quinta-feira, 18 de outubro de 2018

O roubo da infância palestina


Israel é o único país do mundo que processa crianças em cortes militares. Neste 12 de outubro, lembremos as meninas e meninos encarceradas e o movimento BDS — de boicote, desinvestimento e sanções a Telaviv

Berenice Bento e Sayid Marcos Tenório | Outras Palavras

“Ele ultrapassou todos os limites!”, frases como esta foram repetidas mundo afora diante da decisão do presidente estadunidense Donald Trump de separar os filhos dos pais que tentaram entrar nos Estados Unidos. Assistimos a mobilizações em todas as partes do mundo contra tal decisão que por dias foi a principal manchete em toda a imprensa internacional. Jornalistas se emocionaram ao ver as cenas de crianças enjauladas, deitadas no chão e cobertas com folhas gigantes de papel alumínio. O horror, aquilo que desloca nosso pensamento para o impensável, era transmitido em rede mundial. A reação globalizada obrigou Trump a rever parcialmente as medidas.

Certamente, não é necessário argumentar em relação a por que prisões de crianças, separadas das famílias produzem perplexidade. Ao dizer “criança” acionamos um conjunto de valores morais vinculados às noções de proteção. As comparações com o nazismo foram amplamente utilizadas. Imagens de crianças alemãs presas nos campos de concentração e separadas da família pelos nazistas, também voltaram em profusão naquelas semanas.

Seria possível imaginar outro lugar (que não fosse nos Estados Unidos e na Alemanha nazista) onde crianças são sistematicamente separadas da família? Sim, este lugar existe. Israel prende diariamente crianças palestinas.

Este artigo poderia ser sobre as diversas técnicas de matar as crianças palestinas implementadas por Israel. Talvez sobre o pequeno Nassir al-Mosabeh, de 12 anos, executado pelo exército de Israel em 28 de setembro quando participava de um protesto em Gaza. Ou ainda, analisar os dados da política intencional de mutilação das crianças e jovens praticadas por Israel. No cenário de destruição e morte contra o povo palestino, neste dia 12 de outubro, priorizaremos as crianças palestinas encarceradas.

Por que elas são presas?

O sono do povo palestino é diferente. Ele sabe que a qualquer hora da madrugada, entre as duas e quatro horas da manhã, sua casa pode ser invadida por soldados de Israel fortemente armados. Não há aviso. Ninguém pede licença. Arromba-se a porta e, aos gritos, invadem a casa. Na noite de 19 de dezembro de 2017 eles foram prender Ahed Tamimi. Desde que nasceu, ela já tinha visto tantas vezes a mesma cena. Todos os membros de sua família, na pequena Nabi Salah (Cisjordânia) já haviam sido (ou estavam) presos. As marcas da dominação colonial israelense estão em todos os lugares de seu povoado: no corpo de sua mãe, que não caminha bem por te sido atingida por uma bala na perna; na cabeça do seu primo Mohammaed Tamini, que perdeu parte do cérebro horas antes da sua prisão. Naquela noite de inverno eles queriam Ahed Tamimi. Iniciou-se para ela o mesmo calvário já percorrido por tantas outras crianças palestinas.

De acordo com relatórios internacionais, atualmente, são 5.781 presos políticos palestinos espalhados nas inúmeras prisões israelenses. Deste total, 456 estão em detenção administrativa (presos sem uma acusação formal); 65 são mulheres e 270 crianças, sendo 50 abaixo dos 16 anos. Conforme estipulado pela Ordem Militar 1651, crianças palestinas dos 12 aos 13 anos estão sujeitas a penas de seis meses; dos 14 aos 15 anos, 12 meses na prisão. Adolescentes na faixa entre 16 e 17 anos estão sujeitos às mesmas sentenças dos adultos, embora no sistema penal israelense a maioridade penal ocorra aos 18 anos.

Local da prisão e acusação

As crianças são presas em duas situações: quando estão em atos públicos ou em casa no meio da noite. A acusação costumeira é de que estavam jogando pedras no exército colonial israelense. Jogar pedra é um ato criminalizado através da Ordem Militar 1651. As crianças ficam, em média, de dois a dez meses presas. Além das manifestações, as casas das crianças são os outros lugares onde acontecem as prisões.

Na prisão

As crianças são levadas para a prisão sozinhas. Nenhum parente ou pessoa próxima pode acompanhá-las. Chegando lá, iniciam-se os interrogatórios e as torturas físicas e psicológicas. Abusos sexuais acontecem com frequência.

Ahmad H. Yassin, 16 anos, ficou preso por cinco meses. Ele nos conta: “Colocaram-me em um quarto que não tinha câmara, o que é contra a lei. Onze oficiais me batiam. Eles seguiam me perguntando coisas que eu não fiz. Eles não me deixaram usar o banheiro nem comer. E me humilharam. Enquanto estava sendo interrogado, eu pedi aos interrogadores para permitir que minha família estivesse presente ou um advogado. Ele disse-me que o oficial ordenou que ninguém poderia estar comigo. Eu disse-lhe que sou menor, mas eles responderam que estas são as instruções oficiais e eles tinham que segui-las.”

Histórias iguais às de Ahmad se repetem. Os interrogatórios são todos feitos sem a presença de parentes ou qualquer proteção legal. De forma geral, os parentes precisam atravessar barreiras militares (checkpoints) para ir até as prisões (a exemplo de Ahed Tamimi que foi levada à prisão de Hasharon, em Israel), mas quando chegam nessas barreiras são impedidos de seguir adiante pelo exército porque não têm autorização oficial do Estado de Israel para atravessar. Geralmente, apenas no dia do julgamento, a família pode ver o filho, mas não pode tocá-lo. Uma mãe, depois de um longo tempo sem ver sua frágil filha entra na sala de audiência e aos prantos e diz: “Ela é apenas uma criança”.

As alegadas confissões ou outras declarações incriminatórias de crianças detidas são documentadas em um idioma que elas não entendem, o hebraico, e não há como verificar se os documentos foram traduzidos com precisão para as crianças antes de elas os assinarem. Segundo a ONG DCI – Palestina, a cada quatro crianças presas, três sofrem algum tipo de violência física durante a prisão, transporte ou dentro de bases militares.

Israel é o único país do mundo que processa crianças em cortes militares, ferindo acordos e leis internacionais por ele mesmo assinado. Viola, assim, sistematicamente as Leis Internacionais. Estima-se que, desde o ano 2000, em torno de 10 mil crianças e adolescentes já tenham sido detidas apenas na Cisjordânia, incluindo aquelas com idade inferior a seis anos.

Segundo a Convenção sobre os Direitos da Criança, que Israel ratificou, a privação de liberdade de crianças deve ser o último recurso e deve ser acionado apenas pelo menor período apropriado de tempo. A Quarta Convenção de Genebra proíbe a deportação de pessoas protegidas de um território ocupado para o território do poder ocupante ou de qualquer outro país, independentemente do motivo, o que acontece sistematicamente com as crianças que são levadas para prisões longe dos pais.

O Relator Especial das Nações Unidas sobre a situação dos direitos humanos nos territórios palestinos ocupados, Richard Falk, vem denunciando há alguns anos que as prisões e “o uso por Israel de confinamento solitário contra crianças viola flagrantemente os padrões internacionais de direitos humanos”. E diz mais: “As condições carcerárias são geralmente deploráveis, obrigando as crianças a dormirem no chão ou em camas de concreto em celas sem janelas”. A manutenção de crianças nestas condições viola flagrantemente os padrões internacionais de direitos humanos. Em Gaza, lhes são negadas as visitas de parentes e advogados, isolando as crianças e permitindo maus-tratos durante os interrogatórios. Elas são confinadas, em média, de 1 a 24 dias.

O UNICEF publicou relatório em 2013 no qual conclui que os maus-tratos de crianças palestinas no sistema de detenção militar israelense é generalizado, sistemático e institucionalizado. Levantamento realizado pela ONG DCI – Palestine mostra que 2016 foi o ano com mais mortes de crianças palestinas por forças israelenses da última década: 32 mortos na Cisjordânia e Jerusalém Oriental. Relatório da ONU sobre a agressão de Israel a Gaza no ano 2014 concluiu que os ataques aéreos mataram pelo menos uma criança por hora no período que durou o bombardeio.

Uma das características do colonizador é esvaziar o outro, o colonizado, de qualquer sinal de humanidade. Quando Israel não reconhece a infância nos corpos das crianças que prende e tortura, está nos dizendo que, qualquer palestino, já nasce um criminoso. Por esta lógica, não se trata de encarcerar uma criança. As fases etárias da vida (infância, adolescência, juventude e velhice) são atributos humanos. Para eles, os palestinos não são humanos.

Assim, de nada adianta clamar pela aplicação de acordos internacionais que protegem a fase mais vulnerável da vida humana, a infância. Israel dirá: “Jogaram pedras nos nossos soldados. Devem ser punidos como criminosos de guerra. Não são crianças. São palestinos”.

Onde habita a esperança do futuro? Na infância. Ao roubar a infância das crianças palestinas, Israel é coerente com sua política de despossessão continuada do povo palestino iniciada em 1948. Mas por que houve um engajamento globalizado para deter Trump em sua política de aprisionamento das crianças e não há a mesma reação internacional em relação a Israel, que já vem encarcerando as crianças palestinas há décadas? Por que os países, diante da imoralidade que é tratar sistematicamente crianças como criminosas de guerra, não aderem ao boicote econômico a Israel? A política oficial segue de costas para o sofrimento do povo palestino.

Neste 12 de outubro, temos certeza de que o presente que as crianças palestinas querem é a paz. Um país livre da dominação colonial israelense. Este presente está a caminho e passa pela adesão internacional ao movimento pacífico que chama pelo boicote, desinvestimento e sanções (BDS) a Israel. Não demorará muito para as crianças palestinas terem o direito de brincar como qualquer outra criança, de correrem livres pelas ruas de suas cidades, sem tanque de guerra, sem gás lacrimogênio, sem velórios diários. Eles também terão direito ao 12 de outubro.

**Berenice Bento é professora do departamento de Sociologia da UnB | Sayid Marcos Tenório é diretor da CEBRAPAZ e secretário-geral do Instituto Brasil-Palestina (Ibraspal)

Foto entre texto: A ativista palestina Ahed Tamimi, aos 11 anos, Cisjordânia, 2012 (Foto: Haim Schwarczenberg)

Brasil | Jair Bolsonaro e o guarda da esquina


Os esbirros autoritários manifestam-se antes mesmo do fim da eleição

Pedro Paulo Zahluth Bastos | Carta Capital | opinião

Jair Bolsonaro está de salto alto depois do resultado das pesquisas e resolveu abrir o jogo. Repetiu que vai taxar todos com um Imposto de Renda de 20%, ou seja, baixar ainda mais o imposto dos ricos e, pasmem, aumentar o imposto dos que recebem acima de cinco salários mínimos.

A lógica é continuar a distribuir os custos da crise e do “ajuste” para o andar de baixo, preservando o andar de cima para que compre o patrimônio público com preços rebaixados.

E o pior é que o votante médio ainda acredita que Bolsonaro é antissistema, mesmo depois de dizer que vai preservar o essencial do governo Temer: a reforma trabalhista que rebaixa salários e deprime o mercado interno de consumo de bens e serviços e a PEC do fim do mundo (teto nominal de gasto público), que vai rebaixar ainda mais o gasto na saúde, na educação e demais serviços públicos.

Os gastos na manutenção da “ordem pública” vão aumentar, contudo, retirando ainda mais do restante. Imagina quando os estudantes saírem às ruas para reclamar do corte de investimento público no SUS ou na educação, ou quando "ativistas" pedirem recomposição de perdas salariais para poder comer, para não falar tomar cerveja ou reformar casa. É provável que sejam chamados de “comunistas” ou até mesmo de terroristas.

A repressão faz sentido para preservar o "sistema" de distribuição de perdas e ganhos com a crise, mas muito dela é feita sem sentido. Na terça-feira 16, um guarda municipal de Campinas resolveu interromper ilegalmente uma panfletagem pró-Haddad e dar voz de prisão a uma aluna de Artes Cênicas da USP e um aluno do Instituto de Economia. Ambos estavam em tradicional espaço de panfletagem em Campinas. Nenhuma lei passou a proibir a luta pelo voto ali.

Armou-se a confusão, a torcida amontoada para espiar a peleja. A estudante telefona para a mãe advogada e comenta: "Parece que estamos na ditadura". Pode parecer ficção, mas as testemunhas ouvem o guarda municipal exclamar: “Sim, a ditadura militar voltou, graças a Deus”.

Como hoje se usa o nome de Deus em vão, não?

Enquanto isto, homens e mulheres de bem cultivam o velho monstro de nossa história achando que ele nunca vai machucá-los. Esquecem que o candidato que alimenta o monstro disse que é bom já ir se acostumando ao fato de que ele não controla o ódio de todos que ele tenta direcionar.

Não vai sobrar apenas para os "ativistas" que o candidato disse que vai findar em sua primeira declaração no segundo turno. Ódio autorizado, vai sobrar não só para gays, mendigos, meninos de rua, negros, os bodes expiatórios mais explícitos, mas também para mulheres, para os meninos mais fracos no colégio, para os gordinhos, ou seja, para todos, para seu parente, seu amigo ou parente de seu amigo.

Imagina se uma intervenção mal planejada nos presídios esquente a guerra fria com o PCCe o Comando Vermelho, e se as armas forem liberadas para todos. Vai sobrar para os passantes colhidos pelas balas perdidas ou para as vítimas de crimes passionais. Como disse Bolsonaro, ele mesmo foi vítima do que sempre pregou.

Infelizmente, o caos pode servir para alimentar ainda mais o terror de Estado. Para aventuras talvez mais ambiciosas. Para um ex-capitão que planejou plantar bombas em quarteis do Exército para exigir aumentos salariais em 1986, o céu é o limite.

Cinco anos antes, em 1981, o general Golbery do Couto e Silva, que idealizou o Serviço Nacional de Informações e viu o aparato repressivo da ditadura sair do controle, lamentou sua ilusão de comando. Depois do atentado fracassado do Riocentro (em que oficiais de baixa patente forjariam um atentado comunista explodindo bombas em um show de rock para abortar a transição para a democracia), reconheceu: "Criei um monstro".

O monstro sempre sai do controle. Libera infinitos projetos de poder e vingancinhas individuais, ódios incontidos, corrupção e ignorância na ralé da repressão.

Não foi por falta de aviso. Há quase 50 anos, 13 de dezembro de 1968, o ditador Costa e Silva resolveu assinar o Ato Institucional número 5 para refutar os que achavam que vivíamos uma “ditabranda”, e seu vice-presidente Pedro Aleixo exerceria o temerário direito de divergir.

Perguntado se estava duvidando das mãos honrosas do general, árbitro excelente da aplicação do AI-5, o civil teria respondido com brilhantismo: “Das mãos honradas do presidente Costa e Silva, jamais. Desconfio é do guarda da esquina.”

Quanto a mim, desconfio mais de Jair Bolsonaro. Por que soltaria nas esquinas os "comandos de caça aos comunistas" em pleno século XXI, quando os comunistas não existem mais a não ser no nome?

Vamos combinar que talvez ainda haja tempo para não pagar para ver. 

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Brasil | Tempo de união


Ana Alexandra Gonçalves* | opinião

Restam cada vez menos dúvidas: apenas a união daqueles que defendem a democracia pode impedir a ascensão ao poder de um fascista no Brasil e no regresso à ditadura. Apenas uma grande frente contra Bolsonaro poderá evitar uma verdadeira tragédia para o Brasil. Haverá quem ainda considere estas palavras exageradas e distantes da realidade, exactamente na mesma linha de tantos outros há largas décadas atrás na Europa e depois na América do Sul. Não há nada de exagerado nestas palavras e se sentimos a necessidade de as corrigir é porque as mesmas pecam por não descrever, com necessário rigor, o que está na calha.

Todavia, a incapacidade do neoliberalismo continuar a fornecer ilusões para esconder a realidade, a subsequente morte da esperança, o desencanto com as soluções oferecidas pelos políticos, o cristianismo evangélico que conta com a ignorância e com a miséria para aumentar o seu poder e regressar à idade das trevas, a corrupção endémica, mas apenas atribuída a um dos lados políticos graças a um comunicação social pouco isenta, a mais gritante falta de cultura democrática e sobretudo um sistema pouco alicerçado em partidos políticos que evite a subida ao poder do autoritarismo são indicadores que merecem ser explorados se quisermos compreender a ascensão de várias formas de autoritarismo. Não esquecer que estes ditadores em potência utilizam a democracia para chegar ao poder para depois liquidá-la. E nesse contexto os partidos políticos são, amiúde, o grande óbice à ascensão desses ditadores em potência. Em suma, não resta outro caminho que não passe pela união imediata de todos os democratas para combater essa ascensão e também a curto prazo encontrar formas de fortalecer as democracias, sob pena de as mesmas sucumbir às mãos do primeiro imbecil com o discurso do ódio.

Ana Alexandra Gonçalves* | Triunfo da Razão

As mentiras do Financial Times


James Petras [*]

As principais publicações financeiras têm enganado os políticos e investidores que as assinam quanto a crises emergentes e derrotas militares, as quais precipitaram perdas políticas e económicas catastróficas.

O exemplo mais notório é o Financial Times (FT), publicação amplamente lida pela elite empresarial e financeira.

Neste ensaio esboçaremos o contexto político mais amplo que estabelece a estrutura de transformação do FT de um fornecedor de informação relativamente objetivo num propagador de guerras e políticas económicas fracassadas.

Na parte dois, discutiremos vários estudos de caso que ilustram as mudanças radicais de uma prudente publicação de negócios e analista de políticas económicas bem documentadas num raivoso advogado militar e num ideólogo dos piores investidores especulativos.

A decadência da qualidade das suas reportagens é acompanhada pela degradação da linguagem. Conceitos são distorcidos; os significados são esvaziados do seu sentido cognitivo e o veneno abrange crimes e contravenções.

Concluiremos discutindo como e por quê os media "respeitáveis" condicionaram as consequências políticas e de mercado do mundo real para os cidadãos e os investidores.

Contexto político e económico

A decadência do FT não pode ser separada das transformações políticas e económicas globais nas quais publica e circula. O desaparecimento da União Soviética, a pilhagem da economia russa ao longo da década de 1990 e a declaração dos Estados Unidos de um mundo unipolar foram celebrados pelo FT como histórias de grandes sucesso para os "valores ocidentais". A anexação da Europa Oriental, dos Estados dos Balcãs e do Báltico aos EUA e à UE levou à profunda corrupção e decadência das narrativas jornalísticas.

O FT aceitou todas as violações dos acordos entre Gorbachev e Reagan e a marcha da NATO até as fronteiras da Rússia. A militarização da política externa dos EUA foi acompanhada pela conversão do FT a uma interpretação dos aspetos militares qualificando-os de "transição para a democracia".

A linguagem da reportagem do FT combinava a retórica democrática com a adoção de práticas militares. Isso tornou-se a marca de todas as coberturas e dos editoriais. As políticas militares do FT estenderam-se da Europa ao Médio Oriente, ao Cáucaso, ao Norte da África e aos Estados do Golfo. O FT juntou-se à imprensa amarela ao descrever a apropriação militar do poder, incluindo o derrube de adversários políticos, como "transições para a democracia" e a criação de "sociedades abertas".

A unanimidade das publicações liberais e de direita em apoio ao imperialismo ocidental impediu qualquer compreensão dos enormes custos políticos e económicos que se seguiram.

Para proteger-se das suas mais notórias fraquezas ideológicas, o FT incluía "cláusulas de seguro", para cobrir resultados autoritários catastróficos. Por exemplo, eles aconselharam os líderes políticos ocidentais a promoverem intervenções militares como "transições democráticas". Quando se tornou evidente que as guerras dos EUA e NATO não levaram a finais felizes, mas transformaram-se em insurgências prolongadas ou quando aliados ocidentais se transformaram em tiranos corruptos, o FT alegou que não era isso que eles queriam dizer com "transição democrática". isso não era a sua versão de "mercados livres e eleições livres".

O Times Financeiro e Militar (?)

A militarização do FT levou-o a abraçar uma definição militar da realidade política. Os custos humanos, e em particular os económicos, os mercados perdidos, os investimentos e os recursos, ficaram subordinados aos resultados militares das "guerras contra o terrorismo" e do "autoritarismo russo".

Todo e qualquer relatório do FT e seus editoriais promovendo intervenções militares ocidentais nas últimas duas décadas, resultaram em perdas económicas em larga escala e de longo prazo.

O FT apoiou a guerra dos EUA contra o Iraque, que levou à cessação de importantes acordos bilionários de petróleo (petróleo por alimentos) assinados com Saddam Hussein. A subsequente ocupação dos EUA impediu uma revitalização da indústria petrolífera. Os Estados Unidos nomearam um regime vassalo permitindo a pilhagem através de programas multibilionários de reconstrução – às custas dos contribuintes americanos e da UE e privando os iraquianos de necessidades básicas.

As milícias rebeldes, incluindo o ISIS, obtiveram o controle sobre metade do país e impediram a entrada de qualquer novo investimento.

Os EUA e o FT apoiaram os regimes vassalos ocidentais, organizaram resultados eleitorais fraudulentos e saquearam o tesouro das receitas do petróleo, despertando a ira da população sem eletricidade, água potável e outras necessidades.

A guerra, ocupação e controlo do Iraque, tudo apoiado pelo FT, foi um desastre absoluto. O apoio do FT às invasões do Afeganistão, Líbia, Síria e Iémen. conduziu a resultados semelhantes.

Por exemplo, o FT propagou a história de que os talibãs estavam a esconder Bin Laden como autor do plano do ataque terrorista aos EUA de 11 de setembro.

Na realidade, os líderes afegãos propuseram entregar o suspeito aos EUA, se lhes fossem proporcionadas provas. Washington rejeitou a oferta, invadiu Cabul e o FT juntou-se ao coro que apoiava a chamada "guerra ao terrorismo" que levou a uma interminável guerra de um milhão de milhões de dólares.

A Líbia assinou um acordo de desarmamento e um multibilionário acordo de petróleo com os EUA em 2003. Em 2011, os EUA e seus aliados ocidentais bombardearam a Líbia, assassinaram Kadafi, destruíram totalmente a sociedade civil e minaram os acordos de petróleo com a EUA e a UE. O FT apoiou a guerra, mas condenou o resultado. O FT seguiu o estratagema habitual, promovendo invasões militares e depois, depois do facto consumado, criticando os desastres económicos.

O FT liderou os media a favor da guerra ocidental contra a Síria: atacando o governo legítimo e elogiando os terroristas mercenários, apelidados de "rebeldes" e "militantes" – termos duvidosos para agentes financiados pelos EUA e pela UE.

Milhões de refugiados, resultantes das guerras ocidentais na Líbia, Síria, Afeganistão e Iraque, fugiram para a Europa em busca de refúgio. O FT descreveu o holocausto imperial com os "dilemas da Europa". O FT lamentou a ascensão dos partidos anti-imigrantes, mas nunca assumiu a responsabilidade pelas guerras que obrigaram milhões a fugir para os países ocidentais.

Os colunistas do FT tagarelam sobre "valores ocidentais" e criticam a "extrema-direita", mas renunciam a qualquer ataque ao continuado massacre diário de palestinos por Israel. Em vez disso, os leitores recebem uma dose semanal de empoladas notícias sobre a política israelense, sem uma única menção ao poder sionista sobre a política externa dos EUA.

FT: Sanções, conspirações e crises – Rússia, China e Irão 

O FT, como todas as prestigiosas folhas de propaganda dos media, assumiu um papel de liderança nos conflitos dos EUA com a Rússia, China e Irão.

Durante anos, os escribas da lixeira do FT descobriram (ou inventaram) "crises" na economia da China – sempre alegando que estava à beira do juízo final económico. Ao contrário do que o FT afirma, a China vem crescendo a uma taxa quatro vezes superior à dos EUA; ignorando os críticos, construiu um sistema de infraestruturas global em vez das multi-guerras apoiadas pelo jornalismo vendedor de belicismo.

Quando a China inova, o FT repete o tema do roubo de tecnologia – ignorando o declínio económico dos EUA.

O FT orgulha-se de escrever "sem medo e sem favor", o que se traduz em servir voluntariamente os poderes imperiais.

Quando os EUA sancionaram a China, o FT informou que Washington está a corrigir as políticas estatais abusivas da China. Como a China não impõe postos avançados militares para se opor às oitocentas bases militares dos EUA em cinco continentes, o FT inventa o que chama de "colonialismo da dívida", aparentemente descrevendo os projetos de infraestrutura produtiva em larga escala financiados por Pequim.

A lógica perversa do FT estende-se à Rússia. Para encobrir o golpe financiado pelos EUA na Ucrânia, converteu o movimento separatista no Donbass numa ocupação de terras pela Rússia. Do mesmo modo, uma eleição livre na Crimeia é descrita como anexação pelo Kremlin.

O FT fornece a linguagem do declínio do imperialismo ocidental. A Rússia democrática e independente, livre da pilhagem ocidental e da intromissão eleitoral, é rotulada como "autoritária"; o bem-estar social que serve para diminuir a desigualdade é denegrido como "populismo" – ligado à extrema-direita. Sem evidências ou verificação independente, a FT fabrica enredos de venenos "putinescos" na Inglaterra e conspirações com gás venenoso de Bashar Assad na Síria.

Conclusão

O FT optou por adotar uma linha militar que levou a uma longa série de guerras financeiramente desastrosas. O apoio do FT às sanções custou às companhias de petróleo milhares de milhões de dólares, euros e libras. As sanções, que apoiou, romperam redes comerciais globais.

O FT adotou posturas ideológicas que ameaçam as cadeias de fornecimentos entre o Ocidente, a China, o Irão e a Rússia. O FT escreve em muitas línguas, mas não informou os seus leitores financeiros que carrega alguma responsabilidade pelos mercados que estão sob assédio.

É inquestionável a necessidade de rever o nome e os objetivos do FT. Um jornalista próximo dos editores sugere que se deveria passar a chamar "Military Times" – a voz de um império em declínio. 

06/Outubro/2018

[*] Professor Emérito de Sociologia na Universidade Binghamton, em Nova York.

O original encontra-se em www.informationclearinghouse.info/50393.htm Tradução de VC. 

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/

UE paga 100 milhões a mercenários em país ocupado pela NATO


A União Europeia vai pagar pelo menos 100 milhões de euros a uma empresa de mercenários pela segurança das suas instalações em Cabul, Afeganistão, um país ocupado pela NATO. Os principais grupos mundiais ditos de "segurança privada", instrumentos cada vez mais influentes no processo de privatização da guerra, candidatam-se ao bolo. Mais uma dupla tributação para os contribuintes europeus: além de financiarem a NATO são obrigados a pagar pelo que a NATO deve fazer e não faz.

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Foto: Mercenários em viagem para o Afeganistão

Quem se mete com a EDP leva?


Pedro Ivo Carvalho | Jornal de Notícias | opinião

Um conjunto de indícios não produz um facto. Mas ajuda a tipificar um comportamento duvidoso que parece indiciar uma estratégia. Com que fim? Logo veremos.

Vamos aos indícios. Dois dias antes de António Costa ter aproveitado o descarrilamento de Azeredo Lopes no Ministério da Defesa para regenerar o Governo, Eduardo Catroga, membro do Conselho Geral e de Supervisão da EDP, deu uma entrevista ao jornal "Eco", em que desabafava: "Há alguma indignação dentro da empresa, dos acionistas da empresa, em relação ao Governo, há a esperança que seja passageiro, porque a confiança é um elemento determinante". Isto foi numa sexta-feira. No domingo, a energia já não estava sob a tutela da Economia, mas do Ambiente (sob a pomposa designação de "transição energética") e o secretário de Estado Jorge Seguro Sanches, cuja competência técnica e política rivalizava com a apetência para chatear a EDP com o pagamento de taxas, dava lugar no cargo ao deputado João Galamba, cuja desconhecida experiência num domínio tão complexo e conflituoso, não sendo um defeito, não pode ser exibida como uma virtude. A opção de António Costa foi clara. O primeiro-ministro preferiu um perfil político, potencialmente mais alinhado com os futuros interesses globais do Governo, do que manter a confiança em alguém que chocou de frente com a elétrica e, por isso, teoricamente mais habilitado para lidar com os dossiês escaldantes que opõem a maior empresa portuguesa ao Estado. Da extensão da contribuição extraordinária sobre o setor energético em falta, aos custos de manutenção do equilíbrio contratual - os famosos CMEC -, no âmbito dos quais a EDP terá sido beneficiada em 285 milhões.

De novo: um conjunto de indícios não produz um facto. Mas legitima a dúvida sobre os reais efeitos da "indignação" da EDP com o Governo a que aludia Catroga. Cabe, por isso, a João Galamba provar-nos que a velha máxima de que "quem se mete com o PS leva" não se aplicou (e aplica) também àqueles que se metem com a EDP em nome do PS.

*Diretor-adjunto

Um milhão de portugueses pobres mas que trabalham como mouros. Só?

Existe mais de um milhão de portugueses pobres com trabalho, segundo o apuramento da Rede Europeia Anti-Pobreza, foi ontem divulgado no assinalar do Dia Internacional de Erradicação da Pobreza. Não sabemos como os autores chegam a estes números mas é facto que ao olharmos nos locais de trabalho, pelas ruas, pelos aglomerados de zonas pobres com casarios e barracas que se estendem pelas zonas degradadas de Lisboa e Porto, olhando para como sobrevivem os que por ali habitam, pudemos pôr as mãos no fogo em que por todo o Portugal existem muitos mais trabalhadores pobres que 1.1 milhão, fruto dos salários de miséria que recebem, quando recebem e não lhes pregam o “calote”. Oportunistas caloteiros vimos aos magotes, por exemplo, em empreiteiros e subempreiteiros na construção civil e noutras artes profissionais. Apesar disso colamos a seguir o texto retirado do Esquerda.net, onde pelo menos alguma realidade consta, embora que decerto não correta nos números e na quantidade de trabalhadores que trabalham para continuarem sempre pobres, contagiando sem quererem os filhos e restantes famílias. Isso, enquanto os que roubam os trabalhadores vivem nababamente e asseguram a continuidade da vivência à fartazana aos filhos e restantes famílias. (CT | PG)

Em Portugal há 1,1 milhões de pobres com trabalho

Especialistas reconhecem o impacto da recuperação de rendimentos e aumento das pensões na melhoria de vida dos muito pobres nos últimos dois anos, mas lembram que não é suficiente. Hoje celebra-se o Dia Internacional de Erradicação da Pobreza.

A Rede Europeia Anti-Pobreza (EAPN Portugal) alerta para a existência de mais de 1,1 milhões de pessoas em Portugal que têm trabalho, mas são pobres. Os dados foram dados pelo presidente da EAPN Portugal em entrevista à agência Lusa, por ocasião do Dia Internacional de Erradicação da Pobreza.

Jardim Moreira salienta que a existência de um emprego não é suficiente nestes casos, sendo necessária uma maior aposta na educação e na melhoria das qualificações. 

“Em Portugal, temos 10,8% de trabalhadores que são pobres, achámos que era necessário chamar a atenção para esta realidade, de que não basta ter um emprego para sair da pobreza”, apontou à Lusa o padre Jardim Moreira.

O responsável sublinhou que “não basta ter um qualquer dinheiro para ter uma vida adequada à dignidade humana, é preciso ter um rendimento adequado, que possibilite satisfazer as necessidades familiares”.

Uma das dificuldades que destacou para a dificuldade em aceder a empregos com melhores remunerações é a ausência de qualificações necessárias. Como tal, defendeu que as políticas que melhorem as condições de trabalho incluam também uma política de formação em educação. 

Reconhecendo as melhorias “no nível de vida dos muito pobres” nos últimos dois anos, seja pelo aumento dos rendimentos disponíveis, seja pelo aumento do valor das reformas, o responsável considera que ainda não chega.

“Mas a verdade é que ainda continuamos com 18,3% de pobres de rendimentos e chegam aos 23,3% os excluídos”, destacou, considerando que “apesar da melhoria, de modo global, os números não são ainda satisfatórios”.

Esta é também a opinião de Carlos Farinha Rodrigues, investigador  e professor universitário, também entrevistado pela agência Lusa no âmbito deste dia. 

Segundo Farinha Rodrigues, apesar das melhorias económicas observadas nos últimos anos, o país ainda não conseguiu regressar aos valores registados antes da crise de 2008, altura em que a taxa de pobreza se situava nos 17,9%, 0,4 pontos percentuais abaixo dos 18,3% registados em 2016, e que significam mais de 1,8 milhões de pessoas em situação de pobreza. Houve “um agravamento muito grande” dos principais indicadores de pobreza durante a crise económica, explica. 

“Os últimos resultados conhecidos referem-se a 2016 e esses resultados foram simultaneamente promissores e com fatores de preocupação”, apontou, explicando que foram promissores porque uma “forte repressão na taxa de pobreza das crianças e jovens”, “alguma redução” na taxa de privação material severa e uma redução ligeira na taxa global de pobreza.

O investigador defende uma estratégia nacional mais abrangente no combate à pobreza, uma que tenha em conta não apenas políticas sociais, mas também políticas económicas em geral, bem como as áreas da saúde e educação. “É esta visão de conjunto que eu continuo a achar que falta no nosso país”, concluiu.

Esquerda.net | Foto de Paulete Matos

O general foi-se mas o juiz do vedetismo ainda mexe frente aos holofotes


Bom dia de quinta-feira. Faltam somente dois dias para chegar o fim-de-semana da ordem. Isso para os que ainda se mantêm a trabalhar só de segunda a sexta. O que é cada vez mais raro. A seguir temos o Expresso Curto por Ricardo Marques, da filial do Bilderberg… Ops. Aborda o assunto demissionário do general Rovisco=Azeredo=Tancos. Todos os dias cansa. Perguntando: e quem mais vai cair nas forças armadas? Uns quantos saem dos cargos e caso abafado? Não pode voltar a ser como tem sido. Assim, com grandes abafadores. Mudem de postura. Sejam decentes.

O juiz vedeta de Mação, de Portugal, do mundo. Ele ficou viciado em não guardar recato, adora as luzes da ribalta. Já sabem de quem se trata. Carlos Alexandre, esse mesmo. Supimpa, apesar de maloio que vai à missa e é um exemplo de… Recatado é que não é. Era tão giro que o fosse e fizesse o seu trabalho sem holofotes e tricas, além de apontar computadores batoteiros. Os batoteiros conhecem-se bem? Será isso? Estamos para ver.

Siga o Curto porque daquele Alexandre pequeno já estamos fartos. Preferimos Alexandres grandes, na personalidade e na resistência à falsa beatice e aos holofotes dos mediatismos e imediatismos que são somente palha que alieneia os cidadãos e não lhes proporciona algo de útil nem realmente informativo. Nem formativo.

Bom dia, bom Expresso Curto. Fique bem, apesar de o pior estar para chegar. (CT | PG)

Bom dia este é o seu Expresso Curto

Pessoas sempre pessoais

Ricardo Marques | Expresso

Um juiz e um general, duas pessoas normais, entram num bar e sentam-se ao balcão a falar de coisas pessoais.

- Meu caro oficial superior, o que o levou a deixar agora o comando das forças terrestres da pátria, resignando ao cargo de chefe de estado maior?

- Meu bom amigo, direi apenas que foram razões pessoais.

- Muito bem, muito bem.

- Já agora, meu estimado lente de lei, posso perguntar o que o levou a faltar ao trabalho no preciso dia em que seria sorteado o juiz de instrução de um certo processo que, bem sabe, pode abalar os alicerces do regime?

- Calma na marcha, valoroso militar. Abalar por abalar, convenhamos que a historia de um certo paiol mal vigiado não é uma questão menor e quem sabe que danos poderá ainda causar…

- Bem sei, bem sei… Ou melhor, eu não sei. Mas estará o digníssimo magistrado a ensaiar uma retirada estratégica à minha certeira questão?

- Longe disso. Dir-lhe-ei apenas que nesse dia fui forçado a ausentar-me por assuntos pessoais.

Gabriel Garcia Marquez faria muito melhor. Mas cada um escreve sobre o país que tem.

E o que temos nós? Duas cartas, uma entrevista e uma estranha sensação de que algo sério está a acontecer por cá.

O general Rovisco Duarte resignou ao cargo e o Exército ficou temporariamente sem Chefe do Estado-Maior. O problema, como se explica neste artigo, é que alegou “razões pessoais” junto do poder político e “circunstâncias políticas” numa mensagem para consumo interno.

Pelo meio, houve uma reunião com o novo ministro da Defesa e uma série de 'não respostas' de vários responsáveis.

bomba, salvo seja, tinha rebentado durante a tarde - e está hoje em todos os jornais.

Mas a coisa tornou-se absolutamente estranha à noite, quando a RTP exibiu uma “entrevista” ao juiz Carlos Alexandre. Uso as aspas porque não se tratou de uma entrevista-entrevista, daquelas em que o jornalista se senta em frente ao entrevistado com uma mesa pelo meio. Foi outra coisa.

Meia Mação falou para as câmaras. Do padre à colega de escola, do carteiro ao presidente da câmara, ninguém poupou nos elogios ao conterrâneo magistrado que não foi escolhido para a instrução da Operação Marquês. A terra defende os seus.

Depois porque ainda antes de a entrevista ser transmitida já o Conselho Superior da Magistratura tinha anunciado a abertura de um um inquérito "para cabal esclarecimento de todas as questões suscitadas pelo juiz de instrução criminal" que coloca em causa o processo de escolha do juiz para a fase de instrução do processo da Operação Marquês.

Afinal, o que disse o juiz? Explicou que não esteve presente no dia do sorteio do juiz de instrução porque, por coincidência, teve de tratar de “assuntos pessoais”. Constatou que o computador tem regras e que a aleatoriedade é maior ou menor consoante o número de processos que tem cada juiz.

Depois, as coisas ficaram ainda mais esquisitas, porque a conversa saltou para os livros de Garcia Marquez. Questionado sobre se se sentia um general preso num labirinto (“O general no seu labirinto”), Carlos Alexandre respondeu que se sentia mais um náufrago (uma procuradora oferecera-lhe “Relato de um náufrago”), mas que ia sobreviver.

A seguir, ficámos a saber onde é a casa de banho do Tribunal Central de Instrução Criminal, constatámos que Alexandrefalou duas vezes com Ivo Rosa nas últimas semanas (mas não disse uma única vez o nome do colega que vai conduzir a instrução do Caso Marquês), descobrimos que o magistrado esteve “sitiado” pelo fogo no verão, que está preocupado com a poluição no Tejo e que - mesmo não tendo sido um aluno brilhante a matemática, como contou a colega de escola - sabe que lhe faltam exatamente dois mil dias úteis para se reformar. “Veja que os tenho bem contados”, disse ao jornalista.

A entrevista acabou com música de fundo. Carlos Alexandre, vestido a rigor, caminha para lá do portão de ferro. É um homem só, com as mãos atrás das costas, e avança em direção a um país que, fica-se com a ideia, ele acha que não o compreende.

A imagem perfeita de um general a deixar o campo de batalha.

OUTRAS NOTÍCIAS

Vamos então mergulhar no paiol da atualidade à procura dos temas que ficam e, com cuidado para a malta da ronda não notar, meter alguns no saco dos assuntos de que provavelmente vai ouvir falar durante o dia.

Esta é fresquinha: conhece a Fifó? Não sabe o que está a perder. A miúda tem 18 anos e marcou os quatro golos da vitoria (4-1) sobre o Japão na final feminina de Futsal dos Jogos Olímpicos da Juventude que decorrem em Buenos Aires, na Argentina.

Medalha de ouro para Portugal, para começar bem a quinta-feira.

(Aqui está uma entrevista com a árbitro da final, a iraniana Gelareh Nazemi, que só por acaso é sobre futebol)

A greve no Metropolitano de Lisboa termina às 10h00.

Daqui a pouco há Conselho de Ministros, o primeiro da nova equipa titular do Governo, e, por isso, daqui a pouco e mais umas horas haverá certamente novidades. Posso adiantar já uma: António Costa não está.


O primeiro-ministro - cidadão António Luís Santos da Costa, como disse ontem Carlos Alexandre - encontra-se em Bruxelas. Para os que julgam que é fácil a vida optimista de quem nos comanda, deixo aqui a agenda

09:30 - Encontro com o Presidente do Parlamento Europeu, Antonio Tajani
10:05 - Início da sessão de trabalho do Conselho Europeu, com o tema: Migrações; Segurança Interna; Relações Externas
13:00 - Almoço de trabalho - Cimeira do Euro
19:25 - Cerimónia de abertura da 12.ª Cimeira da ASEM
21:00 - Jantar dos Chefes de Estado e de Governo da 12.ª Cimeira ASEM, no Museu Real de Arte e História

A historia começou a escrever-se quando Theresa May aterrou na Bélgica e começou uma série de conversas com o único objetivo de garantir um acordo para o Brexit. Diz a primeiro-ministro britânica que “ainda é possível”, mas só com muito trabalho. Os responsáveis europeus aguardam e não parecemtão optimistas.

Por muito que queiramos, não é fácil vir respirar um pouco à superfície do oceano orçamental em que nos encontramos. Há três dias que só se fala disso e é garantido que para a semana a paisagem vai ser idêntica. OE para cá, OE para lá.

Ou, no caso dos funcionários públicos, é mais o Oyeahh(estou a brincar…mas para os restantes tenho uma boa sugestão de leitura no final deste curto).

Ontem uma das surpresas foi a das reformas antecipadas. Há também novidades nos recibos verdes, no preço dos carros… Rui Rio, líder do PSD, considera que se trata de um orçamento de ‘chapa-ganha-chapa-gasta’ para enganar os eleitores, mas António Gosta garante que o objetivo é continuar a “melhorar a vida dos portugueses e da economia”.

Isto é a política nacional ao mais alto nível. Sempre surpreendente.

No extremo oposto, o da aborrecida previsibilidade do quotidiano, está o buraco na rua. Um grande buraco em Lisboa. Em Alcântara. E o trânsito ainda vai estar condicionado esta manhã.

Nesse extremo está também a falta de eletricidade numa série de casas nas zonas atingidas pelo mau tempo do último fim de semana. A EDP garante que são menos de duas mil, como conta o Diário de Coimbra, e é preciso reconhecer que já foram mais de 300 mil.

No fundo, é uma questão de perspectiva. O tal buraco da Maria Pia também deve parecer minúsculo visto da estação espacial, mas acho que ninguém gostava de cair lá dentro…

Passaram cinco dias desde a tempestade Leslie e o prejuízo já ultrapassa os 80 milhões de euros. Com tendência para aumentar.

Na mesma ficaram duas condenações a pena máxima aplicadas nos tribunais portugueses. Pedro Dias viu a Relação confirmar os 25 anos de prisão. Tal como sucedeu aos arguidos condenados no caso da ‘Máfia de Braga’.

Os terrenos onde funcionava a Feira Popular, ali na zona de Entrecampos em Lisboa - e que se encontram em processo de leilão (com direito a anúncios em alguns dos jornais mais vendidos no mundo, como o Financial Times) - parecem estar dentro de um daqueles carrinhos da montanha russa. O CDS entregou na Procuradoria-Geral da República (PGR) um “pedido de sindicância” à Operação Integrada de Entrecampos.

O que é que rima com Entrecampos? Tancos, claro. E o que é que mesmo parecido com Tancos? O roubo de armas na Direção Nacional da PSP, em Lisboa. Foram 57 Glocks que desapareceram há quase dois anos. No Parlamento, o ministro da Administração Interna revelou que já apareceram oito: quatro em Espanha, quatro em Portugal. Faltam 49.

Eduardo Cabrita disse também que ainda não há videovigilância em todos os locais onde as polícias têm armas guardadas. Neste particular, o ministro não concretizou quantos faltam.

Ainda assim, há trabalho a fazer. Pode ler neste artigo que o trabalho - ainda que possa trazer maior segurança ao material bélico nacional - dificilmente tornará alguém rico. Mais deum milhão de portugueses que trabalham são pobres.

Um pequeno bloco de notícias rápidas, mas importantes

O Parlamento discute hoje dois projetos de resolução (PSD e PCP) sobre a ala pediátrica do Hospital de São João;

O ex-super-espião Jorge Silva Carvalho vai lançar um livro que, assegura a revista Sábado, tem “revelações explosivas”: operações ilegais, pressões internas, escutas e um "assalto" feito por espiões à sede de um partido político;

Os manuais escolares gratuitos já têm um prazo de vida. Ao fim de três anos são substituídos por livros novos;

Se quiser impressionar os amigos, atire a seguinte pergunta para o ar: Alguém sabe que dia é hoje? Um vai dizer que é Dia Europeu de Luta Contra o Tráfico de Seres Humanos; outro responderá que é Dia Mundial da Resolução de Conflitos; um terceiro irá garantir que é Dia Mundial da Menopausa; e o mais calado surpreenderá tudo e todos ao revelar que é Dia dos Médicos. Nenhum está errado. É tudo verdade.

Mas guarde o melhor para o fim: ontem foi ‘dia da moca’ no Canadá. Um dos maiores países do mundo legalizou o consumo de marijuana e a BBC acompanhou o fumo a subir durante várias horas.

É com esta sensação de ligeira alucinação e absoluta incompreensão que o mundo vai assistindo à lenta marcha dos dias que faltam para as eleições brasileiras. Os dois candidatos estão em plena guerra nas redes sociais. Bolsonaro lidera as sondagens, mas o que as sondagens mostram mesmo é um país que não se compreende a si próprio.

Entretanto, enquanto não chega o novo presidente, o atual (que, recorde-se, está a caminho de deixar de ser depois de ter substituído a presidente que foi destituída, após ter sucedido ao presidente que está detido) encontra-se em maus lençóis. Michel Temer foi indiciado pela polícia por corrupção e lavagem de dinheiro. Está ‘lulado', portanto.

Jean-Luc Mélenchon estava inspirado. Nas últimas horas tornou-se uma vedeta das redes sociais e um fortíssimo candidato a autor da frase do ano. “La republique c’est moi”, gritou ele na cara do polícia que o separava de uma porta. (O video é imperdível) Uma clara homenagem a Louis XIV que, alegadamente, terá dito, em 1655, “LÉtát cest moi”. Alegadamente porque não há qualquer registo escrito da frase e também porque, ao contrário do que sucedeu com o líder do movimento França Insubmissa, o rei não tinha a polícia a realizar buscas à sede do seu partido.

O assunto seguinte, que vai estar também no topo da atualidade desta quinta-feira, tem algumas frases que custam a ler. A morte de um jornalista no consulado da Arábia Saudita na Turquia ameaça tornar-se um foco de tensão internacional. Os pormenores do caso são chocantes e as suas implicaçõespreocupantes.

No Vaticano, o Papa Francisco recebe esta manhã o presidente da Coreia do Sul. Moon Jaein vai transmitir ao Papa uma mensagem do líder do líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un. Ao que tudo indica, será o tal convite para uma visita de que se falou há uns dias.

Há uns anos valentes, neste preciso dia em 1867, o Alasca tornou-se oficialmente parte integrante dos Estados Unidos da América. Os americanos compraram-no à Rússia por cinco centavos o hectare. Custou 7,2 milhões de dólares.

Por muito menos - vamos ser sério, é à borla - milhares de jovens de 18 anos vão poder viajar de comboio pela Europa. O concurso para os bilhetes grátis começa a 29 de novembro e os pormenores estão aqui.

Sem sair do Vida Extra, a novidade mais recente do site do Expresso, arrisco sugerir um salto a Nova Iorque para ver, nos ecrãs gigantes de Times Square, os trabalhos do português Santiago Ribeiro.

Logo à noite há futebol. A abrir as hostilidades desta eliminatóriada Taça de Portugal temos um Sertanense-Benfica, jogado em Coimbra. De um lado, uma equipa cujo relvado não estava de acordo, cheio de buracos que pareciam feitos por toupeiras; do outro, uma equipa que chegou a acordo com a Google para lidar com toupeiras.

Antes, pode ser que haja surf em Peniche. Frederico Morais estána luta.

O QUE ANDO A LER

Calma, não me esqueci de si caro leitor-não-funcionário-público. Antes, contudo, gostava de destacar alguns artigos sobre a juventude.

Podemos começar por este, que conta a história de uma jovem ativista de 15 anos que passa dias inteiros a tentar salvar o planeta.

Passamos para um ambicioso projeto do The New York Times, que foi à procura dos sonhos das raparigas que fazem 18 anos em 2018. Uma viagem por diferentes países e personalidades.

E, já agora, aproveite para recordar este artigo que publicámos há uns meses na revista E sobre os jovens adultos que nasceram em 2000. Uma espécie de Geração 18, à portuguesa.

O livro, por fim. “Felizes sem um Ferrari”, de Ryunosuke Koike, um monge japonês.

O título, traduzido literalmente, é “Manual Para Aprender a Ser Pobre”. No entanto, e do pouco que já consegui ler, é mais um tratado para nos ensinar a viver com menos.

A questão do consumo, e das implicações que pode ter no futuro da humanidade, na medida em que ameaça a própria sobrevivência do homem no planeta, foi um dos temas de uma conferencia recente do cientista Manuel Sobrinho Simões.

O livro de Koike é um bom pequeno passo para esse grande salto que, parece, teremos mesmo de dar um dia.

Este problema já não é pessoal. É de todas as pessoas.

Tenha um bom dia. Estamos por cá, no site do Expresso.

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