terça-feira, 28 de agosto de 2018

Hora de dar adeus aos oceanos? (1)


Série de reportagens expõe retrato de nossa crise civilizatória: pesca industrial maciça devasta os mares e amplia fome e crise social em todo o mundo. Em nome do lucro, ninguém a contém

Mort Report | Outras Palavras | Tradução: Inês Castilho

Se você odeia aquelas pequenas fatias de peixe salgado na pizza, Giuseppe Cormaci tem boas novidades. A pesca de anchovas do Mediterrâneo foi um fracasso este ano. Mas isso significa que você não vai encontrar muito robalo suculento, o branzino, e muito menos atum azul. Tente, talvez, linguine à medusa. “A pesca da anchova caiu pela metade”, me disse Cormaci. Ajeitando seu sovado chapéu, com um sorriso pesaroso de otimista não convicto, ele continuou: “Pode melhorar novamente. E então, de novo, ter uma queda total”.

Assim como o nome de seu barco de 24 pés – Lupo –, ele é um lobo solitário. Seu filho o ajudou durante duas estações de pesca, mas saiu para abrir um bar na praia. Com os poucos euros que lucra depois de subtrair as despesas de combustível, manutenção e redes, na semana de 90 horas, ele não consegue pagar uma tripulação. Aos 50, pertence a uma espécie em risco de extinção: o pescador artesanal.

O mar que ele conhecia tão bem está agora cheio de surpresas. Águas aquecidas trazem águas-vivas em massa — inclusive a venenosa caravela-portuguesa. Um grande tubarão branco cruzou a ilha espanhola de Maiorca. Sobretudo, ele vê barcos-arrastões estrangeiros de alta tecnologia arrancar o que encontram pela frente, destruindo áreas de reprodução.

Mude o idioma e Cormaci é qualquer um dos incontáveis marujos antigos que entrevistei, nos últimos anos, na Europa, África, Ásia, América Latina e Pacífico. Mudanças climáticas e poluição pioram progressivamente. Aumenta a sobrepesca sem controle. O marketing estimula a demanda, e as frotas comerciais pescam ainda mais intensamente, tudo o que podem.

Os ambientalistas concentram-se em grandes coisas. O nobre atum azul, tão elegante e rápido quanto uma Ferrari em primeira marcha, excita um público geralmente apático. Mas ele janta a arraia-miúda junto à base de uma complexa cadeia alimentar marinha, que é a dieta principal de mais de um bilhão de pessoas. As anchovas dificilmente ficam limitadas à pizza. Filés frescos no azeite de Taggiasca em Alassio, na Itália, valem um dia de viagem. Na Ligúria, como em qualquer outro lugar sob sua influência, elas alimentaram as comunidades costeiras desde sempre.

O mesmo ocorreu com aqueles pequenos arenques, as sardinhas. Quando Portugal fica sem sardinhas, você entende que o fim está perto. Carnudas numa grelha ou enlatadas em óleo apimentado com piri-piri, elas definem uma nação. Mas os estoques caíram de 106 mil toneladas, em 2006, para 22 mil, em 2016. No alto da cadeia alimentar, até a amada pescada da Iberia está se tornando rapidamente mais escassa. No ano passado, a União Europeia retirou as sardinhas do cardápio por 15 anos. O governo português recusou-se a aceitar, forçando um acordo. Os operadores de frota desafiaram a ciência e culparam os concorrentes da União Europeia. Enquanto isso, famílias devoram sardinhas como se não houvesse amanhã.

Recentemente, na hora do almoço em Lisboa, encontrei um típico boteco perto do porto. Sua vitrine era um minúsculo aquário. Perguntei ao garçom se o peixe estava se tornando escasso. “Sim”, disse ele, encolhendo os ombros com indiferença, enquanto servia meu prato com estaladinhos de caranguejo e amêijoas com sardinhas assadas. O vinho verde dissolveu minha culpa. Ações individuais importam, mas salvar os mares exige um esforço global planejado. Há um oceano somente, e nele a pesca tem ido além da sustentabilidade, ameaçando até mesmo pequenos crustáceos na Antártica. Ganância desenfreada e controvérsia sobre a escala dessa crise impedem ações efetivas.

Os cientistas acompanham de perto, mas é difícil contar peixes. Eles são invisíveis e se movem. Governos e indústria manipulam os dados para evitar o controle. Se são definidas cotas, a frouxa fiscalização possibilita fraudes desenfreadas. Em Roma, a Organização para a Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO) informa que a pesca anual global chegou perto de 80 milhões de toneladas durante anos. Somando o que é jogado ao mar, não declarado ou capturado ilegalmente, é provável que esteja próxima de 130 milhões. A análise detalhada pressagia uma calamidade.

A piscicultura chega agora quase à mesma quantidade que a pesca selvagem. Supostamente, essa é uma boa notícia. Na verdade, significa que enormes quantidades de “peixes forrageiros” tirados do oceano são cozidos até tornar-se pellets ou pasta para alimentar os mais valiosos salmão e atum de cativeiro.

Iniciei minhas viagens sobre pesca em 2011, conduzindo uma equipe do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos. Concentramo-nos na cavala de bronze do sul do Pacífico, dizimada durante décadas para a confecção de farinha de peixe. Um quilo de salmão chileno de criação pode exigir até 4,5 quilos de cavala transportada por redes que causam estragos em criadouros. Daniel Pauly, o eminente oceanógrafo da Universidade da Colúmbia Britânica, considerou a cavala de bronze como os últimos búfalos. “Quando eles tiverem acabado”, disse-me, “tudo estará terminado… Esse é o fechamento da fronteira.” Agora a cavala de bronze está se recuperando. Isso ocorre em parte porque as frotas pescaram tanto, que dispersaram o estoque e não conseguiam mais carregar suas redes. Mas nosso relatório provocou algumas ondas que foram estampadas nas primeiras páginas. Autoridades europeias e norte-americanas reagiram.

Essa é apenas uma espécie, numa remota esquina do mapa. Embora evidencie o que Pauly disse no início: a pilhagem dos oceanos não vai parar, a menos que um grande poder leve a sério assumir a liderança e convencer os outros a agir de forma sustentada. A União Europeia fez alguns progressos, mas Espanha, França e Holanda, entre outros, resistem a medidas mais duras. A China é de longe o maior agressor, rapidamente a caminho de tornar-se pior. Isso deixa os Estados Unidos, que na época de Barack Obama tentaram assumir a liderança, com pouco sucesso.

As leis do mar da ONU não passam de afirmativas de boa intenção, a não ser que sejam compulsórias; elas raramente são. A supervisão é deixada às ORGP – organizações regionais de gestão da pesca – compostas por funcionários do governo e representantes da indústria. Como as decisões devem ser unânimes, o veto de qualquer país-membro pode bloquear controles efetivos.

Por exemplo, o atum azul quase sumiu sob a guarda de uma ORGP conhecida como ICCAT. (Os ativistas a chamam de Conspiração Internacional para Capturar todo o Atum, em inglês a sigla ICCAT.) Grupos ambientalistas despertaram o interesse público para salvá-lo. Agora, a pressão de governos e operadores de frota o ameaçam novamente. Ao lado do atum azul Atlântico, há apenas dois outros: no Pacífico, principalmente em águas japonesas, e no sul, abaixo da Austrália e da Nova Zelândia. Ambos caíram para cerca de 3% do que eram antes que a pesca comercial os atingisse, gerações atrás.

Obama criou reservas marinhas no Pacífico. John Kerry, como secretário de Estado, convocou uma “cúpula do oceano” global em Washington para angariar apoio. Sob a bipartidária Lei Magnuson-Stevens, de 1976, a Marinha e a Guarda Costeira reprimiram a pesca ilegal nas águas dos EUA. Ajudaram pequenas nações-ilha a rastrear pescadores ilegais em alto mar. Já Donald Trump vê os peixes em termos de lucro imediato e o solo oceânico como fonte de minerais raros ou exploração de petróleo. Ele retrocedeu em muitas das salvaguardas de Obama. Uma versão mais relaxada da lei  de 1976, aprovado pela Câmara, encontra-se agora no Senado.

Nesse clima de mudança diplomática, a China abandonou quase toda sua pretensão, construindo frotas sofisticadas para saquear à vontade. Quando Trump senta-se para negociar com Xi Jinping, os peixes não estão no cardápio.

A essa altura, surgem as perguntas óbvias. O que fazer agora? E isso é difícil de responder.

Quando a União Europeia perseguia a pesca ilegal com mais energia, baniu a importação das nações que trapaceavam. Mas é muito fácil transferir de local as embarcações de captura, de modo a disfarçar sua origem. De qualquer forma, a China tem enorme demanda doméstica e necessidade cada vez menor de exportar.

Educar os consumidores não é suficiente. Falta de informação – em parte uma manobra intencional das pessoas que vendem peixes – pode piorar o problema. “Sustentável” é frequentemente uma palavra da moda falada por aí sem sentido. Quando comecei minha pesquisa, Amanda Nickson, do Fundo Filantrópico Pew, em Washington, culpou a falta de pressão pública. “É como se os médicos lutassem contra o câncer de mama sem quimioterapia, radiação ou cirurgia, e só experimentassem algumas pílulas até que os pacientes morressem”, disse-me ela. Australiana que conhece os fatos e diz o que pensa, ela critica as reuniões da ORGP com outros ambientalistas e cientistas marinhos. Depois de uma reunião frustrante, tomando uma cerveja, refletiu: “Nós só temos que pescar menos peixes, e eles irão durar para sempre.”

Liguei para Nickson semana passada para uma atualização. A despeito de algumas vitórias, disse ela, os peixes estavam perdendo a batalha. Muito pode ser feito – e é feito –, como novas reportagens irão mostrar. Mas o problema é altamente complexo, mais humano que pisciano. Aqui no plácido porto de Alessio, pequenas vinhetas tornam a cena terrivelmente clara. Tantos africanos que se afogam além do horizonte estão fugindo desesperadamente do destino enfrentado pelo velho marujo Giuseppe Cormaci. Grandes frotas aniquilam o que sobrevive a águas quentes, correntes alteradas, lixo de plástico e mudanças na química do mar. Quando seu sustento se vai, eles rumam ao norte.

Se suas anchovas sucumbirem, o atum azul também sucumbirá. No final, tudo se reduz a vontade política. Cidadãos conscientes podem abdicar do delicioso sashimi de barriga de atum, mas outros não, independentemente do preço. As autoridades precisam estabelecer limites – e aplicá-los. Em minha mente, sou assombrado por uma imagem recorrente. Quando a última fatia de toro for talhada de uma barriga de atum azul, ele vai acabar, contemplado e não consumido, numa mesa de bufê nos jardins de Mar-a-Lago, [o fabuloso resort da Flórida frequentado por milionários e usado por Donald Trump para receber convidados ilustres].

Paraíso da heroína floresce sob a tutela da NATO


A operação Liberdade Duradoura lançada em 2001 pela NATO no Afeganistão, sob o comando dos Estados Unidos, permitiu multiplicar por 4000 a produção de ópio neste país, origem da maioria esmagadora da heroína e outras drogas perigosas que circulam pelo mundo. Um boom que gera lucros superiores a um bilião de dólares por ano e terá provocado a morte de mais de um milhão de pessoas em 15 anos, segundo fontes concordantes de várias organizações internacionais. Um cenário que funciona sob a tutela da Aliança Atlântica, enquanto os Estados Unidos afirmam que investiram 8500 milhões de dólares na luta contra a droga no Afeganistão.

José Goulão; com Edward Barnes, Cabul | O Lado Oculto

Desde o início da operação Liberdade Duradoura, isto é, a invasão do Afeganistão pela NATO, em Outubro de 2001, a produção anual de ópio para fabrico de heroína e outras drogas ilícitas neste país cresceu entre 4000 a 4500%, alimentando um tráfico com lucros de um bilião de dólares que terá provocado a morte de mais de um milhão de pessoas. Os dados são de várias organizações internacionais, entre elas a United Nations Office Drugs and Crime, agência da ONU para a droga e o crime.

Os dados de várias fontes sobre o cultivo e tráfico de ópio na Afeganistão convergem na demonstração da existência de uma relação de causa e efeito entre a ocupação militar atlantista e o boom de um colossal negócio ilícito que torna o país responsável por mais de 90% do comércio total de heroína no mundo.

Os Estados Unidos afirmam ter investido mais de 8500 milhões de dólares no combate ao tráfico de droga no Afeganistão, mas vários meios de comunicação norte-americanos, entre eles o New York Times e o Huffington Post, admitem que se perdeu o rasto de uma verba tão importante, no caso de ter sido usada com o objectivo declarado.

“Segundo todas as perspectivas de avaliação possíveis, falhámos”, reconhece John Sopko, um dos inspectores-gerais que avalia os resultados dos programas norte-americanos para o Afeganistão. “A produção e o cultivo estão em alta, a interdição e erradicação estão em baixa, o apoio financeiro a grupos armados está em alta, a dependência e o consumo atingem níveis sem precedentes no próprio Afeganistão”, acrescenta. Neste país, há agora mais de 100 mil crianças toxicodependentes com menos de dez anos.

Em 2000, ano anterior ao início da invasão da NATO, a produção de ópio no Afeganistão foi apenas de 180 toneladas. Este valor resulta do facto de governo talibã ter aplicado uma violenta repressão contra os produtores de ópio, à luz de uma suposta política de reconversão dos objectivos agrícolas do país, dominados tradicionalmente pelo cultivo da papoila do ópio – fonte de sobrevivência de grande parte da população rural.

A partir da operação Liberdade Duradoura, lançada para “estabelecer a democracia no Afeganistão”, a produção aumentou exponencialmente e, em 2007, atingiu um pico de sete mil toneladas, isto é, registou um aumento de quase 4000%. Depois disso, segundo os relatórios da agência da ONU, a produção estabilizou em torno de média de sete mil toneladas ano, com alguns aumentos e uma redução para metade em 2015, não por causa de incidências da ocupação mas devido a uma praga que afectou duramente a produção de papoila. Uma contrariedade remediada com notável eficácia, uma vez que a safra do ano seguinte voltou aos valores médios.

NATO embolsa os lucros? (continua)


Na foto: Soldado da NATO entre papoilas de ópio no Afeganistão

“Trabalho Sexual”, “Indústria do Sexo” e “Trabalhadoras do Sexo”


Quando falamos de «trabalho sexual», «indústria do sexo» e «trabalhadoras do sexo», não é de trabalho que falamos porque não é de trabalho que se trata. Falamos de exploração, opressão e violência!

Helena Silva | AbrilAbril | opinião

Mantém-se a centralidade de posições político-partidárias que insistem na regulamentação da prostituição como uma «causa estruturante ainda por resolver» e que «trabalho sexual é trabalho, e os direitos dos trabalhadores do sexo são direitos humanos. Regulamentar a prostituição é a melhor opção para proteger estes cidadãos e salvaguardar os seus direitos», apresentando estas soluções como um meio de prevenção da criminalidade, da proteção social das mulheres prostituídas e da saúde publica.

Um argumentário falacioso que procura ocultar a clara aceitação e resignação face às causas estruturais da prostituição, a completa demissão das suas responsabilidades na Assembleia da República e dos governos na adopção de políticas de prevenção e combate a este flagelo social. Afirmando não ser possível erradicar a prostituição, dão o passo de pretender legalizar uma prática que representa um grave violência ao invés de fomentarem políticas económicas e sociais que assegurem a todas as mulheres o direito a um projecto de vida, assente na defesa dos seus direitos e da sua dignidade.
 
De facto, os argumentos usados por estas forças políticas e partidárias são profundamente demagógicos e em nada, absolutamente nada, contribuem para a melhoria da dignidade dos seres humanos, no caso, das pessoas prostituídas. É caso para dizer que «O caminho do inferno está pavimentado de boas intenções.» – Karl Marx

Presentemente, o caminho que é preciso trilhar é o da criação de condições económicas e sociais que impeçam que mais mulheres sejam arrastadas para a prostituição e, por outro lado, que as que estão na prostituição, dela possam sair.

Regulamentar a prostituição como um trabalho não é mais do que pôr em prática a arte de «varrer para debaixo do tapete» e passar airosamente ao lado do problema, fazendo de conta que o resolve. Mas não. Porque não é de trabalho que falamos. É de violência e opressão sobre as pessoas prostituídas!

Com a regulamentação da prostituição, a violência física e psicológica que a acompanha naturalmente aumentará, porque é legitimada pela «actividade regulamentada» que dará continuidade ao exercício da violência sobre estas pessoas e favorecerá o tráfico de seres humanos para fins sexuais. 

Uma perversidade claramente confirmada nos países que legalizaram esta forma de violência. Também os novos «empresários do sexo» veriam legitimados os seus sórdidos negócios ao mesmo tempo que se abriria uma «nova janela de oportunidade» para mais facilmente ocultar os crimes de tráfico de seres humanos para a prostituição.

São vários os estudos e artigos que afirmam que os países onde a prostituição foi regulamentada/legalizada passaram a ser os principais destinos do tráfico, de que o exemplo mais falado é o da Alemanha, e a grande maioria das mulheres vítimas de tráfico e que se prostituem são provenientes de países pobres, dos chamados países do Terceiro Mundo ou da Europa de Leste.

Isto só pode significar, por um lado, que a regulamentação da prostituição não protege nem defende as pessoas prostituídas, na sua esmagadora maioria, mulheres, antes as torna alvos ainda mais fáceis das redes «legais» de exploração para a prostituição e, por outro lado, incrementa as redes «ilegais», como já se disse, o tráfico de seres humanos e o branqueamento de capitais associados a outros tráficos.

Se cheira a lucro, o capital crava as garras e não larga

A prostituição não é uma escolha livre. Com isto, não se pode concluir outra coisa senão que a prostituição não é uma opção para as mulheres. É verdadeiramente uma relação de domínio, na qual um sujeito subjuga outro à sua vontade. Dotada da inexistência de uma efetiva igualdade de direitos, é cruamente uma relação na qual um sujeito usa e abusa de um objeto.

A prostituição é uma violência e um atentado aos direitos e dignidade das mulheres. Portanto, é falsa a suposta coexistência entre uma «prostituição forçada» e uma «prostituição por opção». 

A utilização aparentemente distinta das duas expressões, duas realidades, insere-se numa ofensiva ideológica mais vasta de promoção do obscurantismo, dos valores antidemocráticos e reacionários, nos falsos caminhos de promoção da igualdade entre mulheres e homens.

É como afirmar que existe uma prostituição boa e uma prostituição má. A prostituição é má em toda a sua essência; a prostituição estilhaça brutalmente a integridade física e moral de um ser humano; a prostituição oprime reduzindo uma pessoa a uma coisa; a prostituição explora, suga a dignidade, a felicidade, a vida.

É, portanto, absurdo o «conto de fadas» que se criou, fazendo crer que existe um submundo da prostituição, onde vivem os marginais e um mundo cor-de-rosa, onde vivem as «bonecas de luxo».

Exemplo paradigmático o da Alemanha, cuja prostituição foi regulamentada em 2002. Neste caso, estima-se que serão cerca de 400 mil as pessoas prostituídas e apenas 44 se registaram como «trabalhadores individuais do sexo».

E porquê um número tão baixo? Porque afinal os direitos e deveres constantes num «contrato de trabalho» assumem uma dimensão ignóbil e intolerável já que o «instrumento de trabalho» é o corpo de uma pessoa, a sua sexualidade, bem diferente da força de trabalho.

E porque as pessoas prostituídas, na maioria mulheres, não têm qualquer pretensão em tornar a prostituição uma atividade duradoura, nem tão pouco assumi-la como experiência profissional adquirida em futuras oportunidades de emprego.

E isto só reforça que a prostituição não é voluntária, nem uma opção. Desenganem-se pois aqueles que pensam que a prostituição é uma opção voluntária. O que leva uma pessoa a prostituir-se é a fome, a toxicodependência, um passado de abusos e um meio familiar destruído. É a ausência total de apoios sociais, o desemprego, a pobreza e a emigração, entre tantas outras causas ligadas à miséria.

Regulamentar a prostituição é legitimar a violação de direitos humanos

A argumentação pró-regulamentação da prostituição é a de a pretender tornar uma atividade legítima e «normal», invocando a autonomia pessoal e a liberdade de escolha, na qual integra as escolhas profissionais de qualquer um, com direito a proteção social, na saúde e no trabalho.

Esta argumentação é falaciosa, porque a tutela da liberdade do ser humano assenta na sua dignidade, sendo que o trabalho em condições degradantes e desumanas não é legitimado apenas pelo facto de ter sido consentido. Além do mais, não parece credível que esta «saída profissional» faça parte dos sonhos dos pais para os seus filhos ou dos próprios.

E é sob a égide da «mais velha profissão do mundo», a par da escravatura diga-se, que se pretende nada mais do que regulamentar e legitimar a violência, a exploração e opressão sobre seres humanos, tornando-os mercantilizáveis. 

Diga-se também, que, tão ou mais velha que a prostituição é o proxenetismo. Esta é uma relação que tem séculos de história, na qual a pessoa prostituída é totalmente dominada pelo proxeneta, que a vende para satisfação dos «prazeres da carne» por quem pague o preço.

É nada mais nada menos que uma transação, reduzindo um ser humano a um corpo que deixa de fazer parte da sua composição natural e passa a ser um objeto, uma coisa, a qual se pode «usar e deitar fora».

Considerando a grave evolução da prostituição em Portugal, e no mundo, torna-se  necessário que façamos uma profunda reflexão, tomando como exemplo os países em que a prostituição foi regulamentada de modo a se aferir das consequências da regulamentação da prostituição para as mulheres prostituídas, para que se apresentem soluções de combate e prevenção do gravíssimo flagelo que, a nível mundial, escraviza, aprisiona e explora muitos milhões de pessoas.

Em primeiro lugar e atendendo aos critérios legais, importa reforçar que em Portugal a prostituição não é ilegal.

A pessoa que se prostitui não é perseguida nem criminalizada, nem quem a procura. O que é criminalizada é a exploração da atividade da prostituição: o proxenetismo.

O artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal pune, com pena de prisão de 6 meses a 5 anos, quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício de prostituição por outra pessoa.

A moldura penal é agravada para uma pena de prisão de um a oito anos, se o agente usar de violência, ameaça grave, ardil, manobra fraudulenta, de abuso de autoridade resultante de uma dependência hierárquica, económica ou de trabalho, ou se aproveitar de incapacidade psíquica da vítima ou de qualquer outra situação de especial vulnerabilidade.

Assim, é inevitável que se faça a seguinte pergunta: não sendo a prostituição ilegal, deve a mesma ser regulamentada como uma atividade laboral?

Em primeiro lugar, à palavra «trabalho» são apresentados significados como «ato ou efeito de trabalhar»; «exercício de atividade humana, manual ou intelectual, produtiva»; «esforço necessário para que uma tarefa seja realizada»; «labor»; «produção»; «atividade profissional remunerada; emprego; profissão», e a noção de contrato de trabalho, prevista pelo artigo 11.º do Código do Trabalho é «(...) aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas».

Parece que a prostituição ao ter cabimento nesta definição, ou ainda que fosse desenvolvida através de uma atividade «supostamente» independente, obrigaria a que o proxenetismo ou lenocínio fosse descriminalizado e estes sujeitos deixariam de ser criminosos, para passarem a ser os «empresários», os «patrões» ou os «agentes». E ainda que houvesse consentimento por parte das pessoas prostituídas, estar-se-ia a legitimar a exploração ignóbil a que são sujeitas pelo proxenetismo, o tráfico existente e a violência exercida, e uma autêntica violação dos direitos humanos.

Considerar a prostituição como «trabalho sexual», despenalizar a «indústria do sexo» e o lenocínio não constitui uma solução para proteger as pessoas prostituídas, maioritariamente (como já se afirmou) mulheres e raparigas menores vulneráveis, da violência e da exploração, antes as expõe a um nível brutal de violência, ao mesmo tempo que promove o crescimento dos mercados da prostituição e do tráfico de seres humanos.

Com isto, torna-se necessário esclarecer que as expressões «Trabalho Sexual», «Indústria do Sexo» e «Trabalhadores(as) do Sexo» não constituem um problema de semântica, mas muito mais do que isso. Utilizar estas expressões e pô-las em prática através da regulamentação da prostituição é legitimar e normalizar a violência que sobre as pessoas prostituídas é exercida.

Importa reflectir, porque teimam algumas forças políticas e partidárias a não assumirem as suas responsabilidades na Assembleia da República e no Governo, para que se cumpra a legislação portuguesa que determina que a exploração para a prostituição – o proxenetismo – é crime.
Acresce o facto de o Estado Português estar obrigado a respeitar a Constituição da República que, logo no seu artigo 1.º, determina que «Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana (...)» prevendo-se nos seus artigos 25.º e 26.º que a lei deve estabelecer garantias efetivas da dignidade pessoal de cada ser humano.

Para além da legislação penal e da Constituição da República, Portugal é parte em Convenções Internacionais às quais deve efetiva observância e respeito, nomeadamente, a Convenção para a Supressão do Tráfico de Pessoas e de Exploração da Prostituição de Outrem, ratificada pelo Estado Português em 1991, que começa logo por afirmar nos seus considerandos que «a prostituição (...) e o tráfico de pessoas com vista à prostituição, são incompatíveis com a dignidade e valor da pessoa humana e põem em perigo o bem-estar do indivíduo, da família e da comunidade (...)», ficando previsto que os Estados partes da Convenção «(...) convencionam punir toda a pessoa que, para satisfazer as paixões de outrem: 1) Alicie, atraia ou desvie com vista à prostituição uma outra pessoa, mesmo com o acordo desta; 2) Explore a prostituição de uma outra pessoa, mesmo com o seu consentimento», assim como «(...) convencionam igualmente punir toda a pessoa que: 1) Detenha, dirija ou conscientemente financie ou contribua para o financiamento de uma casa de prostituição; 2) Dê ou tome conscientemente em locação, no todo ou em parte, um imóvel ou um outro local com a finalidade de prostituição de outrem.»

O Estado Português está ainda obrigado ao respeito pelos instrumentos comunitários, chamando à colação a Resolução do Parlamento Europeu de 26 de fevereiro de 2014, sobre a exploração sexual e a prostituição e o seu impacto na igualdade dos géneros, na qual se salienta que as pessoas que se prostituem são particularmente vulneráveis a nível económico, social, físico, psicológico, emocional e familiar e correm um maior risco de violência e danos, mais do que em qualquer outra atividade, colocando a tónica nos planos de combate e na necessária assistência às pessoas prostituídas.

Os defensores da legalização da prostituição alimentam uma falsa dicotomia; ou a regulamentação da exploração da prostituição ou o «vazio» na defesa das mulheres prostituídas. 

Trata-se de uma falsidade!

A verdade é que se mantém na gaveta a elaboração de um Plano de Combate à Exploração na prostituição aprovado na Assembleia da República.

Partindo da iniciativa do PCP, mas devendo ser um compromisso a ser levado a cabo pelo Governo, este Plano visa garantir: «(...) o acesso imediato das pessoas prostituídas a um conjunto de apoios que lhes permitam a reinserção social e profissional, designadamente através de um acesso privilegiado a mecanismos de proteção social (rendimento social de inserção, apoio à habitação, à saúde, elevação da sua escolarização e acesso à formação profissional), bem como à garantia de acesso privilegiado dos seus filhos aos equipamentos sociais.» Esta Resolução, aprovada em 8 de março de 2013, até aos dias de hoje não saiu do papel.

Foi rejeitada na Assembleia da República uma iniciativa do PCP que recomendava ao Governo o reforço de medidas de combate ao tráfico de seres humanos e à exploração na prostituição. Uma iniciativa que foi rejeitada, pelo que a ausência de um plano de combate efetivo à prostituição como uma forma de violência e exploração sobre as pessoas prostituídas é justificada pela postura da maioria dos partidos políticos e os sucessivos governos que adotam a tese da coexistência de uma prostituição «forçada» e «uma prostituição voluntária», e a propagandeiam, afastando a necessidade da sua prevenção, do adequado acompanhamento e proteção das mulheres prostituídas, bem como as condições para se libertarem da exploração ignóbil a que são sujeitas pelo proxenetismo.

A verdade é que há forças políticas e partidárias que se recusam a adoptar medidas que assumam a prostituição como uma grave dimensão da violência sobre as mulheres, que deveriam ter e não têm, a mesma centralidade que justamente tem vindo a ser dada nos últimos anos à produção de medidas de combate à violência doméstica, à mutilação genital feminina, ao assédio moral no trabalho.  
  
Pelo que, não é demais reforçar que a prostituição é um problema social, um atentado aos direitos e à dignidade das mulheres prostituídas, mas igualmente de todas as mulheres, e uma negação dos direitos humanos. Trata-se de uma forma de exploração e violência incompatível com a dignidade do ser humano, com o exercício de direitos fundamentais e que exige do Estado um compromisso para lhe dar combate efetivo.

Um problema social que integra naturalmente o quadro do capitalismo, estimando-se que envolve cerca de 40 a 42 milhões de pessoas em todo o mundo. Um flagelo social com um forte aumento em contextos de crise, de agudização das desigualdades e da pobreza, uma autêntica violação dos direitos humanos e um agravamento do estatuto das mulheres para o exercício dos direitos e a concretização da igualdade na lei e na vida.

Ainda que os vários ordenamentos jurídicos tenham diferentes visões e enquadramentos do problema e tentem mesmo branquear a realidade, a verdade é que a prostituição funciona como um negócio e cria um mercado com diferentes personagens, por um lado os proxenetas que planeiam e atuam com o objetivo máximo de aumentar o mercado e engordar os seus lucros e, por outro, os compradores de sexo, na sua maioria homens, que sustentam este mercado através da manutenção da procura.

Um ato de intimidade que se transforma num valor meramente comercial e a pessoa prostituída numa mercadoria como «carne para canhão».

Este é o reflexo e expressão da crise estrutural do sistema capitalista, agravada por uma extraordinária concentração e centralização do capital e da riqueza nos exploradores, fundada a partir de uma organização social dominada por relações de poder sobre as classes exploradas, onde impera a lei do mais forte sobre o mais fraco.

O combate necessário é pôr um travão à centralidade mediática e ao entusiasmo  desmesurado que tem sido dado às vozes que defendem a regulamentação da prostituição em Portugal.

Bom seria que fosse dada voz e centralidade mediática aos argumentos das forças sociais e políticas e personalidades que intervêm em diferentes domínios da sociedade e que se opõem à regulamentação da prostituição, porque a mesma representa um retrocesso legislativo e uma inaceitável legitimação de um caminho de perpetuação dos mecanismos de exploração e violência.

Neste combate estão organizações sociais como a Associação O Ninho, o MDM, a Plataforma pelos Direitos das Mulheres entre outras organizações sociais e personalidades que intervêm em diversos domínios. São portadoras de propostas muito concretas centradas nas pessoas prostituídas, na sua maioria mulheres, assentes na concretização do direito das pessoas prostituídas exercerem os seus direitos em plena igualdade.

Uma acção a prosseguir que reúna todas as forças, de todas as mulheres e homens, pela eliminação de todas as formas de dominação, exploração e violência. Só assim é possível retirar do papel, concretizar e pôr em prática políticas concretas que eliminem a pobreza e melhorem a proteção social, assim como as medidas que condenem os que exploram este negócio sórdido, intolerável, vergonhoso e desumano.

A autora escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990

Bandidos e mafiosos há por todo o lado... e também nas igrejas


“Há pessoas bastante incomodadas com o rumo do pontificado e que estão a querer criar problemas ao Papa”

Oposição e críticas internas, descrédito da Igreja Católica face aos escândalos de abuso sexual por clérigos e uma receção na Irlanda que muitos consideraram pouco gloriosa. Como se isso não bastasse, o Papa Francisco é agora acusado de ter anulado sanções contra o cardeal norte-americano Theodore McCarrick, acusado publicamente em julho de abuso sexual, e de ter sabido de antemão dos seus comportamentos e não ter agido em conformidade. Que carta é esta escrita por um ex-núncio em Washington e que consequências poderá ter? Alguns padres e teólogos ajudam-nos a entender (Expresso)

Está assim na capa do Expresso de hoje, um trabalho assinado por Helena Bento. Tem aqui a ligação. Recomendamos, para seu conhecimento sobre a igreja católica e apostólica romana, uma seita que a domina e se sobrepõe aos humanos de boa vontade. Bandidos e mafiosos há por todo o lado. PG

Mais lidas da semana