quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Portugal | E não lhes vai acontecer nada?


Pedro Ivo Carvalho* | Jornal de Notícias | opinião

Podemos optar pela resposta cautelosa: muito dificilmente.

Ou podemos meter uma mão no fogo por um desfecho mais condizente com a letargia lusitana quando chega a hora de todos pagarmos os banquetes de uns quantos: não, não vai acontecer nada aos gestores, supervisores e decisores políticos que, ao longo de pelo menos 15 anos, permitiram que a Caixa Geral de Depósitos (CGD) se transformasse na Caixa Geral de Empréstimos para Amigos. Vícios privados, públicas virtudes. Os números pornográficos desta orgia do regime bipartidário certamente justificam o esforço patriótico do banco público de escondê-los do Parlamento e dos portugueses. Era para nos poupar à vergonha. Obrigado, mas dispensávamos tanto zelo com o segredo, meus senhores. Em quase meia centena de créditos de risco, conclui uma auditoria agora tornada pública por uma comentadora televisiva, o banco de Estado emprestou 2,96 mil milhões de euros e perdeu o rasto a 1,2 mil milhões. Quase metade, portanto. Assinalável é que, de entre esses créditos ruinosos que mancham sobretudo os mandatos de Santos Ferreira e Faria de Oliveira, houve sete grandes clientes que não devolveram um cêntimo do montante que lhes foi dispensado. Perdas totais de largos milhões. Que garantias terão dado aos gestores da Caixa? Um envelope cheio de ar?

Olhar para esta bem urdida teia de poder é tão mais aviltante quanto se percebe que, aos 15 anos de festim na Caixa, o Banco de Portugal respondeu como no naufrágio do BES: fez-se de morto. Provavelmente, porque devia estar a supervisionar a velocidade a que caem as folhas das árvores no outono. Ou porque confia em demasia nos banqueiros.

Caberá agora ao Ministério Público ir ao fundo desta gaveta sinistra em busca de indícios criminais. Mas o Governo tem a obrigação política e moral de, em sede própria, exigir responsabilidades a quem tão negligentemente brincou com o dinheiro dos contribuintes. O que não foi devolvido e o que tivemos de desembolsar depois para acorrer a novas distrações do supervisor. Desde logo no Novo Banco, onde as imparidades (dinheiro que se esfumou), ascendem a 5,7 mil milhões de euros. Um caixão ao pé da Caixa.

*Diretor-adjunto do JN

Sem comentários:

Mais lidas da semana