (https://www.kavangozambezi.org/index.php/en/).

É evidente que esses Parques Naturais são muito importantes para a paz, para melhor definir a sustentabilidade do desenvolvimento humano, para o turismo, para a protecção da fauna e da flora, até para reforço das medidas de respeito que a Mãe Terra merece, mas não são a prioridade máxima para os pressupostos básicos duma geoestratégia para um desenvolvimento sustentável (http://www.redeangola.info/roteiros/marco-geodesico-de-angola/), conforme a atenção prioritária que se deve conferir ao perímetro circular da Região Central das Grandes Nascentes (cujo centro coincide praticamente com o centro geográfico do espaço nacional angolano – https://run.unl.pt/bitstream/10362/14542/1/TSIG0103.pdf).

Por outro lado, o verdadeiro motor por detrás da confluência de interesses que adensam o KAZA-TFCA, têm sido instrumentalizados pelo “lobby” dos minerais nos Estados Unidos, em estreita consonância histórica com os interesses do cartel dos diamantes, que se aplica em tirar proveito do processo Kimberley e do deslocamento do grosso dos seus interesses, investimentos e acção para o Botswana.

As abordagens no quadro das emergências multipolares facilitam mesmo assim um outro equacionamento dos fenómenos físico-geográficos correlacionados com os fenómenos humanos, algo que se a Europa começa a experimentar ao ser atraída a expedientes integradores e articulados; a Europa pode assim começar a contribuir para em África se abandonar o pensamento elitista que tem tanto a ver com colonialismo, império, “lobby” dos minerais e cartel dos diamantes, reforçando as integrações articuladas que tenham a ver com a sustentabilidade do desenvolvimento e com uma geoestratégia que é uma base potencial para alicerçar os mais amplos processos de inteligência e de segurança.

É também essa nova forma de focar e interpretar, que pode melhor equacionar os processos que conduzem à paz na RDC e nos Grandes Lagos, a imprescindível plataforma que abre as portas do desenvolvimento sustentável em África.

Depois das viagens do Presidente João Lourenço à Europa, têm a palavra os relacionamentos de Angola com os mais poderosos emergentes multipolares, uma espectativa que fica em aberto.

Martinho Júnior - Luanda, 23 de Junho de 2018

Imagens:
Presidente João Lourenço visita a França;
Presidente João Lourenço visita a Bélgica;
Visita ao Bié (a 26 de Fevereiro de 2017), do candidato à Presidência da República de Angola, João Lourenço – http://jornaldeangola.sapo.ao/politica/mpla_desafia_a_oposicao);
Marco geodésico central de Angola, em Camacupa (reinaugurado a 9 de Julho de 2015);
Mapa de Angola com a localização do marco geodésico central.

O Livro de bolso no Brasil: pioneirismo gaúcho


“O livro traz a dupla delícia de a gente estar só e acompanhado ao mesmo tempo” / Mário Quintana (1906 -1994)
   
Muitos podem pensar que o livro de bolso não é uma invenção tão antiga. Trata-se de um erro.  Formato reduzido e com o preço acessível, o livro de bolso se popularizou na Europa do século 19, a exemplo da Coleção Charpentier na França, das edições Tauchnitz na Alemanha e dos livros oferecidos nas estações de trem da Inglaterra.

No Rio Grande do Sul, o livro de bolso, de acordo com alguns autores, remete-nos à poetisa cega Delfina Benigna Cunha (1791-1857), nascida em S. José do Norte (RS), na Estância do Pontal. Entre outras obras, ela é autora de Poesias oferecidas às senhoras rio-grandenses (1834), considerado o primeiro livro de poesia impresso no Rio Grande do Sul, reeditado, em 1838, no Rio de Janeiro.
   
No livro 50 anos de Literatura / Perfil das Patronas (1993), pág.25, organizado pela Academia Literária Feminina do Rio Grande do Sul (ALFRS), a escritora Marília Beatriz Cibils Becker registrou sobre a poetisa cega: “(...) seus livros são de pequeno tamanho, fáceis de manusear e delicados para a leitura das senhoras (livro de bolso)”.  Esta escritora ocupa, na ALFRS, a cadeira nº 1, da qual Delfina Benigna Cunha é a patrona.  Já o autor Eloy Terra, em seu livro As Ruas de Porto Alegre (2001), da Editora AGE, pág. 69, ao se referir à obra da poetisa cega, complementou: “ (...) Era um livro de pequeno formato. Cabia na bolsa das senhoras da sociedade.”

No Brasil, os primeiros livros de bolso, em série, são creditados à Coleção Globo, lançada, em 1933, pela Livraria do Globo de Porto Alegre. Totalizando 24 títulos, os livros mediam 11 x 16 cm. Em 1942, o seu editor e empresário Henrique Bertaso (1906-1977) lançou a Coleção Tucano. Infelizmente, ambas as iniciativas tiveram um sucesso apenas parcial. 
  
 Nos anos 60, diante do êxito de venda do “pocket book”, nos supermercados dos Estados Unidos, novamente a Editora Globo decidiu investir no livro de bolso. Ao lançar, em 1961, a Coleção Catavento, a editora manteve a sua proposta inicial de difundir os clássicos literários a preços populares, saindo, assim, do restrito circuito das livrarias consideradas, à época, elitistas.

Segundo A. Coutinho Leite, em seu artigo Difusão do livro de bôlso, publicado na revista literária Prêto e Branco, da Editora Globo, nº 3, de 1961, a Coleção Catavento  foi  colocada à venda, em Porto Alegre, em farmácias, confeitarias, supermercados e bares, sendo acondicionada em modernas estantes de madeira. Alguns números desta revista fazem parte do acervo do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa, atualmente dirigido pela jornalista Elizabeth Corbetta.

A verdade é que o livro de bolso esperou algumas décadas, para conquistar um espaço definitivo no mercado, embora os esforços da Editora Globo, da Edibolso, em consórcio liderado pela Editora Abril, em 1971, seguido pelas Coleções Sagarana da José Olympio e Saraiva. Ainda, no final da década de 70, o presidente da Brasiliense Caio Graco Júnior e o editor da Companhia das Letras Luiz Schwarcz também adotaram o formato 11x 16 cm na Coleção Primeiros Passos.

Historicamente, é notório de que havia restrições quanto ao livro de bolso. Como os exemplares eram vendidos a preços mais baixos, o livreiro não se sentia atraído em receber margens menores por produto.

Finalmente, em fevereiro de 1997, com o lançamento de uma série, pela editora L&PM, composta de 12 clássicos da literatura universal, o “pocket book” iniciaria a sua consolidação no mercado. Ivan Pinheiro Machado - um dos fundadores da L&PM - declarou que a editora, em 2004, já havia alcançando a marca de 1.500 displays dos pockets “do Belém à avenida Paulista”. Em 2011, a editora atingia a venda expressiva de mais de dois milhões de livros de bolso em todo o Brasil.

Quanto a nossa tradicional Editora Globo, em 1986, foi vendida à carioca Rio Gráfica Editora. Fundada em Porto Alegre, em 1883, sua história permanece viva na memória cultural dos gaúchos. Entre novidades e tantos sucessos, a Editora Globo foi pioneira, no Brasil, ao introduzir no mercado o livro de bolso.
                                  
*Pesquisador e coordenador do setor de imprensa do Museu da Comunicação HJC

Texto publicado no jornal gaúcho Zero Hora de 13/06/2018

Bibliografia:
Hallewell, Laurence. O Livro no Brasil / Sua história. São Paulo:  Edusp, 1985

Imagens:
1-  Coleção: Collection of British Authors
Editora: Bernhard Tauchnitz, Alemanha /1902
2- Ora Bolas / O humor de Mário Quintana - Juarez Fonseca - L&PM  POCKET /2007 
3-- Delfina Benigna Cunha (1791-1857),
4-- Poesias oferecidas às senhoras rio-grandenses  (1838) / 2ª edição no Rio de Janeiro. 

Famílias brasileiras veem o risco de voltar ao mapa da fome da ONU


O Brasil está na iminência de um vergonhoso retorno ao mapa da fome da ONU (Organização das Nações Unidas), de onde tinha saído em 2014. Com a entrada do governo golpista de Michel Temer, a partir de 2016, os investimentos sociais deixaram de ser prioridade e o corte em programas como o Bolsa Família ou o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) afetou diretamente famílias como a da mineira Maria Joana.

Joana tem 64 anos e há 17 mora às margens da BR 458, no entorno do colar metropolitano do Vale do Aço (MG). Natural de Bom Jesus do Galho (MG), viúva do primeiro marido e deixada pelo segundo, é ela quem gerencia o pequeno barraco onde mora com seu filho de 25 anos e o neto Claiton de 12 anos. Três pessoas e a única renda fixa vem do benefício de R$ 171 do Bolsa Família.

“Com todo o peso do mundo em suas costas”, Joana é de riso fácil. Cheguei cedo e só ela estava acordada e ativa. Tinha feito café, buscado um pouco de água na cisterna e cuidava da criação. Muito curioso, Claiton levantou com a minha chegada, veio sem escovar os dentes mesmo e me ofereceu uma mexerica. Arredio, o filho de Joana não me olhou nos olhos, não cumprimentou e eu o deixei a vontade na sua particularidade.

Atenciosa, Joana começa a compartilhar sua história de vida. Fala com carinho dos tapetes que costura, conta com orgulho a sua luta e da decisão de tentar melhores condições ao ocupar um pedacinho de terra para subsistência. Isso porque com o rendimento não conseguia mais pagar o aluguel, fazer compras, pagar passagens, comprar roupas.

Mineiro tem fama de desconfiado. O filho de Joana é a expressão viva desse esterótipo. “Quando saí da cadeia, fiquei dois anos e meio longe do crime. Um dia minha mãe passou mal, eu não tinha dinheiro para um mototaxi para levá-la ao hospital”. Foi o chamado para voltar ao tráfico e tentar uma renda a mais na casa.

Joana não aprova as escolhas do filho, mas acolhe e sabe dos riscos e das consequências deste caminho. Para ele, a falta de oportunidades foram o levando para esse caminho. “A televisão mostra altos financiamentos e eu moro em um lugar que não tem nem reboco. Eles me ilude (sic) a ter uma coisa que não posso e depois me oprime (sic) porque eu corro atrás daquilo”. Ele acha que as consequências tem que ser cobradas, “mas nem todo mundo faz porque quer. As vezes o filho de quem julga tá bem, mas porque teve uma escola.”

Fome

No final dos anos 80, a década perdida, Jorge Furtado apresentou famílias que sobreviviam do resto de feira no documentário “Ilha das Flores”.

Em 2018, com um país dominado pelo agronegócio e pela ditadura da estética, o desperdício atinge até mesmo frutas, legumes e hortaliças “feias”, que por não estarem vistosas, são descartadas ao lixo. Foi nesse lixo que Joana achou alface no meio do monte de legumes trazidos na carroceria do caminhão por Onofre. Ela sorriu timidamente e, de maneira assertiva, disse que só precisava lavar e colocar um pouco de cloro para limpar. “Pra gente sobreviver, a gente tem que ter coragem”.

A família de Joana busca estar um degrau acima da miséria. Falta fair play com o povo brasileiro.

Por Nilmar Lage, no Brasil de Fato | Publicado em Vermelho

George Soros e a presente conjuntura

Prabhat Patnaik [*] 

O bilionário George Sores lançou nervosismo nos mercados financeiros ao sugerir que uma nova crise está iminente nas finanças mundiais. Num discurso recente a um think-tank, ele sublinhou que a saída do capital financeiro do terceiro mundo é provável que prenda estas economias num ciclo de desvalorizações da taxa de câmbio e austeridade. E ele mencionou especificamente a União Europeia que enfrenta uma "crise existencial" devido a três factores:   sua desintegração territorial exemplificada pelo Brexit; a austeridade e a crise de refugiados. A solução por ele sugerida para a Europa é tipicamente keynesiana e incluía um novo Plano Marshall que a UE como um todo deveria adoptar para com a África de modo a estancar o seu fluxo de refugiados para a Europa.

As visões individuais de um George Sores não têm interesse para nós. Mas os factores para os quais ele chamou a atenção, tais como os EUA a sugarem capital financeiro do resto do mundo, especialmente do terceiro mundo; a valorização do dólar; o assomar da crise para o terceiro mundo; o problema dos refugiados para a Europa (o qual, embora Soros não o diga, equivale a afirmar que quem semeia ventos colhe tempestades [1] ) e as diferenças UE-EUA sobre o Acordo Nuclear com o Irão as quais também têm implicações económicas; estão todos em conjunto a pressionar o capitalismo mundial para uma crise grave, a qual, como financeiro arguto, ele reconhece – embora o establishment liberal burguês não o reconheça.

Soros não é economista e não explica como exactamente actuariam os vários factores que considera acossarem o capitalismo contemporâneo a fim de provocar a crise financeira que adverte. Mas a sua intuição é importante especialmente porque ele próprio é um capitalista retinto e não um revolucionário socialista que está intelectualmente habituado a encarar a transitoriedade do capitalismo.

A solução que apresenta, de um novo Plano Marshall para a África a ser operado pela UE, não é uma ideia nova. Soluções semelhantes têm sido apresentadas no passado a partir da tradição keynesiana. O Plano Marshall original, pode-se recordar, trouxe assistência dos EUA a uma Europa devastada após a Segunda Guerra Mundial a fim de recolocar aquelas economias em pé. A escala da assistência do Plano Marshall original tem sido estimada, aos preços de hoje, em torno dos US$110 mil milhões. O que Soros sugeriu para um Plano Marshall Europeu nos dias de hoje é uma assistência com um custo da ordem dos US$35 mil milhões para a África. Trata-se de uma medida keynesiana porque estimularia a procura agregada na economia mundial (e dentro da própria Europa se a assistência proposta estivesse ligada ao gasto só de bens europeus), mesmo quando provoca maiores investimentos e gastos sociais no interior de uma parte subdesenvolvida do mundo.

A sugestão mais famosa nesta linha foi avançada pela Comissão Brandt para o mundo capitalista avançado como um todo: eles deveriam por de lado uma parte do seu PIB a fim de transferi-lo para os países pobres como doação(grants). Isto, argumentou-se, ajudaria ambos os conjuntos de países, os primeiros através de maior emprego e produção, pois sofrem de uma deficiência da procura agregada, e os últimos através de maiores recursos pois sofrem de escassez de recursos para empreenderem investimentos ou gastos sociais.

A lógica deste esquema está no facto de que tais transferências não diminuiriam a disponibilidade de bens e serviços no mundo capitalista avançado, mas ao invés aumentariam esta disponibilidade. A razão para isso é como se segue: bens que não são procurados numa economia capitalista não são produzidos, resultando na existência de desemprego e capacidade inutilizada. Agora suponha-se que um valor de 100 rupias seja transferido para o terceiro mundo, então, para produzir estes bens, trabalhadores terão de ser empregados; para produzir os inputs exigidos para produzi-los no valor de 100 rupias, e com o consumo de bens procurados pelos trabalhadores recém empregados, mais trabalhadores terão de ser empregados, e assim por diante. Portanto algo como, digamos, bens no valor de 400 rupias terão de ser novamente produzidos, dos quais 300 rupias serão consumidas dentro do mundo capitalista avançado e 100 rupias transferidas para o exterior. 

O emprego, a produção e o consumo neste segmento portanto aumenta em consequência da transferência, e não diminui, em comparação com a situação original. Dito de modo diferente, tais transferências constituem um jogo de "soma não zero"; uma situação de capacidade inutilizada e desemprego é aquela a partir da qual todos podem ser beneficiados, se houver um aumento da procura agregada, a qual, de acordo com o argumento de Willy Brandt, teria decorrido das transferências para os países pobres. O que Brandt sugeriu para os países avançados em relação aos países pobres é exactamente o que agora está a ser sugerido por Soros para a Europa em relação à África.

Contudo, a sugestão da Comissão Brandt caiu em ouvidos totalmente moucos, e o mesmo está a acontecer com a sugestão de Soros, porque o capitalismo não funciona deste modo. Não é um sistema que possa ser moldado como plasticina para se conformar a algum princípio de racionalidade social, pois, se o fizesse, então não teríamos o espectáculo absurdo, como o que temos hoje, da sua prática de "austeridade", a qual é uma redução da procura, em meio a uma recessão. De facto, o próprio Keynes, o qual estava ansioso por salvar o sistema da ameaça socialista, confundiu sua natureza fundamental, a qual é restringir todas as transferências, pois elas supostamente "estragariam" os beneficiários. A lógica do sistema, como o contemporâneo mais jovem de Keynes, Michael Kalecki, economista marxista, observou de modo incisivo é que "você deve ganhar o seu pão com o suor do seu rosto a menos que por acaso tenha meios privados". Isto foi a lógica utilizada para negar assistência a uma Grécia assolada por dívida. E de uma União Europeia que não pôde sequer salvar um dos seu próprios membros, a Grécia, dificilmente se pode esperar que faça transferências para a África, não importa quão "racionais" tais transferências possam se mostrar para todas as partes.

A época em que o Plano Marshall original foi adoptado era totalmente diferente, quando o capitalismo estava de costas contra a parede, forçado a fazer concessões contra as quais normalmente teria combatido com unhas e dentes. Havia uma ameaça socialista que pairava, com a União Soviética, a qual havia vencido a Alemanha nazi, no pico do seu prestígio e popularidade. E a classe trabalhadora inquietava-se por mudanças, como evidenciaram as eleições britânicas a seguir à guerra em que Churchill e os conservadores foram derrotados. Ao mesmo tempo, o capitalismo fora enfraquecido pela própria guerra e não estava em posição de combater uma outra guerra, contra o socialismo. Foi neste contexto que foi obrigado a fazer ajustamentos ao seu modus operandi normal. Os EUA ajudarem a reconstruir a Europa foi um ajustamento para salvar o mundo da ameaça do socialismo.

De facto, o Plano Marshall foi uma das muitas concessões que tiveram de ser feitas para salvar o sistema. A intervenção do Estado na "administração da procura" através de meios orçamentais, para trazer estas economias mais próximas ao pleno emprego, a qual fora evitada antes da guerra, e que foi evitada subsequentemente sob o neoliberalismo, teve de ser aceite para impedir que a inquietação da classe trabalhadora assumisse uma forma revolucionária. A descolonização política, a qual Churchill e seus semelhantes se opuseram totalmente, teve de ser concedida (muito embora a descolonização económica, no sentido de o terceiro mundo obter controle sobre os seus próprios recursos, exigisse um novo e ainda mais árduo combate). Da mesma forma, o direito de voto universal, a que até então resistira, teve de ser concedido. Tudo isto, que indirectamente foi a contribuição da União Soviética para os povos do mundo, mas quase nunca reconhecida, ocorreu dentro daquela conjuntura particular.

Entretanto, aquela conjuntura hoje já não existe. Muito embora o capitalismo esteja em meio de uma crise profunda, e quanto a isto Soros está certo, ele actualmente não está a enfrentar quaisquer perspectivas de um derrube iminente pelas forças do socialismo. E mesmo se assim fosse, não está suficientemente devastado pela guerra para preferir fazer concessões a tomar uma postura agressiva. Um Plano Marshall Europeu para a África é uma fantasia ilusória neste contexto. De facto, o capitalismo europeu deixaria de preferência refugiados afogarem-se no Mar Mediterrâneo, preferiria apoiar ditadores militares na África que impedissem suas populações de fugirem para o exterior e estabeleceriam antes seus próprios postos avançados em países africanos para impedir tal emigração para a Europa, do que ajudaria estes países fornecendo-lhes concessões para o seu desenvolvimento. Os fundamentos epistémicos de capitalismo militam contra qualquer rota de acção que seja ditada por considerações "humanitárias". 

25/Junho/2018

[1] "The chickens came home to roost", no original. É uma frase famosa de Malcom X após o assassinato de Kennedy, em 1963, pretendendo com isso dizer que a política do imperialismo provocou o assassínio.

[*] Economista, indiano, ver Wikipedia

O original encontra-se em peoplesdemocracy.in/2018/0624_pd/george-soros-current-conjuncture . Tradução de JF. 
Este artigo encontra-se em https://resistir.info/ 

O CONLUIO DO GOVERNO PS COM O PATRONATO


Portugal foi o único país da União Europeia cujos salários reduziram-se no 1º trimestre. de 2018, como se pode ver neste gráfico elaborado pelo Eurostat.

No entanto, o governo PS – conluiado com o patronato e com a benção da central sindical amarela (UGT) – aprovou uma proposta para precarizar ainda mais as condições do trabalho em Portugal.

As opções de classe deste governo sobrepuseram-se à sua vergonha. Mas a dita proposta ainda terá de ser aprovada pela Assembleia da República. Assim, aproxima-se a hora da verdade para os deputados do PS:   terão coragem para rejeitar esta proposta vergonhosa? Ou aliar-se-ão à direita parlamentar para aprová-la (com algumas alterações cosméticas para disfarçar)?

Em breve saberemos.

EUA e Portugal assumem compromisso de aumentar despesas com a NATO


O secretário de Estado norte-americano e o ministro dos Negócios Estrangeiros português reafirmaram quinta-feira o compromisso de reforçar as despesas com a NATO e a segurança europeia na energia, assim como enfrentar as ações destabilizadoras da Rússia.
Ainformação foi prestada pelo porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, Heather Nauert.

"O secretário [de Estado] Pompeo reniu-se hoje com o ministro dos Negócios Estrangeiros Santos Silva. Eles reafirmaram o compromisso mútuo entre os Estados Unidos e Portugal para aumentar as despesas com a defesa da NATO, reforçar a segurança europeia no setor da energia e enfrentar as ações destabilizadoras da Rússia", adiantou o porta-voz.

Augusto Santos Silva foi recebido na quinta-feira pelo secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, no Departamento de Estado, no primeiro ato de uma visita de cinco dias a Washington, na semana que antecede o encontro entre o Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, e o chefe de Estado norte-americano, Donald Trump, na Casa Branca.

As relações entre a União Europeia e os EUA foi um dos temas debatidos pelos dois chefes da diplomacia durante o encontro, com o ministro português a reiterar que "independentemente das diferenças de opinião, que são claras hoje, em matérias tão importantes como as alterações climáticas ou o comércio internacional, a aliança entre as democracias da América do Norte e da Europa é absolutamente vital para a ordem internacional", disse Santos Silva à Lusa, por telefone, após o encontro.

Na reunião, os dois responsáveis abordaram as relações bilaterais, com o ministro a salientar "dois elementos positivos".

Por um lado, quanto à base das Lajes e às medidas de atenuação do impacto ambiental da presença norte-americana na ilha Terceira, Açores, Santos Silva apontou que, com o novo embaixador norte-americano em Lisboa, George Glass, "houve uma mudança positiva no comportamento norte-americano nas negociações".

Outro aspeto enaltecido por Santos Silva foi o aumento das trocas comerciais e do investimento entre os dois países.

Além disso, sublinhou, "atualmente 30% do gás natural liquefeito [GNL] exportado dos EUA para a Europa entra pelo porto de Sines", o que representa "um filão muito grande a nível comercial, económico e de segurança", porque permite aos países europeus ficarem menos dependentes do gás e petróleo de outros países, "designadamente a Rússia".

Do ponto de vista internacional, Pompeo prestou ao governante português "informação muito útil" sobre as negociações em curso entre os EUA, a Coreia do Norte e a China.

"Também informei sobre a relação entre Portugal e a China, que também são úteis para os EUA terem uma noção clara do que é essa relação, de qual é o seu alcance e natureza", acrescentou.

A reunião serviu também para "preparar bem o encontro", na próxima quarta-feira, entre Marcelo Rebelo de Sousa e Donald Trump na Casa Branca, que culminará a celebração do "Mês de Portugal nos Estados Unidos", no âmbito do qual foi celebrado o 10 de Junho com as comunidades de Massachusetts e Rhode Island.

A visita de Santos Silva a Washington prossegue, na sexta-feira, com uma intervenção no seminário da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD), sobre o tema "Enduring Alliances".

No sábado, o chefe da diplomacia portuguesa participa na "Inaugural Portuguese-American National Conference", em que intervirá o secretário-geral das Nações Unidas, o português António Guterres.

Já na segunda-feira, marca presença num jantar de trabalho sobre gás natural liquefeito, "com o objetivo de promover Portugal como 'Hub' europeu", segundo nota oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Lusa | em Notícias ao Minuto

ÓPIO A ABRIR, PORTUGAL E O MUNDO A SEGUIR


Futebol do Rússia2018 também no Expresso Curto. Nem podia deixar de assim acontecer. Por nós já demos para esse peditório. Chega. De resto, nem somos dos que usa o ópio do povo para se alienar de realidades e embrutecimentos intelectuais.

Hoje nem vamos adiantar muito mais nesta entrada do PG para o Curto. Fiquem por vossa conta e leiam, ou não, o que dizem os contratados do jornalismo nos órgãos do tio Balsemão. Recomendamos que leiam e desejamos que passem um bom dia com boas festas aos animais que por vós passem, rasteiros mas fiéis. Mais que muitos dos ditos humanos. Bom dia e adiante. (MM | PG)

Bom dia este é o seu Expresso Curto

Trivela, a obra de uma vida inteira

Vítor Matos | Expresso

Bom dia!

Aquele golo bastava-nos. A tabelinha, tic-tac, a finta, e depois o remate inesperado com a parte de fora do pé, e o efeito fatal ao ângulo. Experimente rematar uma bola assim para ver onde ela vai parar, diz-se uma “trivela", direitinha às redes, não se quer acreditar, se fosse escrever aqui um lugar-comum diria que foi uma obra de arte, mas aquilo foi sobretudo um trabalho profissional, daqueles que se concretizam quando alguém consegue pôr num gesto tudo aquilo que sabe de um ofício que aperfeiçoou ao longo de uma vida inteira. Quaresma bastou-nos ontem à noite, encheu-nos de futebol, para dormimos descansados depois do sofrimento final contra o Irão. Desta vez, Ronaldo falhou-nos. Acontece.

Os melhores profissionais têm destas coisas, tanto acertam que um dia também falham, só que quando se é o melhor do mundo não há desculpa possível, já tinha quatro golos marcados, este seria o quinto, podia ver-se a angústia do avançado perante o guarda-redes enorme dentro da pequena baliza antes do penálti. Como consolo, sirva-nos a estatística, ninguém marca sempre, imaginem um jogador que concretiza 100% de penalidades, nem o Maradona nem o Baggio nem o Platini, esses falharam penaltis inesquecíveis em mundiais, pois os génios também erram, e serve-nos de consolo, humaniza quem olha para o Cristiano como um super-homem. O problema é que um penálti falhado é um golo a favor da equipa adversária e assim foi, parecia impensável que os iranianos marcassem, mas marcaram, a bola é redonda e o VAR é retangular, por mais que veja as imagens não vejo ali nada, nem mão nem coisa nenhuma, mas é que uma pessoa perde o discernimento com os nervos e decerto perdi também algumas faculdades momentâneas de visão acompanhadas de palavreado pouco apropriado. Mas parece que o Alan Shearer é da mesma opinião, ou tem os mesmos defeitos oculares para não ver ali a penalidade, diz que é uma "farsa" valha-nos isso, que o homem é inglês e deve ser mais imparcial do que nós.

Aquele tempo extra foi uma coisa terrível, com os espanhóis a marcarem aos marroquinos no outro estádio, a malta a começar a fazer contas no sofá e os iranianos a pressionarem, um país inteiro nisto - aliás, duas velhíssimas nações inteiras nisto, persas e portugueses -, mas afinal o apito final chegou. Apanhamos o Uruguai nos oitavos, talvez seja melhor do que defrontar os russos todos acesos em casa e em Moscovo, agora venha quem vier temos pelo menos mais 90 minutos de sofrimento garantido. E talvez o público russo saia a nosso favor, a pedir ao altíssimo para golearmos o Uruguai, como vingança divina pela humilhação que infligiram à velha Rússia.

Houve outros sustos. Se o meu coração foi acelerando até aos 96 minutos, parou e congelou o da Lídia Paralta Gomes, enviada ao Mundial e que escreveu a crónica do jogo aqui na Tribuna Expresso. Parou quando viu a bola "lá dentro, a balançar na rede”, isto de quem torce por um país tem que se lhe diga, eu não vi a mão do Cédric, e a Lídia parecia-lhe que Taremi tinha metido a bola para lá de Patrício. Tremi, trememos todos, e depois passámos uns três minutos demasiado longos com o credo na boca, prova de que o tempo é uma coisa demasiado relativa.

Como nem só de golos se faz um jogo, houve um homem que fez mais ainda a diferença: Pepe, como nos conta aqui o Pedro Candeias, editor de Desporto do Expresso e da Tribuna, que o elegeu como o melhor em campo: “Nunca é tarde para agradecer a alguém que decidiu escolher Portugal ao Brasil, um ato de fé que é também uma extraordinária prova de amor a um país”. E se alguma vez viu “um beto substituir um cigano em funções consideradas vitais para um país e correr bem?”, então leia aqui análise jogador a jogador, do Vasco Mendonça (de Um Azar do Kralj). Ou outra análise pelo Diogo Faro, que começa assim: “Quando vierem 476 iranianos a correr com a bola, (...) gritemos: "Ó PEPE ANDA CÁ SALVAR ISTO, POR FAVOR!" Para desempatar, há uma perspectiva feminina, da Catarina Pereira, do Lá em Casa Mando Eu, a lembrar com ironia que “as mulheres iranianas já podem entrar nos estádios (viva!), mas os nossos médios mais ofensivos ainda não”.

Se não passou o serão de ontem a ver programas de comentário sobre as incidências do jogo, pode ler aqui que no fim da partida Quaresma ficou chateado porque “o treinador [do Irão], é português e deve respeitar mais os portugueses” e noutra peça, saber o que disse Carlos Queirós, que se queixou do video-árbitro sobre Ronaldo: “Não vou ser simpático com o que aconteceu”.. Ou perceber o alívio de Fernando Santos, que criticou William por andar “meio perdido, porque queria arrastar o 20 deles”. E ainda as declarações de João Mário sobre o VAR ou de Arien sobre a passagem aos oitavos.

É claro que o quadro não fica completo sem perceber o que aconteceu a Espanha, que apesar de tanta tabelinha, futebol curto, posse de bola e talento, chegou a estar em risco, quase derrotada por Marrocos. Mas não. Empatou quase no fim do jogo e agora defronta a Rússia em casa e em Moscovo. Era onde Portugal devia estar, mas ainda bem que não está. O Diogo Pombo escreveu a crónica do jogo na Tribuna: “A Espanha continua a ser a Espanha que faz 762 passes em hora e meia. Ainda é insuperável no centro do campo, mas também parece ser, cada vez mais e por força do contexto deixado por um treinador despedido, falível na própria área e ineficaz (e pouco esclarecedora) na área adversária.” Sábado há mais.

OUTRAS NOTÍCIAS

O jogo foi tão interessante que, logo no final tanto António Costa como Marcelo Rebelo de Sousa fizeram uma espécie de crónica da partida, mas o Presidente da República tem mais com que se preocupar. Amanhã encontra-se com Donald Trumpna Casa Branca, mas escapará a uma conferência de imprensa conjunta. A Ângela Silva explica neste artigo publicado no Expresso Diário, como Marcelo escapou a aparecer muito tempo ao lado de Trump como sucedeu com o francês Macron: o facto de ser uma visita de trabalho e não de Estado liberta o protocolo dessa obrigação. Um alívio. Quem sabe se Trump tirava uma selfie com o Presidente português? "Great guy!"

Dois anos depois do Euro e da polémica sobre o caso "viagens da Galp", o Observador noticiou que vão ser constituídos arguidos os deputados do PSD Luís Montenegro, Hugo Soares e Luís Campos Ferreira, por suspeita de recebimento indevido de vantagem - por alegada oferta da Olivedesportos de Joaquim Oliveira para ver jogos da seleção em França. Os três deputados (dois deles ex-líderes parlamentares) disseram que receberam a notícia “com surpresa mas também com absoluta tranquilidade", e confirmaram a constituição como arguidos.

Se não se encontram nas reuniões da direção do PSD para combinarem estratégias, Rui Rio e Fernando Negrãoalmoçaram ontem no Porto para resolverem o diferendo da aprovação do diploma do CDS para acabar com a sobretaxa dos combustíveis - que o líder fez saber ter sido aprovada pela bancada à sua "revelia". Segundo o Público, o PSD vai tentar que a medida só entre em vigor em 2019 ou que seja assegurada a neutralidade fiscal.

A polémica sobre a transferência do Infarmed para o Porto prossegue. O Jornal de Notícias tinha divulgado ontem um relatório a apontar vantagens na mudança, mas Rui Moreira, presidente da câmara recusa a a ida de apenas 47 trabalhadores e quer a sede do instituto na cidade que gere: "O Porto quer o Infarmed, admitindo que em Lisboa fique uma delegação. Quando falamos da localização, estamos a falar de estarem no Porto as suas principais competências e valências", afirmou Rui Moreira, citado pelo JN.

Em Caxias, um guarda prisional passava informações confidenciais aos reclusos sobre rusgas, para além de ter um papel importante na entrada de droga e de telemóveis na prisão. Uma história do Hugo Franco e do Rui Gustavo, no Expresso.

Na Turquia, Recep Tayyip Erdogan não só ganhou as eleições como conseguiu alterar o regime constitucional para um presidencialismo à sua medida. A comunidade internacional criticou o processo eleitoral turco. A chefe da diplomacia europeia, Federica Mogherini, criticou nesta segunda-feira as condições da campanha eleitoral na Turquia e considerou que não foi "imparcial".

A declaração de António Saraiva, da CIP, que numa entreviata ao Negócios admitiu o salário mínimo acima dos 600 euros apanhou os outros patrões de surpresa, admitiram outras confederações patronais ao Expresso.
Se é trabalhador independente, fique a saber que em 2017 só 316 pessoas nessa situação conseguiram ter acesso ao subsídio de desemprego.

Na Europa está em marcha um novo grupo partidário que pode ter algum peso na configuração do próximo Parlamento Europeu, retirando força a socialistas e a conservadores. O Presidente Francês, Emmanuel Macron, assinou um acordo com o líder dos espanhóis Ciudadanos e que poderá estender-se ao Partido Democrático Italiano do ex-primeiro-ministro Matteo Renzi.

Regressando ao desporto, Sousa Cintra quer rescindir com o treinador Mihajlovic.

E o Benfica foi alvo de novas buscas no âmbito do caso Mala Ciao(O Observador fez um explicador sobre o assunto). Desta vez, trata-se do alegado aliciamento de jogadores que envolve o Benfica, o Vitória de Setúbal, o Desportivo das Aves e o Paços de Ferreira. Luís Filipe Vieira fez uma conferência de imprensa a dizer que “nada naquela denúncia faz sentido”.

AS MANCHETES DO DIA

Público: "Ficaram por fazer mais de 233 mil consultas de oftalmologia em 2017"

Diário de Notícias: "Madeira ilegal do Congo entra na Europa por Portugal"

Jornal de Notícias: "PJ suspeita de corrupção na cedência de jogadores do Benfica"

Correio da Manhã: "Lisboa movimenta 22 aviões por hora"

i: "Médico de Marcelo foi impedido de entrar nas urgências do Hospital de Braga"

Negócios: "Rendimentos prediais aumentam 65% em dois anos"

O QUE ANDO A LER

FICÇÃO

No velho Império Austro-Húngaro, tudo tem um cheiro antigo, a humidade e bolor, seja na Viena imperial mesmo em pequenas casas perto do Schonbrunn vienense (o palácio dos imperadores) ou nos palacetes da nobreza rural e militar. As Velas Ardem Até ao Fim (D. Quixote) é um livro do escritor húngaro Sándor Marai, cuja obra eu desconhecia, sobre a amizade de dois rapazes, afinal dois velhos, inseparáveis na juventude, antes e depois do colégio militar, que passam 40 anos sem se ver. Na verdade, é um livro sobre a amizade, mas daquele tipo de amizade que só é possível entre dois homens e seria muito improvável se fosse entre duas mulheres (li isto algures sobre a obra, mas depois percebi exatamente o que isto queria dizer).

Até que um dia Konrád se anuncia no palacete de caça de Henrik, "o general". Já não se viam há duas décadas. Agora têm mais de 70 anos. A ama do menino Henrik já fez 91 e tudo parece velho e decandente como o regime que há-de cair depois da Grande Guerra. A única luz que o autor projeta no ambiente sombrio da Hungria rural vem da música de Chopin tocada num piano que a mãe (francesa) do general levou de Paris para a consolar no frio húngaro. Com a chegada das memórias antigas à sua casa, o fidalgo manda abrir uma sala que estava selada, para um jantar. Henrik, o aristocrata castrense e Kónrad, o melómano pobre e com sensibilidade de artista que nunca teve vocação para soldado e viveu no Extremo Oriente, continuam unidos por uma amizade incompreensível, mas trágica. O livro é rápido de ler, a escrita é simples e direta, mas o efeito poderoso. Se puder, leve para férias que não se vai arrepender.

NÃO-FICÇÃO

Entretanto, comecei a ler a biografia do general Loureiro dos Santos, "O que tem de ser tem muita força", escrito pela minha colega do Expresso, Luísa Meireles, e que é lançado esta tarde na Assembleia da República. Duas histórias lançam o livro. Uma história final abre o primeiro capítulo, quando Loureiro dos Santos se demite do Estado Maior do Exército em 1992, contra a polémica "lei dos coronéis" do ministro Fernando Nogueira e de Cavaco Silva. E a história inicial que se segue dá conta de um rapazito, Zeca, Zé Alberto, em Vila Pouca, Trás-os-Montes, cuja inteligência é descoberta por um professor que insiste para os pais o porem a estudar, nem que tenham de roubar.

Ingressará na Academia Militar, será oficial de Artilharia, passará pela guerra, estará no olho do furacão durante a revolução - em que participou na célebre assembleia selvagem depois do 11 de Março - e no comando operacional do 25 de Novembro. Seria ministro da Defesa nos governos de iniciativa presidencial no final dos anos 70, sairia da vida militar quando o poder político fez uma das últimas grandes reformas no sector (antes do fim do serviço militar obrigatório). Próximo de Ramalho Eanes como um "irmão de escolha", como o próprio ex-Presidente da República admite no prefácio, Loureiro dos Santos tornou-se conhecido do grande público quando, ao longo de anos, foi fazendo comentário sobre conflitos e política internacional na televisão.

Adeus, que este Curto já vai longo, e espero que tenha uma excelente terça-feira!

Portugal | É urgente tratar o SNS


Mariana Mortágua | Jornal de Notícias | opinião

O Sistema Nacional de Saúde está em declínio. O diagnóstico é do seu criador - António Arnaut - que com João Semedo assinou a proposta para uma Nova Lei de Bases da Saúde.

A degradação do serviço público de saúde não começou em 2015 por iniciativa deste Governo. PSD e CDS votaram contra a criação do SNS em 1979. Com Cavaco Silva estraçalharam a Lei de Bases da Saúde em 1990, quando tornam expressa a sua intenção de desenvolver um sistema privado paralelo, em concorrência mas dependência financeira do público. E pela mão de Passos e Portas cortaram 15% do orçamento da Saúde. A campanha que agora lançam contra o SNS, arrasando a sua - ainda assinalável - qualidade é tão oportunista como é hipócrita a súbita preocupação com serviço público.

Se queremos discutir como a nova Lei de Bases pode salvar o SNS, então PSD e CDS estão fora de jogo. Este não é o seu campeonato.

Dizer que o Governo não é o responsável pelo estado do SNS significa reconhecer que houve recuperação dos cortes da Direita, mas só isso. O PS tem as suas responsabilidades históricas - como as PPP - e este Governo não inverteu os problemas crónicos do SNS: a suborçamentação, a obsolescência e insuficiência dos equipamentos substituídos por contratações privadas, ou a fuga de profissionais.

O SNS luta para dar resposta às enormes responsabilidades que lhe foram atribuídas. No entanto, sem financiamento e uma lei que o proteja, continuará a canalizar 40% do seu orçamento para os privados, e definhará. Nesse dia o negócio terá ganho, e o direito constitucional que tanto acarinhamos e com que contamos nos momentos difíceis - o acesso de todas as pessoas a cuidados de saúde - deixará de existir.

Não há pequenos remédios. Precisamos de uma lei que assuma que não é possível ter um SNS forte, gratuito e universal em concorrência com o negócio da saúde. A proposta de Arnaut e Semedo, apresentada pelo Bloco, é clara nessa escolha, a de Maria de Belém, pelo Governo, não tanto.

O Governo tem nas mãos a possibilidade de negociar e aprovar uma lei histórica para salvar o SNS. E de o fazer com uma maioria parlamentar de Esquerda que tem orgulho e leva muito a sério o direito Constitucional a um SNS geral e universal. O PS cometerá um erro se desperdiçar esta possibilidade, adiando a discussão da Lei de Bases para fora desta legislatura no desejo de uma outra relação de forças, que o liberte de fazer os compromissos de que o SNS precisa.

* Deputada do BE

A VACA LUSA E A RONALDODEPENDÊNCIA NO RÚSSIA 2018


Portugal empatou com o Irão no Rússia 2018. Podia ter perdido. Pouco faltou. Começou bem mas, como de costume, acabou mal. A seleção portuguesa levou a “vaca lusa” para a Rússia, como o fez no Europeu2016. Resultados pobres mas que renderam ser campeã europeia. Se a “vaca lusa” continuar a sobreviver até poderá vir a ser campeã do mundo.

Depois de uma primeira parte sublime contra uma equipa extremamente digna, o Irão, a seleção de Portugal voltou para a segunda parte do pleito para jogar cerca de 20 minutos com o futebol que dominava. A partir daí começou a andar aos papeis. No relvado vimos um grupo de baratas tontas a reagir com a tática do salve-se quem puder contra as ofensivas insistentes da seleção iraniana. O costume e apanágio desta seleção lusa ronaldodependente. Quando Ronaldo atina, dá show de bola e marca, os nove que correm que nem desalmados no campo ficam moralizados e vão buscar energias e saber que faz deles uma seleção ganhadora, se Ronaldo não está nos seus dias e falha (falhou um penalti e outros lances), os outros nove passam de ícones valiosos a lama. É a ronaldodependência - que nem devia existir em jogadores tão qualificados quanto aqueles.

Mesmo assim Portugal passou e vai defrontar nos oitavos-de-final o Uruguai daqui por dias. Espera-se que conservem ao menos a “vaca lusa” se não conseguirem jogar o futebol que sabem mas que a ronaldodependência não permite. Ou então que Ronaldo entre em campo muito inspirado e assim se mantenha durante os 90 minutos, para arrastar os outros nove no caminho, porque Patrício é ele mesmo, bom a guardar as redes. Difícil, porque a seleção do Uruguai tem muita gana e qualidade. (MM - PG)

Mão de Cédric 'apagou' a magia do Harry Potter

Portugal esteve em vantagem com um golaço de Quaresma, mas um penálti cometido pelo lateral do Southampton permitiu ao Irão empatar a um golo. Equipa das quinas passa em segundo e defronta o Uruguai nos oitavos.

Portugal garantiu esta segunda-feira a passagem aos oitavos-de-final do Mundial, ao empatar a um golo com o Irão, num jogo marcado por um grande golo de Ricardo Quaresma e uma grande penalidade desperdiçada por Cristiano Ronaldo, que na altura poderia ter dado o 2-0 à equipa das quinas. Em mais uma partida de sofrimento, os campeões da Europa chegaram a ser líderes do grupo B, mas o empate da Espanha e o golo consentido já nos descontos atirou a equipa lusa para o segundo lugar e consequente duelo com o Uruguai na próxima fase. 

Fernando Santos apostou num onze com três alterações em relação à partida com Marrocos, com Adrien, Quaresma e André Silva nos lugares de Moutinho, Bernardo e Gonçalo Guedes, e a verdade é que viria a ganhar a aposta. Os campeões da Europa entraram pressionantes e no primeiro quarto de hora encostaram o Irão às cordas, criando duas boas situações de golo. Primeiro, pelo suspeito do costume, Cristiano Ronaldo, logo aos 3' minutos, e depois por João Mário, aos 9'.

Os 78% de posse de bola da equipa das quinas nos primeiros 10' minutos demonstravam o tremendo domínio luso, mas a partir dos 20' minutos a chama desvaneceu-se a formação de Carlos Queiroz equilibrou os pratos da balança. Sempre com maior agressividade nos duelos individuais, os iranianos começaram a subir no terreno, a ganhar a maioria das segundas bolas e a chegar-se à baliza portuguesa.

Pouco depois da meia hora, Rui Patrício foi chamado a intervir. Após um livre estudado, o guarda-redes recentemente oficializado nos ingleses do Wolverhampton teve de responder a um cabeceamento perigoso de Ezatolahi. Já quando todos esperavam pelo apito para o intervalo, o Arena Mordovia, em Saransk, assistiu a um daqueles números de magia do Harry Potter. Titular pela primeira vez neste Mundial, Ricardo Quaresma sacou um verdadeiro 'coelho' da cartola e fez explodir de alegria o povo português. Numa jogada elaborada com outra das surpresas do onze, Adrien Silva, o Mustang recebeu a bola do médio do Leicester, fletiu da direita para o meio e disparou uma das famosas trivelas que já se tornaram imagem de marca. Um verdadeiro hino ao futebol, que colocou assim Portugal em vantagem, numa altura em que já se previa uma segunda parte de sofrimento.

No segundo tempo Portugal voltou a entrar melhor e beneficiou de uma oportunidade soberana para dilatar a vantagem e ganhar maior conforto na partida. Aos 50' minutos, Cristiano Ronaldo caiu na grande área, ficou a pedir grande penalidade e o árbitro, depois de ter mandado seguir, decidiu parar o jogo, foi rever o lance ao ecrã do VAR e acabou por apontar para a marca de castigo máximo. Contudo, ao contrário do que é hábito, o capitão não conseguiu carregar o país e permitiu a defesa a Beiranvand, tornando-se no primeiro jogador português a falhar uma grande penalidade numa fase final de um Campeonato do Mundo.

A partir daqui o Irão ganhou confiança e chegou mesmo a assustar, aos 72', num remate forte de Ghoddos que rasou o poste direito da baliza de Rui Patrício. Um presságio para o que viria mesmo a acontecer, já que em cima dos 90' o árbitro decidiu parar de novo o encontro para rever um lance de Cédric dentro da área lusa e acabou por apontar para a marca dos 11 metros, de onde Ansarifard não tremeu e fez o empate.

Um balde de água fria para Portugal, que poderia mesmo vir a tornar-se gelada no minuto seguinte, altura em que Tameri atirou à malha lateral quando tinha tudo para fazer o segundo do Irão. Com este empate, Portugal garante o apuramento, mas chega aos oitavos-de-final no segundo lugar do grupo B, o que significa que irá defrontar o Uruguai, líder do grupo A, no próximo sábado, em Moscovo, às 19h00.

Fábio Aguiar | Notícias ao Minuto | Foto Reuters

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