terça-feira, 18 de dezembro de 2018

MÉXICO ROMPE COM O NEOLIBERALISMO


O discurso de Lopez Obrador no dia 1 de Dezembro marca uma ruptura com o neoliberalismo que devastou o México nas últimas décadas. Pronunciado na Praça do Zocalo, na presença de dezenas de milhares de pessoas e durante mais de duas horas, o novo presidente mexicano reafirmou as suas ideias quanto à regeneração do México, ao combate à corrupção e à governação junto com o povo e não contra ele.

Das 100 medidas que preconizou, algumas são simbólicas (venda do avião presidencial, entrega do palácio à comunidade; ...), outras sociais (duplicação do salário-mínimo; redução dos altos salários e aumento dos baixos na função pública; publicação na Internet das folhas de pagamento com as remunerações de todos os funcionários do Estado, inclusive o presidente; ...) e outras ainda que podem ser caracterizadas como nacional-desenvolvimentistas (ferrovia Maia no sul do México a ligar o Pacífico ao Atlântico; aumento da produção de petróleo sem recorrer ao capital estrangeiro; incentivos fiscais para criar um "filtro" junto à fronteira com os EUA, numa faixa de 5 km, a fim de instalar ali indústrias que absorvam mão-de-obra e dissuadam os paisanos a transpô-la para o lado estado-unidense; proibição de sementes transgénicas; ...). 

O tom do seu discurso foi sincero e até emotivo, mas não falou em nacionalizações nem mencionou o socialismo. A sua tarefa será ciclópica num país devastado por 30 anos de neoliberalismo e corroído pelo narcotráfico. Se Lopez Obrador conseguir cumprir a metade das suas 100 medidas fará uma obra notabilíssima.

HÁ SAÍDA NO LABIRINTO CAPITALISTA? - Dowbor


Em sua fase delirante, sistema comete todos os desvarios – e os trata como alta sabedoria. Teremos inteligência para escapar da cilada?

Ladislau Dowbor | Outras Palavras

The most intellectual creature ever to walk the earth,

is destroying its only home.” – Jane Goodall


A burrice no poder tende não só a se perpetuar, como nela se afundar. O acúmulo de bobagens ou de tragédias, a partir de um certo ponto, exigiria tamanha confissão de incompetência, que os donos de poder continuam até a ruptura total. Reconhecer a burrice torna-se demasiado penoso. Barbara Tuchman nos dá uma análise preciosa dos mecanismos, no que ela chama de Marcha da Insensatez: “Uma vez que uma política foi adotada e implementada, toda atividade subsequente se transforma num esforço para justificá-la.” Isso levou, por exemplo, cinco presidentes note-americanos sucessivos a se afundarem na guerra do Vietname, apesar da convicção íntima, hoje conhecida, de que era uma causa perdida. A burrice política obedece a uma impressionante força de inércia. (263)

Qualquer semelhança com o golpismo no Brasil insistir numa política que empurra o país para trás, mesmo depois de quatro anos de desastre, não é evidentemente uma coincidência, é a regra. No túnel da burrice, os que a perpetram sempre imaginam que logo adiante surgirá a proverbial luzinha. Se a política sacrifica em vez de ajudar, dirão que o sacrifício não foi suficiente, é só aprofundar um pouco mais. Com gigantesco esforço de mídia, de fake-news e de dinheiro, elegeu-se um presidente cujo rumo é simplesmente acelerar a Marcha. Com Deus e a Família rumo ao absurdo.

A burrice da “austeridade”

“”A “austeridade”, para quem não tenha notado, não funciona. Como diz Stiglitz, nunca funcionou. Por uma razão simples: o capitalismo, para se expandir, precisa de produtores, mas também de consumidores. No centro do raciocínio, está a ilusão de que não temos recursos suficientes para incluir os pobres. As políticas sociais e um salário mínimo decente não caberiam na economia, no orçamento, ou na Constituição, segundo os políticos. Façam um cálculo simples: o Brasil produz 6,3 trilhões de reais de bens e serviços, o montante do nosso PIB. Isso dividido por 208 milhões de habitantes nos dá um per capita de 30 mil reais ao ano, ou seja, 10 mil reais por mês por família de 4 pessoas. Isso está longe das ambições de consumo da nossa classe média alta, mas assegura, para o comum dos mortais, o suficiente para uma vida digna e confortável. Nosso problema não é falta de recursos, e sim a burrice na sua distribuição. Na fase do lulismo, a economia cresceu, sendo que a renda dos mais pobres e das regiões mais pobres cresceu mais do que a renda dos mais ricos: todos ganharam, os pobres de maneira mais acelerada, reduzindo a desigualdade. A ascensão dos pobres gerou nos ricos a reação esperada: a mesma que tiveram com Getúlio e com Jango, agora repetida com Dilma e com Lula. Reconhecer que funciona o que sempre denunciaram seria penoso demais. A burrice é muito teimosa. Portugal tem uma experiência simpática: mandou a “austeridade” às favas, e está indo de vento em popa. Com uma lei absurda de teto de gastos, nós institucionalizamos o aprofundamento da desigualdade. Já se notou que a austeridade recomendada é a dos pobres que têm pouco, e não a dos ricos que têm muito e ainda esbanjam?

A burrice do golpe

O Banco Mundial qualificou os anos 2003 a 2013 de The Golden Decade¸ a década dourada da economia brasileira. É preciso ser muito ideologicamente cego para ignorar o imenso avanço que representaram a queda do desemprego de 12% em 2002 para 4,8% em 2013, a abertura de 18 milhões de empregos formais, a retirada de 38 milhões de pessoas da pobreza, a redução do desmatamento da Amazônia de 28 para 4 mil quilómetros quadrados, o acesso à luz elétrica para 15 milhões de pessoas e assim por diante. A opacidade mental dificulta naturalmente a aceitação dos números por quem quer se convencer do contrário. Então se gera uma forma sofisticada de bobagem chamada hoje de “narrativa”: fazer política para o povo é populismo, o populismo quebrou as contas do Estado e o caminho certo é o da boa dona de casa que só gasta o que tem. Portanto, a dona de casa Dilma tem de ir para casa. Mas os números são simples: o que gerou o déficit não foram as políticas económicas e sociais do governo, e sim os juros escorchantes sobre a dívida pública e a dívida privada, a chamada financeirização. Já pararam para pensar o que significa o Brasil ter, em 2018, 64 milhões de adultos endividados até o ponto de não poderem mais pagar suas dívidas? São adultos, acrescentem as famílias, estamos falando da massa da população.

Quando a Dilma tenta, entre 2012 e 2013, reduzir as taxas de juros, começa a guerra política, com manifestações, boicote e denúncias. A partir de meados de 2013 não há mais governo. Dilma ainda ganha a eleição, mas como foi anunciado pelos adversários, não governaria. A burrice atinge o seu ápice quando se cortam as políticas sociais com a lei do teto de gastos, mas se mantêm as taxas de juros. Os bancos agradeceram, a classe rentista também. Jogaram a economia na recessão.Em termos políticos, tiraram Dilma sem crime, prenderam Lula sem comprovação de culpa, elegeram um presidente absurdo por meio da prisão de quem ia ganhar a eleição, e quem prendeu Lula ganhou o posto de ministro. Sim, de 2014 para cá, são muitos anos em que estão “consertando” a economia, que continua parada. O presidente eleito vai reduzir ainda mais os rendimentos da massa da população. Só para lembrar, o Bolsa Família são 30 bilhões de reais ao ano, que geram demanda e dinamizam a economia. Só os juros sobre a dívida pública, na faixa de 320 bilhões de reais, representam dez vezes mais, alimentando rentistas. E como as finanças deformadas quebraram a economia, o déficit aumentou. É um círculo vicioso. E quanto mais travam a economia, mas explicam que o sacrifício ainda é insuficiente. No entanto, persiste a narrativa simplória: Dilma quebrou a economia. Para a maioria das pessoas, em particular quando não entendem os processos, política se resume a eleger o culpado. O sistema financeiro travou a economia, mas vendeu ao povo uma culpada, aliás mulher e teimosa, vítima ideal. O poder dos bancos funciona hoje apenas para os banqueiros e para os rentistas.

A burrice do rentismo

O lucro sobre investimento é legítimo: gera empregos, produtos, e paga impostos. O lucro sobre aplicações financeiras constitui dividendos, assegura grandes retornos para quem não produz nada. Os banqueiros chamam os diversos papéis que rendem dividendos de “produtos”, o que constitui um disfarce simpático. Dinheiro ganho com aplicações financeiras não coloca um par de sapatos no mercado de bens realmente existentes. Diferenciar investimento produtivo e aplicação financeira é básico.

O manual britânico sobre o funcionamento da moeda explica o efeito bola de neve, financial snow-ball effect: papéis financeiros renderam nas últimas décadas entre 7% e 9% ao ano. Só para lembrar, a produção efetiva de bens e serviços aumenta no mundo num ritmo incomparavelmente menor, da ordem de 2% a 2,5%. Os afortunados, logicamente, irão optar pelas aplicações financeiras. Por exemplo, um bilionário que aplica o seu dinheiro a modestos 5% ao ano ganha 137 mil dólares ao dia, sem precisar produzir nada. A cada dia a maior parte deste dinheiro é reaplicada, gerando um enriquecimento improdutivo que gradualmente multiplica bilionários e trava a economia. É o capitalismo dando o tiro no próprio pé, ao perder a sua principal justificativa, a produtividade. De crise em crise, no cassino financeiro mundial, vimos o 1% dos mais ricos do planeta se apropriar de mais riqueza do que os 99% seguintes. No curto e médio prazo, funciona muito para o 1%. Como institucionalização da remuneração dos improdutivos muito superior à dos que produzem, não funciona para o conjunto. É sistemicamente disfuncional.

A economia de mercado supunha trocas entre produtores e consumidores, com geração de emprego e renda. Hoje os “mercados”, grupo limitado de especuladores, apresentam um surto de otimismo a cada redução dos direitos da população. É a lógica da insensatez. Não é preciso ir muito longe para aprender algo de positivo: a China controla o seu sistema financeiro para que seja utilizado produtivamente, os alemães usam a rede de caixas de poupança locais (sparrkassen) assegurando que o dinheiro seja investido no que a comunidade necessita. Sabemos o que funciona: é quando o dinheiro é investido produtivamente.

Um exemplo prático ajuda: há alguns anos a Coréia do Sul desbloqueou recursos públicos pesados para financiar sistemas de transporte público não poluente. O investimento gerou evidentemente um conjunto de atividades de pesquisa e de produção, e portanto emprego. Como utilizar transporte coletivo é muito mais barato do que cada pessoa pegar o seu carro, foram geradas economias que mais que compensam o investimento. Como investiram em transporte menos poluente, melhoraram as emissões tanto pela tecnologia desenvolvida como pela redução do uso de automóveis. Menos poluição nas cidades significa menos doenças de diversos tipos, e economias na área da saúde. A redução do tempo perdido nos engarrafamentos permite menor desgaste da população, mais tempo com lazer, melhor produtividade no trabalho. O exemplo tende a ilustrar apenas o óbvio: os recursos têm de ser investidos em projetos e programas que geram efeitos multiplicadores em termos de dinamização económica, de proteção do meio ambiente e de melhoria do bem-estar das famílias. Tanta inteligência que se gasta para encontrar a aplicação financeira que mais rende, poderia ser utilizada para elaborar os projetos mais úteis. E enriquecer a sociedade.

O fluxo financeiro integrado

Como isso funciona no Brasil? As contas não são difíceis de explicar. A economia funciona quando se coloca o dinheiro onde vai ter efeitos multiplicadores. Se eu compro uma máquina, aumento a minha produtividade e consequentemente os meus lucros em nível superior à taxa de juros que me cobram, posso pegar outro empréstimo e ir aumentando a produção, gerando emprego e renda. Mas se o custo do crédito, a taxa de juros cobrada, é superior aos rendimentos que a máquina me permite obter, eu me verei enforcado em dívidas sobre dívidas, terminando por trabalhar para pagar o banco. Como escreve Zygmunt Bauman, os banqueiros detestam o bom pagador. Essa deformação fundamental, dos principais agentes económicos no Brasil – as famílias, as empresas e o Estado – se verem enforcados com o sistema financeiro, é que está na raiz da nossa recessão económica e do caos político que vivemos. E ainda nos convencem que a solução está em colocar mais banqueiros na direção da política.

Faça as contas. No Brasil as famílias e as empresas pagam anualmente, só em juros, portanto sem reduzir a dívida, 1 trilhão de reais. Como o nosso PIB é de 6,3 trilhões, estamos aqui falando em 16% do PIB. Este montante surrealista se deve simplesmente às taxas de juros praticadas, que constituem agiotagem. Em fevereiro de 2018, por exemplo, os juros bancários para pessoa física estavam na faixa de 137% ao ano, quando na França são inferiores a 5%, também, evidentemente, ao ano. Assim o sistema financeiro drenou a capacidade de compra das famílias e a capacidade de investimento das empresas.

O dinheiro dos nossos depósitos e o fluxo de juros que os bancos extorquem das famílias e das empresas são em grande parte aplicados em títulos da dívida pública. O governo pagou aos bancos e aos ricos que têm aplicações deste tipo 341 bilhões de reais em 2017, cerca de 6% do PIB. Muitos países têm dívidas públicas maiores que as nossas, proporcionalmente ao PIB, mas nenhum paga juros tão elevados. Para o governo pagar esses 341 bilhões (apenas juros, sem reduzir a dívida) aos aplicadores financeiros, ele precisa cobrar os impostos correspondentes. Assim, os nossos impostos, em vez de financiarem políticas sociais e infraestruturas, vão parar nos bolsos dos especuladores financeiros, de gente que não produz nada, pelo contrário, desviam os recursos dos seus usos produtivos.

A conta não é complicada. Somando os 16% que tiram das famílias e das empresas, e os 6% que tiram dos nossos impostos, vamos a 22% do PIB. Mas isso é agravado pelo sistema tributário. Enquanto na Europa se corrige em boa parte a deformação taxando o capital financeiro, as grandes fortunas, as heranças, e as rendas mais elevadas, no Brasil os ricos pagam proporcionalmente menos que os pobres, e desde 1995 os lucros e dividendos distribuídos são isentos de impostos. E tem mais. A evasão fiscal é calculada no Brasil em 570 bilhões de reais por ano, o que representa 9% do PIB. Quem evade, naturalmente, é o rico, o banco, a corporação: o assalariado tem o seu imposto descontado na folha. Boa parte da evasão é assessorada por bancos, que têm para isso departamentos que qualificam de “otimização fiscal”. Os nomes utilizados nas finanças são muito bons, como justamente chamar aplicação financeira de investimento.

Tem mais, naturalmente. Boa parte da evasão se dá por meio de paraísos fiscais, com grandes empresas de gestão discreta de fortunas que se situam em países onde não há controle, por exemplo no Panamá, ou nas Ilhas Cayman, ou ainda no Estado de Delaware nos Estados Unidos, sem falar evidentemente da Suíça que, como escreveu Jean Ziegler, “lava mais branco”. Não se trata de roupa, evidentemente. O fato é que o estoque de recursos financeiros improdutivos nos paraísos fiscais é estimado em 20 trilhões de dólares pelo Economist, equivalente a quase um terço do PIB mundial. O Brasil participa com 520 bilhões de dólares (dados de 2012), o que representa cerca de 2 trilhões de reais, equivalente a cerca de um terço do nosso PIB. Não só não investem, como sequer pagam impostos.

Vimos aqui os imensos drenos que sangram a nossa economia, que vaza por todo lado. E há evidentemente uma série de drenos menores, como o sistema de pensão complementar (ativos da ordem de 1 trilhão que poderiam ser investidos e fomentar a economia em vez de alimentarem o sistema financeiro), bem como as seguradoras, com ativos também da ordem de 1 trilhão, e também ‘aplicados’ e não investidos, além do rentismo mais disfarçado dos planos de saúde, das telefónicas e outros drenos.
A nossa Constituição é clara: “O sistema financeiro nacional [será] estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade.” Hoje, o SFN (Sistema Financeiro Nacional) serve essencialmente para alimentar improdutivos, sejam eles banqueiros, grupos nacionais ou internacionais, e em particular a classe média alta que com tanto entusiasmo ocupa a avenida Paulista. A realidade é que os bancos criaram um sistema em que os nossos impostos são desviados em grande parte para os seus cofres e para os rentistas que participam da festa, essencialmente os mais afortunados. Os banqueiros manejam o Estado, drenam os seus recursos, e explicam que a culpa é do Estado, dos impostos elevados, e dos “gastos” com os mais pobres.

O absurdo de tudo isso? É que seria incomparavelmente mais produtivo para todos, inclusive para os bancos, fomentarem a economia em vez de drená-la. A China tem esse ritmo de desenvolvimento porque canaliza os recursos financeiros “de forma a promover o desenvolvimento”. No nosso caso, trata-se de visões de curto prazo, mesquinhas, satisfazendo quem olha a sua conta bancária ou seu dinheiro no exterior engordar, e esquece que gerar o caos e travar o desenvolvimento não resolve o futuro de ninguém.

O absurdo da desigualdade

Manter a desigualdade é particularmente absurdo, mas está no centro das propostas do poder. Afinal, os ricos que nos regem defendem os seus próprios interesses, e é raríssimo ter alguém no poder que não seja rico, branco, homem, e centrado em aumentar as suas próprias vantagens. A questão, evidentemente, é que a partir de um certo nível de desigualdade e de repartição do acesso aos bens e serviços produzidos pela sociedade divorciada dos aportes, e portanto do merecimento, o sistema se torna disfuncional, inclusive para os donos do poder. Jogaram a economia na recessão, no desemprego, e no caos político.

Mas funciona pelo menos para os ricos? Criar as suas famílias em absurdos condomínios cercados e eletrificados, ou em mansões em que precisam conviver com equipes de segurança, dotando-se de veículos blindados, escondendo as suas fortunas em paraísos fiscais, administrando esquemas de evasão fiscal, buscando relaxamento em viagens aos países desenvolvidos – enfim a civilização – tudo isso tem pouco a ver com uma sociedade onde se respira livremente. Inúmeros estudos comparados internacionais sobre a percepção de qualidade de vida apontam para uma radical melhoria quando um pobre tem acesso a uma renda mais decente, mas quase nenhuma melhoria quando um milionário avança para mais milhões. Este sistema nem para eles funciona. Se é para aumentar a felicidade geral da nação, a tal da Felicidade Interna Bruta (FIB), não há dúvida que uma política de inclusão funciona melhor para todos. Quanto mais na base chega o dinheiro na pirâmide social, maior é o multiplicador de felicidade, e também do dinamismo económico. A redução da desigualdade é fundamental em termos éticos, políticos e económicos.

Em termos de ética, fica difícil encontrar palavras suficientemente fortes. Em nenhuma sociedade civilizada pode uma pessoa ficar sem atendimento médico ou acesso a um medicamento, uma criança ou um adulto ficarem sem poder comer, famílias viverem desabrigadas, ou ainda passarem anos em campos de refugiados. Morrem de fome ou de falta de acesso à água segura cerca de 6 milhões de crianças por ano, 850 milhões pessoas passam fome no mundo, quando produzimos, só de grãos, mais de um quilo por pessoa por dia, quando desperdiçamos um terço dos alimentos produzidos por mal manejo. Todos esses ricaços irresponsáveis que esbanjam os seus recursos com consumo espalhafatoso ou especulação financeira, em vez de ajudar na implementação de políticas que funcionam para o conjunto da sociedade, todas essas corporações que geram tragédias sociais e ambientais, navegam em valores de primatas, na ética de que o sucesso consiste em arrancar o pedaço maior, que se dane o sofrimento, que se dane o planeta. Aqui temos inteligência impressionante para gerar novos meios, mas uma burrice impressionante em termos de definir os fins. Vamos construir mais muros, abrir mais condomínios, mais casulos de riqueza, sistemas de repressão mais violentos?

Essa desigualdade é evidentemente disfuncional também em termos sociais e políticos. A partir de um determinado nível de desigualdade, não há solidariedade social nem convívio democrático que sobrevivam. A violência se torna latente em todas as esferas. Nos Estados Unidos as pessoas compram mais armas, no Brasil o exército invade favelas, nas Filipinas se fuzila à vontade, a Europa não sabe mais o que fazer para se proteger da maré de miseráveis que fogem das colónias que a Europa tanto explorou e desarticulou. Não estamos aqui sugerindo perfeita igualdade, mas sim uma situação menos obscena, em que cada pessoa possa valer pelo que vale como pessoa, e ter as suas oportunidades de crescer. A realidade é muito simples: pessoas reduzidas ao desespero reagem de maneira desesperada, há limites no bom senso de milhões de pessoas que encontram todas as portas fechadas. Temos os recursos, temos as tecnologias, sabemos como fazer, e custa muito pouco. É exagero falar de ignorância?

E a desigualdade constitui em particular uma burrice no plano econômico. Porque funcionaram o New Deal de Roosevelt, o Welfare State dos países hoje desenvolvidos, o milagre da Coréia do Sul, o impressionante ritmo de desenvolvimento da China, a “década dourada” do Brasil? Todos tiveram em comum a expansão da capacidade de compra da base da população, e o acesso a políticas sociais públicas e universais, que permitiram ampliar a escala de produção e o emprego. O que a empresa mais quer é ter mercado. Os mecanismos económicos são conhecidos já há quase um século, a partir de Kalecki e de Keynes. Investir no bem-estar das populações gera demanda, o que por sua vez amplia a produção, e assegura mais empregos, o que aumenta mais ainda a demanda. O consumo das famílias e a produção empresarial geram por sua vez impostos que aumentam as receitas do Estado, fechando a conta. Isso permite o financiamento das políticas sociais: uma população com mais saúde e educação é mais produtiva. Aqui não são necessários ideologias e ódios, e sim um simples olhar para o que funciona. E o que funciona é quando a economia é orientada segundo as prioridades e o bem-estar das famílias. A desigualdade, em termos económicos, apenas mantém uma atividade de base estreita e de baixa produtividade.

Manter e reproduzir a desigualdade, quando desarticula as nossas sociedades acumulando absurdos éticos, políticos e económicos, francamente, é espantoso. Aprofundá-la é patológico. Todos os exemplos positivos que temos, do Canadá à Coreia do Sul, passando pela Alemanha e os países nórdicos, e evidentemente a China, se basearam em expandir o mercado interno e as políticas sociais, em de vez de privilegiar minorias.

Estado, empresa e sociedade civil organizada

No centro dos desafios está a necessidade de termos instituições que permitam que se implementem políticas que façam sentido. O embate sobre a política tem se resumido basicamente à guerra entre os que querem estatizar e os que querem privatizar. A realidade é que somos hoje sociedades demasiado complexas para soluções ideológicas simplificadoras deste tipo. Onde funcionam, as políticas se apoiam numa articulação razoavelmente equilibrada de Estado, empresas e organizações da sociedade civil. As corporações sem controle do interesse público viram máfia, o Estado sem controle público vira ditadura, o interesse público sem organizações da sociedade civil para enfrentar de maneira articulada os desmandos é simplesmente desconsiderado.

E não é complicado. O objetivo é o desenvolvimento sustentável, equilibrando os interesses económicos, sociais e ambientais. Hoje os 17 objetivos e 169 metas da Agenda 2030 descrevem de maneira clara os rumos: assegurar uma vida decente para todos, sem prejudicar as gerações futuras. Sabemos o que funciona: é o ciclo económico completo centrado no bem-estar das famílias. O bem-estar das famílias, objetivo último do desenvolvimento económico e social, depende sem dúvida da renda auferida, que permite fazer as compras, pagar as contas. Assegurar um razoável fluxo de renda para a massa dos consumidores é o que por sua vez vai gerar o mercado para o desenvolvimento das atividades produtivas. Tanto o consumo direto (out-of-pocket dizem os americanos) como a atividade empresarial geram receitas para o Estado.

Este, por sua vez, poderá utilizar os recursos para o chamado salário indireto, o que assegura o consumo coletivo de serviços como saúde, educação, cultura, segurança, o rio limpo, os parques na cidade, infraestruturas de energia e transporte e semelhantes. O acesso ao consumo coletivo é fundamental, pois sai muito mais barato e se torna muito mais eficiente ter um serviço público gratuito universal de saúde como no Canadá, do que o sistema privatizado norte-americano. Os números são clamorosos: o americano gasta 9.400 dólares por ano com doenças; o canadense 3.400 dólares por ano com saúde, com resultados incomparavelmente superiores. O sistema público, gratuito e universal de acesso aos bens coletivos é simplesmente mais eficiente. É ridículo no Brasil se chamar os investimentos públicos de “gastos”, quando se trata da forma mais eficiente de assegurar o acesso a bens de consumo coletivo essenciais. Curiosamente, os bancos chamam os diversos papéis que nos empurram de “produtos”.

A burrice aqui consiste em se desenvolver uma guerra ideológica pro- ou anti-Estado, quando é natural que bens de consumo individual estejam no âmbito empresarial, políticas sociais e infraestruturas no âmbito do Estado, e o ajuste das políticas tanto empresariais como públicas seja assegurado de forma articulada por organizações da sociedade civil. Nada como olhar o que funciona, e de que maneira, pelo planeta afora, e se inspirar. O melhor antídoto à burrice é a aprendizagem, rende muito mais do que bater panelas.

A sociedade desinformada

Dizia Jung que pensar é trabalhoso, então as pessoas preferem ter opiniões. Você pode ter direito às suas opiniões, mas não aos seus fatos. O espantoso é termos uma sociedade tão desinformada numa época em que estamos cercados de meios de comunicação, na sala, na rua, no consultório médico, no próprio bolso. Em boa parte, essa desinformação se deve ao fato de que entre os fatos que chegam à cabeça e as opiniões que mobilizam o nosso fígado, preferimos claramente tranquilizar o fígado: vamos selecionar os fatos, ou deformá-los, para justificar o que queremos acreditar. Os demagogos do mundo há tempos aprenderam que mobilizar as pessoas pelo ódio rende muito mais do que tentar explicar-lhes a realidade. Encontrar um culpado que possamos odiar juntos gera uma catarse popular poderosa, uma imensa excitação de sermos uma patota solidária na mobilização punitiva: os judeus na Alemanha de Hitler, os palestinos no Israel de hoje, os mexicanos nos Estados Unidos (já que não temos mais os soviéticos nem Saddam Hussein), os imigrantes na Europa. No Brasil até reinventaram o comunismo para poder justificar o ódio ao Lula e aos pobres em geral.

Kurt Andersen escreve que os Estados Unidos sofreram uma mutação que os tornou uma ilha da fantasia, Fantasyland: “No bilhão de sites da internet, pessoas que acreditam em tudo e qualquer coisa podem encontrar milhares de companheiros de fantasia que compartilham as suas crenças, com colagens de fatos e com “fatos” para confirmá-las. Antes da internet, os de cabeça confusa (crackpots) ficavam essencialmente isolados e seguramente tinham mais dificuldade para continuar convencidos das suas realidades alternativas. Hoje as suas devotamente seguidas opiniões estão no ar e na Web, da mesma maneira como notícias efetivas. Agora todas as fantasias parecem verdadeiras.”

Demagogos políticos com os seus discursos de ódio ou de grandiosidade, corporações que nos convencem que somos mais importantes ao pagar 1200 reais por uma caneta Montblanc que escreve, Think Tanks que se multiplicaram como cogumelos – desde os gigantes financiados pela família Koch até o nosso Milenium tão brasileiro – gigantes do carvão e do petróleo que financiam campanhas mundiais para dizer que a mudança climática é uma invenção acadêmica, tudo isso aponta não só para o fato que somos muito frágeis em termos de usar a nossa razão, mas que temos uma gigantesca indústria planetária que disso se aproveita. O cérebro passa a existir para inventar razões para acreditar no que não tem nenhuma base racional. Ter uma sociedade tão desinformada, e ao mesmo tempo sobrecarregada de informação, aponta para uma forma particularmente idiota de organizarmos o acesso ao conhecimento. E exemplos positivos não faltam, como a BBC para o mundo que entende inglês, a TV5Monde para o mundo francófono, redes de informação científica como a PBS americana e assim por diante. Já pensaram a TV utilizada para informação em vez de fakereality?

O paradoxo das tecnologias

É muito impressionante a nossa preocupação com as tecnologias. Afinal, fazer mais coisas com menos esforço deveria nos deixar contentes, aumenta a produtividade social. Mas os avanços tecnológicos explosivos que vivemos exigem formas inovadoras de organização social. No mundo do vale-tudo que chamamos educadamente de liberalismo, ou de neoliberalismo, as novas tecnologias permitem liquidar a vida nos mares, encher os nossos alimentos de agrotóxicos e de antibióticos, contaminar a água, o ar e o solo, transformar o clima, liquidar as florestas, destruir a biodiversidade herdada – tudo em escala sem precedentes, justamente pelo poder das tecnologias. Entre a criatividade que permite esse avanço das tecnologias, e a nossa patológica dificuldade de pensar de maneira sistêmica (como se articulam essas diversas transformações) e no longo prazo (mudança climática, acidificação dos oceanos etc.), o resultado é o que tem se chamado de catástrofe em câmara lenta.

Como se preocupar tanto com o desemprego tecnológico quando a produtividade maior significa que podemos trabalhar menos, e dedicar uma parte maior das nossas vidas à cultura, lazer, convívio e semelhantes? Obviamente, é só distribuir melhor a jornada de trabalho, deixar a economia se expandir nas áreas que nos permitam aproveitar melhor a vida, e assegurar a renda básica para permitir que na transição ninguém fique em situação desesperadora. Mas também precisamos nos dotar de instrumentos de regulação que evitem a destruição do planeta. Ou seja, quem maneja a tecnologias tem de assumir a responsabilidade de não ser apenas economicamente viável, mas também socialmente justo e ambientalmente sustentável. O vale-tudo organizacional do século XX mas com as tecnologias do século XXI não tem como funcionar. Utilizar tanta tecnologia e conhecimento sofisticado para aprofundar a crise ambiental e o desastre social, francamente, constitui burrice sistémica.

Competição ou colaboração

Sabemos que os processos colaborativos funcionam. No entanto privilegiamos a guerra de todos contra todos, entre grupos sociais, entre religiões, entre países, entre empresas, entre vizinhos. Em grande parte, sem dúvida, trata-se da nossa natureza. Mas o essencial é que constatamos, em tantos exemplos pelo mundo, que se trata também de dimensões institucionais. Não estava na natureza dos alemães matar pessoas em campos de concentração, nem está na dos guardas de fronteira americanos arrancar filhos de junto das suas mães. E podemos olhar como sociedades muito mais centradas na colaboração, como o Canadá ou os países nórdicos, prosperam não só em termos de qualidade de vida como inclusive de produtividade económica. As pessoas esquecem, ao constatarem a impressionante dinâmica da China, do Vietnã e de outros “tigres”, a que ponto está ancorada nas suas tradições a dinâmica colaborativa do cultivo de arroz, em que o dique de um é também o dique de outro, em que a repicagem do arroz se faz de maneira coletiva.

O que vale no curso da nossa curta vida não são só os resultados, mas também os processos. Transformar a vida num inferno e depois mostrar que aumentou a produção nos deve levar a pensar, afinal, o que queremos? A vida é o próprio caminhar, e tornar o caminho menos espinhoso pode ser mais importante do que chegar mais rápido. As pessoas estão redescobrindo os bens comuns, como conhecimento, meio ambiente, infraestruturas que geram mais conforto e articulação entre as diversas atividades. Com a urbanização mundial, inúmeras cidades estão assumindo as rédeas de um desenvolvimento mais equilibrado, organizando a colaboração dos diversos atores sociais e econômicos. Com a evolução para a sociedade do conhecimento, redescobrem a evidência de que as ideias podem ser generalizadas sem custos adicionais, no quadro da sociedade de custo marginal zero tão bem descrita por Jeremy Rifkin. Com a conectividade planetária abrem-se espaços imensos de economia colaborativa.

Já é tempo de começarmos a nos civilizar. Um versinho de repentistas pernambucanos é cheio de sabedoria: “Para que tanta ganância e correria, se ninguém veio aqui para ficar?” Francamente, os super-homens de plantão, sejam políticos, empresariais ou eclesiásticos, me enchem o saco, eu quero a tranquilidade do cotidiano, a riqueza das trocas, as alegrias do convívio. E temos toda a ciência e riqueza necessárias para assegurar o bem-estar de todos sem tanta ideologia do sucesso individual. Realização, sem dúvida, mas não sobre as costas dos outros, e muito menos sobre os seus cadáveres, absurdo que por desgraça continua em tantas regiões do mundo. Quando as regras se tornam fluidas e as leis ajustáveis, impera o arbítrio dos mais fortes. Até quando aceitaremos a estupidez de armar mais pessoas para gerar mais segurança? De mandar tropas para as favelas em vez de enfrentar o absurdo da sua existência? Será demais exigir da inteligência que entenda que é mais produtivo agir sobre as causas do que sobre as consequências?

A lei como vetor de injustiça

A lei é fundamental. O conjunto das leis define as regras do jogo na sociedade. E a igualdade perante a lei é essencial, permitindo previsibilidade e segurança. Um problema central, naturalmente, é definir quem faz as leis. No mundo realmente existente, as leis são feitas por homens, não por acaso brancos e ricos. E são feitas, como se poderia esperar, no sentido de privilegiar homens, brancos e ricos. Houve um tempo em que era legal uma pessoa comprar ou vender pessoas como escravos. Lincoln, como presidente, conseguiu revogar esta lei recorrendo a uma série de ilegalidades, inclusive à corrupção: já se comentou que o maior avanço humanitário dos Estados Unidos foi conseguido por um homem profundamente ético que o conseguiu recorrendo aos procedimentos mais desonestos. No Brasil, a generalização do hábito de legislar em causa própria nos leva ao caos, ao se deslegitimar a própria lei e o próprio judiciário.

As nossas heranças recentes são significativas. Podemos dizer que a Constituição de 1988, pelo modo como foi elaborada, era legítima. Mas mesmo dentro desse marco jurídico, foi se desenhando um Frankenstein. Sigam o processo. Em 1988, nós aprovamos a Constituição, resgatando um mínimo de governabilidade. Em 1995, o governo aprova uma lei que define as modalidades do endividamento público: a partir de julho de 1996, os bancos podiam aplicar o nosso dinheiro em títulos públicos que rendiam 25%, já com inflação baixa. O normal no mundo é um rendimento entre 0,5% e 2% ao ano. A taxa Selic foi e continua sendo um imenso presente para os banqueiros. Apropriação privada legalizada de recursos públicos. Bem, a lei é igual para todos, os pobres, se têm dinheiro sobrando, também podem aplicar. As fortunas que o endividamento público representou para a nata da sociedade não seriam oneradas pelo imposto: no presente de natal aprovado em 26 de dezembro de 1995, os lucros e dividendos distribuídos passaram a ser isentos de imposto. Os funcionários do banco são descontados na folha, mas os milhões que entram nos bolsos dos banqueiros são isentos. Isso no Brasil, mais uma particularidade nossa.

Tem mais, em 1997, o governo aprovou uma lei autorizando as pessoas jurídicas a financiarem as campanhas eleitorais. A política passou a representar os ruralistas, os bancos, a grande mídia, cada grupo de grandes corporações passou a ter a sua bancada. Levou 18 anos para o STF, guardião da nossa Constituição, se dar conta de que o artigo 1º, que reza que todo poder emana do povo, não das corporações e pessoas jurídicas, mas de pessoas de verdade, tinha sido violado. O Congresso eleito desta maneira aceitou em 1999 a PEC que liquidava o artigo 192º da nossa Constituição, transformada em Emenda Constitucional em 2003. A limitação de juros (era de 12% ao ano mais inflação) desaparece. Liquidaram a regulação financeira.

Lula estava plenamente consciente das relações de força do país e leu, em junho 2002, a Carta aos Brasileiros, que mais poderia se chamar de carta aos banqueiros: não mexeria com os seus interesses. Aliás, com a liquidação do artigo 192º, teria inclusive pouca base legal para fazê-lo. Apesar da sangria dos juros, foi possível, como vimos, realizar milagres. Mas em 2012, com mais de 50 milhões de adultos enforcados na dívida, e o governo esterilizado pelo dreno da dívida pública, Dilma resolve baixar os juros. Não teve força política correspondente ao desafio. O resto sabemos: é o golpe, e a lei do teto de gastos que garante os juros para os banqueiros e os rentistas, mas onera a massa da população, iniciativas do aparato jurídico que têm como denominador comum o aumento dos privilégios.

Moral da história: falar em legalidade tornou-se um faz-de-conta. Em pequeno livro de 2015, Os estranhos caminhos do nosso dinheiro, descrevo como a grande corrupção gera a sua própria legalidade. Uma empresa dar dinheiro a um político para que se aprove uma lei que lhe favorece constitui corrupção. Mas entre 2007 e 2015, financiar a eleição do político que se deseja e, portanto, ter os seus votos assegurados durante quatro anos, era legal. Comprar políticos só seria ilegal no varejo.

Temos uma referência básica, a Constituição. E um guardião do seu cumprimento que é o Supremo Tribunal Federal. Ao se bandear com armas e bagagens para os golpistas e para os grupos mais corruptos da política, ao acobertar o golpe, o judiciário conseguiu sem dúvida favorecer uma guinada radical para a direita, e reduzir radicalmente os espaços democráticos no país. Alguém acredita hoje neste judiciário? O que conseguiram, foi uma desmoralização profunda, e a perda de confiança na justiça representa um imenso recuo para o país. Em pleno final de 2018, depois de tanto justificar a perda de direitos da massa da população com o pretexto do desequilíbrio das contas públicas, o STF obteve do Congresso agradecido um aumento dos já impressionantes salários. É o absurdo do judiciário desmoralizando a justiça. Os custos para o país serão imensos, e muito mais do que financeiros.

***
Voltamos aqui ao problema básico, a nossa imensa dificuldade de nos governarmos com um mínimo de bom senso. As opções políticas seguem sendo definidas muito mais pelo fígado do que pela cabeça, pelo ódio do que pela solidariedade e compaixão. Em particular, a truculência de grupos ou classes sociais que por alguma razão se tornaram mais fortes, constitui uma permanência na história, com o exercício sistemático e recorrente de formas extremas de discriminação e de violência. Qualquer pretexto é suficiente, seja a cor da pele, o gênero, a opção sexual, a religião, a diferença de renda, e frequentemente até a idade. Por vezes o tamanho do cabelo, o porte de barba, ou um véu na cabeça bastam para alimentar a besta latente dentro de nós. E quando a bestialidade encontra a sua dimensão coletiva, sai de baixo.

Hoje os meios de comunicação permitem que o nosso consciente seja invadido pelas narrativas mais absurdas, mas sempre favoráveis aos grupos dominantes. A penetração na nossa intimidade é hoje individualizada através dos sistemas eletrônicos, e o controle do que vemos e entendemos permite a gestão por algoritmos de uma opinião pública que passa a ser uma construção em escala industrial. Os sistemas financeiros complexos permitem que sejamos expropriados do controle das atividades econômicas, gerando uma desigualdade aberrante em favor de rentistas improdutivos. Gigantes corporativos exercem um poder distribuído pelo planeta, por parte de grupos que ninguém elegeu, e que nenhum governo mundial limita. E estamos avançando rapidamente, em termos históricos de maneira extremamente acelerada, para o comprometimento da vida no planeta.

Visões estratégicas existem, e são razoavelmente óbvias: o resgate da dimensão pública do Estado, a taxação dos capitais improdutivos que nos governam, a reforma do nosso sistema tributário aberrante, a obrigação de transparência dos fluxos financeiros, uma renda básica de cidadania, a redução da jornada de trabalho à medida que avança a produtividade, o resgate do papel das cidades como unidades básicas de governança, a constituição de um mínimo de governança nos caos internacional que se constata. É viável? A questão não é ser ou não viável, mas sim, em primeiro lugar, entender a dimensão essencialmente política dos desafios, a centralidade da questão do poder. Em segundo lugar, entender que é uma questão de tempo, pois com a mudança climática, a destruição da biodiversidade, o aprofundamento do fosso entre ricos e pobres, a contaminação mundial da água e outros desafios que se avolumam, estamos apenas adiando as medidas, provavelmente até que uma catástrofe planetária gere a força política necessária.

A erosão do pouco de democracia que o Brasil tinha se dá como numa tragédia burlesca. Derrubamos as políticas que estavam dando certo, desfiguramos a Constituição que nos protegia dos absurdos, elegemos um charlatão cujo único compromisso é deixar a oligarquia livre para aprofundar os seus desmandos. Haverá um Brasil profundo, um bom senso latente na cabeça de milhões, permitindo retomar os avanços para uma sociedade decente? Paulo Freire declarou um dia que queria “uma sociedade menos malvada”. Os nossos desafios são imensos, e a nós que somos professores, ou comunicadores, ou organizadores sociais, ou simples cidadãos, cabe a tarefa de explicar o óbvio: uma sociedade que funcione tem de ser uma sociedade para todos. A burrice se enfrenta, de preferência, com inteligência.

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BRASIL TORNA-SE PREVISÍVEL CANCRO DA AMÉRICA DO SUL



1- No ano de 2003, há 15 anos, abordei no semanário ACTUAL, a vulnerabilidade do Brasil, por altura da candidatura de Lula às eleições no Brasil.

De tentativa em tentativa, para chegar à Presidência, Lula e o PT foram “moldando” seu discurso, seu argumento e sua prática, colocando-se a jeito do poder do império da hegemonia unipolar, desde logo acompanhado pelo sistema capitalista financeiro transnacional por via duma sensibilidade ao nível de George Soros.

A minha intervenção teve o título “O IMPONDERÁVEL DOMÍNIO SOBRE CONTRÁRIOS, OU AS MIGALHAS QUE SOBRAM DA MESA DOS RICOS” e o subtítulo “O CASO DO BRASIL, OU LULA NA CORDA BAMBA DO CIRCO GLOBAL”…

Recordo algumas passagens desse dossier:

“Em Junho de 2002, a candidatura de Lula da Silva à Presidência do Brasil era vista como a favorita dos Brasileiros, mas não dos mercados financeiros, que apostavam abertamente em José Serra.

No Império Romano, só os Romanos votam. No capitalismo global moderno, só os Americanos votam. Os Brasileiros não!

Essa síntese, por mais paradoxal e surpreendente que possa parecer, veio dum filósofo, que melhor que ninguém no Mundo Contemporâneo cultiva a maquiavélica simbiose que catalisa o domínio sobre os contrários ao serviço da própria aristocracia financeira Mundial: George Soros.

Se essa opinião foi dada em Junho de 2002, a 14 de Janeiro de 2003, segundo o Folha on Line, já George Soros dava outra opinião, numa acrobacia próxima dos 180º:

Mudei de opinião. Estou optimista em relação ao Brasil, disse Soros, antes de sua palestra no simpósio Progresso e paradoxo: As realidades da globalização no século 21, realizado em Nova York nesta terça-feira.

Em Junho de 2002, já o PT e Lula tinham sensibilidade acrescida em relação a George Soros e não podiam deixar de levar em linha de conta o maquiavelismo próprio dum híbrido, meio mega especulador e meio filósofo (achamos que devemos esquecer em definitivo o filantropo):

- Puderam verificar, como poucos, os seus dispositivos e acções na Argentina e a sua voracidade antes, durante e depois da crise (George Soros é considerado actualmente como o maior latifundiário e o maior criador de gado do País das Pampas).

- Puderam estudar os seus dispositivos e acções, além do Banco Central durante a governação de Fernando Henrique Cardoso, em Curitiba, a Suiça Brasileira, tendo em conta as experiências que se arrastaram por toda a década de 90, dos circuitos de relação Real – Dólar, desde o governo de Collor de Mello.

- Estavam previamente sensibilizados e precavidos em relação às intervenções de George Soros em relação à Libra Esterlina, (1992 / 1993), em relação à crise no Sudeste Asiático (1997) e em relação à crise na Rússia (1998).

O Companheiro Lula, podia conscientemente preparar-se para o grande circo global: esta era a sua quarta tentativa de chegar à cadeira da Presidência do Brasil e se ela soçobrasse, toda a estratégia do PT estaria em risco e, com ela, a esperança duma vida melhor para todo o Povo Brasileiro.

Por isso os analistas do PT verificaram desde logo quanto o Real era atacado pelos especuladores tendo George Soros na 1ª linha, sempre que Lula fazia os seus desassombrados pronunciamentos típicos da época eleitoral, assim como as penalizações e desvalorizações a que ficava sujeito o Real em relação ao Dólar, de acordo aliás com artigos que foram publicados em tempo oportuno pela Folha de São Paulo.

Por isso a inteligência do PT terá levado muito em consideração o papel de Armínio Fraga Neto, que sendo um dos magos incondicionais de George Soros, estava por dentro do Real desde a altura do seu parto, quando dirigiu as acções de liquidez que possibilitavam o seu projecto, até à instrumentalização do Banco Central durante o governo imediatamente anterior de Fernando Henrique Cardoso, onde ele, mais que exercício, teve oportunidade de deixar a casa bem arrumada para o que desse e viesse.

Armínio Fraga Neto continua a ser aparentemente na sombra, o gerente do grande circo Brasileiro, mesmo que não esteja presente para armar a sua barraca, beneficiando do espectro do mega especulador que paira como um imenso e quase invisível condor sobre o Real e, por tabela, sobre o Brasil.”


2- A vulnerabilidade financeira do Brasil derivava da sua não ruptura em relação ao dólar, algo que naquela época, há 15 anos, era impossível acontecer, pelo que foi dado ao PT um benefício da dúvida, a prazo e com um “submarino” de George Soros acompanhando o expediente: Armínio Fraga Neto!… (https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Eleicoes/Arminio-Fraga-e-o-terrorismo-eleitoral-De-novo-/60/41552).

Ao invés de abruptamente produzir um sangrento choque neoliberal como aconteceu no Chile com o golpe do 11 de Setembro de 1973 sobre o governo democraticamente eleito de Salvador Allende, o império da hegemonia unipolar e seus tentáculos de capitalismo financeiro transnacional preferiram ir instrumentalizando processos de inteligência que não se ficaram pelos vínculos económicos e financeiros e minaram em tempo oportuno os circuitos dos instrumentos de poder da própria Presidência do Brasil.

Contou para isso o marcante facto do Brasil ser um dos componentes dos emergentes BRICS, que se propunham e se propõem ao multilateralismo…

O Brasil podia preencher neles o papel dum cavalo-de-troia, explorando a ilusão do argumento “progressista” de Lula e do PT, aliás estampado na própria bandeira do Brasil: “ordem e progresso”.

Com essa ilusão o Brasil seria mantido na sua essência financeira sob estrito controlo dentro do espaço dos BRICS, a fim de em momento escolhido, integrar o pacote das contramedidas da aristocracia financeira mundial, em resposta aos emergentes do multilateralismo.

Chegou a hora quando os componentes euro-asiáticos dos BRICS começaram a fazer negócios internacionais fora dos circuitos controlados pelo petrodólar e fora do alcance das possibilidades da hiper poderosa Reserva Federal, de há muito tomada pelos interesses privados da aristocracia financeira mundial.

O cavalo-de-troia, refém do capitalismo financeiro transnacional dominado pela aristocracia financeira mundial, não tinha a mesma capacidade de resposta da República Popular da China, pelo que como elo mais fraco e vulnerável dos BRICS, foi aprontado para, queimando-se uma etapa, instalar-se o autoritarismo de conveniência, sem sangue derramado conforme ocorreu o jeito dos crimes de Pinochet num estádio cheio de “comunistas”, mas um ambiente controlado por processos ditatoriais de carácter neofascista e neonazi, em suporte do “evangélico” lançamento de Bolsonaro, sub-repticiamente inculcados no ambiente sócio-político e ideológico do imenso país, em especial nas metrópoles do litoral!

No Brasil não era nada impossível, num país em que a independência foi obtida pela própria elite monárquica, duma realeza que tendo feito fuga da Europa, encontrou seu “eldorado” existencialista na América do Sul!...

No Brasil não foi necessário convulsão alguma para o rompimento com  colonialismo português, ao contrário do que aconteceu com o colonialismo espanhol…

A aristocracia financeira mundial recorria agora às “inauguradas” capacidades judiciais, mas sobretudo ao fundamentalismo da “civilização judaico-cristã ocidental”, conforme às ideologias e redes “stay behind” de recurso como por exemplo as do “Le Cercle” (http://www.voltairenet.org/article8691.htmlhttp://operation-gladio.net/fr/node/546).


3- Também nesse aspecto fui constatando quanto os instrumentos do poder da presidência brasileira estavam afectados, muito antes das últimas eleições, antes até de Lula chegar ao oder!

Há 5 anos produzi duas intervenções sob o título “UMA EMERGÊNCIA FRÁGIL E VULNERÁVEL”, a 7 e 8 de Outubro de 2013 no Página Global Blogspot.

Recordo o que escrevi no I (http://paginaglobal.blogspot.com/2013/10/uma-emergencia-fragil-e-vulneravel-i.html), no seguimento dum extracto sobre o discurso da Presidente Dilma na ONU:

“O Brasil tem toda a legitimidade em defender-se e à sua dignidade, perante um monstro que de há muito perdeu o sentido do respeito para com a humanidade, para com as promessas de democracia e liberdade que apregoa e para com os seus próprios concidadãos, um monstro que tem ultrapassado os limites da coerência e da decência, se comporta com arrogância e faz constante uso da mentira, da manipulação e do ódio!

Denunciar os meios de que se serve a hegemonia para realizar a espionagem, é a posição que também eu tenho vindo a sustentar pelo que ao longo do mês de Setembro e agora em Outubro de 2013 fui produzindo alguns artigos sobre o tema, evidenciando o papel da ilha-pirata de Ascensão no Atlântico Sul.

É nessa ilha que se encontram instaladas as grandes orelhas que permitem coleccionar todos os dados referentes aos países do hemisfério sul do Atlântico, tendo o Brasil um dos alvos dilectos para os interesses norte americanos que movem a iniciativa UKUSA-ECHELON-NSA!

A posição da Presidente Dilma Roussef na ONU vale pela posição de todos os países banhados pelo Atlântico Sul e na profundidade dos dois continentes, América e África!

Essa responsabilidade merece contudo ser sujeita à radiografia própria da consciência crítica: até que ponto essas palavras são substantivas e têm suporte consolidado? Até que ponto a posição não é mais um bluff, um desabafo num vazio?

Constato que as palavras da Presidente do Brasil mereceram outra interpretação de quem no Brasil tem cultivado pontos de vista críticos e patrióticos em relação à sua actuação enquanto Presidente e também em relação ao contexto da espionagem norte americana.

Para esses críticos, em muitos aspectos o Brasil está a proceder de modo a que, conforme as políticas neoliberais em curso, as portas sejam escancaradas para com aqueles que levam a cabo a missão de espiar em função dos interesses da hegemonia norte americana, na presunção de alguma coisa corresponder aos interesses estratégicos do Brasil!

Levar a cabo esse efeito é relativamente fácil; em muitos casos basta promover pontes a fim de absorver conceitos, tecnologias e investimentos… para justificar o estado de letargia próprio dos incautos… mas isso evidencia como, com quem e em nome do quê se estão a fazer as emergências pelo menos de dois dos BRICS: o Brasil e a África do Sul!”…


4- No II (http://paginaglobal.blogspot.com/2013/10/uma-emergencia-fragil-e-vulneravel-ii.html) dessa pequena série, abordei os laços do Sistema de Vigilância da Amazónia, subordinado à Agência Brasileira de Inteligência, com os sistemas dominados pelos Estados Unidos, inventariando algumas das suas evidentes repercussões:

“Desde que o Acordo Militar do Brasil com os Estados Unidos foi conhecido que o PCB tem mantido um posicionamento político interno crítico à política exterior do governo de Dilma, em alguns casos detalhando na sua argumentação.

As duas tónicas principais são romper os acordos militares com os EUA e suspender o leilão do Campo de Libra, mas qualquer uma dessas pretensões parece estarem a esbarrar com um muro de indiferença por parte do executivo.

O Brasil, se tem soluções para fazer face à espionagem norte americana, não pretende romper e esse posicionamento só pode favorecer as políticas de hegemonia unipolar do império, que são reforçadas com a absorção de novas tecnologias!

O modo de funcionamento do SIVAM, Sistema de Vigilância da Amazónia e da própria ABIN, Agência Brasileira de Inteligência, é vulnerável e, é preciso recordar, é uma herança do governo de Fernando Henrique Cardoso!

Para tornar operacional por exemplo o SIVAM, foram adquiridos equipamentos e tecnologias à norte-americana Raitheon e à francesa Thomson… não haverá demasiadas janelas abertas no próprio hardware instalado?

Assim sendo, o Brasil é, com a África do Sul, um dos elos mais fracos da cadeia dos maiores emergentes:

Os emergentes asiáticos aplicam, quase na generalidade, tecnologia de inteligência e militar com hardware por si fabricados, o que não acontece com os emergentes do hemisfério ocidental, situados na América e em África, demasiado dependentes das tecnologias ocidentais, particularmente das várias componentes da OTAN!

Mesmo assim a Rússia adquiriu recentemente à França 4 navios polivalentes da classe Mistral a fim de suprir a sua frota, carente desse tipo de meios e dos respectivos conceitos.

A título de exemplo, em relação ao Brasil:

O primeiro Navio de Patrulha Oceânica construído para as acções na Amazónia Azul, duma série de três, construído nos estaleiros da potência tutelar da ilha-pirata de Ascensão!... quanto mais me espionas, mais eu gosto de ti!...

…A entrega se realizou no prazo de apenas seis meses, após a assinatura do contrato de £133 milhões, prevendo o fornecimento de três Navios de Patrulha Oceânica e a prestação dos serviços auxiliares de suporte. De acordo com o contrato, caberá à BAE Systems fornecer também treinamento a mais de 80 membros da tripulação do Amazonas, baseados atualmente em Portsmouth. O treinamento abordará áreas como operação do navio, sistemas eletrônicos e propulsão. O navio rumará para Plymouth, em julho, onde a tripulação completará seu programa de treinamento, antes de seguir para o Brasil, em agosto.

O primeiro de sua classe, o Amazonas, foi construído nas instalações da BAE Systems, em Portsmouth. Os outros dois navios de sua classe, o Apa e o Araguari, foram construídos nos estaleiros de Scotstoun, às margens do rio Clyde, sendo que a entrega de ambos está prevista para dezembro de 2012 e abril de 2013, respectivamente…

O rugido de Dilma foi apenas para a ONU ouvir: de mau humor desses está mesmo o inferno cheio e, entre rugidos, até nas fotografias continua a ser explícito o sorriso de Obama!”…


5- O “salto para a frente” encetado por Lula e por Dilma, de nada valeu porque na essência os poderes do estado ficaram sempre sob insuspeito e subtil controlo da aristocracia financeira mundial, pelo que o PT ao avançar na trilha do progresso, apenas conseguiu gerar ilusões atrás de ilusões em “pés de barro”, tornando-se em época eleitoral e depois do golpe de Temer, vulnerável à capacidade “evangélica” em suporte das alienações que estão na base da ficcionada eleição de Bolsonaro e agora catapultam o “modelo” neofascista de gestão do Brasil, em estrita vassalagem aos antigos propósitos da Doutrina Monroe!

A Amazónia Azul acabou por ser uma das maiores ilusões, iludindo as espectativas que eu próprio tinha em 2009 (“BRASIL – A AMAZÓNIA AZUL, UMA DAS ÚLTIMAS FRONTEIRAS” – Página Um Blogspot, artigo retirado da Internet):

“Foi preciso chegar-se ao século XXI para esse imenso país de desafios que é o Brasil conseguir capacidades e recursos para tratar de suas últimas fronteiras: o espaço e o Atlântico numa profundidade de 350 milhas da sua linha de costa.

Quem iniciou a saga da estabilidade das enormes fronteiras do Brasil foi o Barão do Rio Branco, que em 1903 encerrou a última questão territorial com o Tratado de Petrópolis.

Desde aí o Brasil pode-se orgulhar por ser um dos poucos países do mundo com vasta fronteira com outros países, onde não existe litígio internacional de áreas.

O Brasil ficou desde então pronto para enfrentar os grandes desafios que essencialmente existem dentro do seu imenso espaço nacional, tão grande como um continente e agora para lá dele.

Desde então parece que em cada cinquenta anos surgem os desafios estratégicos que mobilizam a sociedade brasileira, na sua própria descoberta.

O primeiro grande desafio contemporâneo ocorreu eram volvidos um pouco mais de cinquenta anos, na segunda metade do século XX, com o governo de Juscelino Kubitschek de Oliveira: ao implantar a capital em Brasília, em cumprimento das Constituições de 1891, de 1934 e de 1946, possibilitou ao Brasil reconhecer a Amazónia e lançar as bases do exercício moderno de soberania nesse espaço decisivo para a América e para a Humanidade.

O governo de Lula da Silva no início do século XXI, para fechar com chave de ouro um mandato que persegue a longa luta pela humanização da democracia brasileira, cinquenta anos depois do início da odisseia da Amazónia Verde, responde ao repto da Amazónia Azul e do espaço, as duas últimas fronteiras.”…

No princípio de 2018 tinha alertado meus camaradas da Venezuela, para a perigosa deriva do Brasil, com base nas intervenções menos optimistas do passado.

Além do mais, sob o ponto de vista físico-geográfico, o Arco Mineiro do Orinoco apresentava-se e ainda se apresenta mais vulnerável a qualquer acção ofensiva proveniente do Brasil (tendo em conta as linhas de penetração que se podem distender a partir de Roraima na direcção de Ciudad Bolivar), do que da Colômbia.

É na Roraima onde há diamantes como no Arco do Orinoco…

Em Junho deste ano, em “MULTIPOLARISMO À FORÇA” (http://paginaglobal.blogspot.com/2018/06/mulpolarismo-forca.html), escrevi em jeito de alerta:

…“Por isso os Estados Unidos estão a fazer o que melhor sabem desde a projecção do choque neoliberal a 11 de Setembro de 1973 no Chile: disseminar a subversão por via do caos, do terrorismo e da desagregação, recorrendo a correntes filosóficas e ideológicas mercenárias e contrarrevolucionárias servis ao modelo neoliberal, sobretudo contra o campo das resistências progressistas na América, de certo modo tirando o pé ali onde já está em desequilíbrio.

Esta reversão, no âmbito duma neo Doutrina Monroe, começou com o golpe de estado nas Honduras, a 29 de Junho de 2009 e, tornando-se crónica, está a procurar destruir, inviabilizar, ou vulnerabilizar as instituições internacionais progressistas da América Latina e cada um dos seus principais mentores: Cuba, Venezuela Bolivariana, Nicarágua Sandinista, Equador, Bolívia…

O domínio hegemónico na América Latina arrasta por um lado um cortejo de oligarquias vassalas, obstruindo as instituições democráticas e mantendo-as reféns, por outro promovem caos, terrorismo e desagregação, conforme os exemplos últimos na Venezuela e na Nicarágua!

A ameaça duma coligação de forças se atiçar contra os estados progressistas está a aumentar de intensidade desde a criação do grupo de Lima e entre os sucessos conta com a possível aderência duma Colômbia devassada pelos clãs da droga à NATO (reforçando o Comando Sul do Pentágono), ou um Brasil filtrado até à medula do poder de estado, Agência Brasileira de Inteligência incluída!

Os esforços da Venezuela e da Nicarágua para garantirem a paz, não se podem resumir assim ao enfrentamento que resolutamente travam face às oligarquias vassalas dos Estados Unidos, mas também face às tentativas múltiplas de golpes de estado brandos e ao risco dum embate militar, passando pela contínua desestabilização económica e financeira de que se tornaram dilectas vítimas por vontade do império da hegemonia unipolar.

As resistências dos progressistas latino-americanos é a única via de luta e o seu reforço deve ser uma prioridade para todos os emergentes que se articulam no multipolarismo, pois os Estados Unidos não podendo impor no mesmo pé a hegemonia unipolar como na década de 90 do século XX, está já forçado, ainda que não o reconheça, à oportunidade de integrar as múltiplas plataformas multipolares que se vão arquitectando em nome da paz por todos os continentes!

A fronteira entre a civilização e a barbárie, está bem nítida nos relacionamentos internacionais!”

A fermentação neofascista no Brasil vai ser uma ameaça em crescendo contra a Venezuela Socialista e Bolivariana determinante na América do Sul ao persistir em processos de integração identificados com a Pátria Grande de Simon Bolivar e só as alterações democráticas surgidas no México constituem o dado novo que na imensa região da América pode colocar algum travão ao propósito duma agressão armada avassaladora dos estados reféns do império da Doutrina Monroe, isso e a aliança da Venezuela com uma Rússia que recuperou desde a década de 90 do século passado, duma situação corrosiva, agravada então com a dissolução do Pacto de Varsóvia, do Bloco Socialista Europeu e a implosão da URSS.

Os BRICS entram em fase de progressiva ainda que recuperável ruptura, uma turbulência que pode ocorrer ainda durante as duas décadas por diante.

A propaganda brasileira dirigida em termos “cristão democratas” (ao bom estilo do “Le Cercle”), contra a Venezuela Socialista Bolivariana está a expandir-se e um catalisador dessa expansão é o Defesa Net (http://www.defesanet.com.br/) ligado à ala militar mais radical do Brasil.

No Brasil supostamente aliado da Rússia, a Defesa Net optou por ilustrar a escala da aviação estratégica russa no Aeroporto Internacional Simon Bolivar em Maiquetia, Estado de Vargas, a norte de Caracas, uma notícia com o título“Venezuela urgente”… (http://www.defesanet.com.br/ven/noticia/31439/Venezuela-Urgente---Pousam-2-Tupolev-TU-160-Blackjack-na-Venezuela/), produzindo depois uma “análise” cuja motivação é propaganda alinhada ao Pentágono (http://www.defesanet.com.br/ven/noticia/31440/Exclusivo-Analise---Tupolev-TU-160-na-Venezuela/).

Os próximos 5 anos serão muito críticos na América Latina e a tentativa estado-unidense de assalto à Venezuela ainda não atingiu o seu clímax… faltava um Brasil com a configuração do neofascismo de Bolsonaro, que agora está a ser lançado conforme uma estratégia que George Soros teve em 2002 o “cuidado” de fazer partir:

“No Império Romano, só os Romanos votam. No capitalismo global moderno só os Americanos votam. Os Brasileiros não!”

Martinho Júnior - Luanda, 11 de Dezembro de 2018.


Imagens:
ACTUAL nº 374 de 6 de Dezembro de 2003 – dossier – O caso do Brasil, ou Lula na “corda bamba” do circo global;
Discurso de Dilma na ONU, há 5 anos;
Encontro de Dilma com Obama, há 5 anos;
A Doutrina Monroe continua em vigor;
A heroica revolução cívico-militar da Venezuela Socialista Bolivariana vai enfrentar um clímax de desestabilização, subversão e agressão durante os próximos 5 anos.

Consulta adicional:

BOM NATAL? FELIZ NATAL? PARA QUEM?


A todos um bom natal... A todos? A quem? A todos? A todos? Deixem-se de hipocrisias políticas, cristãs ou de qualquer outra religião porque não há bons dias para todos nem bom natal para todos. A responsabilidade não é só dos sistemas políticos nem religiosos mas também da carneirada que vai na "leva" das doutrinas de ignorar os outros de tão ocupados que levamos o tempo a olhar para os nossos umbigos, a alinhar em democracias viciadas, fraudulentas, em empregos de duração periclitante, instáveis, com remunerações que calculadamente servem para manter amedrontados os que trabalham no limiar da pobreza ou um pouco mais, enquanto os que usufruem dos lucros como esclavagistas da era moderna são cada vez mais ricos à custa da pobreza, da miséria, da fome, da maioria da população mundial.

BOM NATAL? FELIZ NATAL? PARA QUEM?

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