Tiago Mota Saraiva* |
Jornal i | opinião
De Pedro Marques a Montenegro, os
netos do cavaquismo e filhos do socratismo perfilam-se para conquistar as
lideranças de PS e PSD. Aspiram a mandar no Estado e a poder decidir sem
qualquer racional técnico, ideológico ou científico
Nos anos 90, o programa do 5º, e
último, ano da Faculdade de Arquitectura de Lisboa era um aeroporto.
Professores preparavam-se para o concurso da grande infraestrutura que havia de
vir e colocavam os estudantes a ensaiar modelos e a estudar alternativas. Não
havia teses, nem Bolonha mas uma indómita vontade de participar no futuro.
Havia concursos públicos como forma privilegiada para atribuir a encomenda
pública e se o então ministro Ferreira do Amaral nos viesse apresentar umas
patéticas simulações tridimensionais de um edifício aeroportuário numa
localização sem estudo de impacto ambiental, o país rebentaria entre risadas e
contestação.
Independentemente da voracidade
com que o cavaquismo ia, em surdina, depauperando o Estado, numa escala que só
passados 20 anos podemos mensurar (entre BPNs e PPPs), ainda parecia impossível
que um projecto público como este ou a sua localização não fossem sujeitos a
discussão pública ou a um concurso público aberto.
O socratismo, filho de um
cavaquismo de self-made men que faziam gala em odiar o conhecimento e a
política (enquanto nobre arte ou ciência de escolher em função do que se
entende como bem comum), institucionalizou a ideia do “fazer obra”
independentemente do processo, da técnica, do modo e dos vícios.
Sem mundo, sem política e sem ideologia,
mas com toda a sua vida profissional feita nos corredores dos partidos e
governos do centrão, foi-se constituindo uma nova linhagem de decisores
portadores deste legado. Gente sem qualidades, capaz de ser das primeiras a
morder a mão do pai Sócrates no momento da queda (colocando hoje, pessoas como
eu - feroz opositoras dos seus governos - como as mais preocupadas em que tenha
um julgamento justo). Gente que se conseguiu aguentar nos corredores do poder
apesar da maioria parlamentar improvável que se constituiu nesta legislatura.
Gente da minha geração que faltou a todos os combates políticos onde não se
pagavam senhas de presença, desde a “geração rasca” à “geração à rasca”. Gente
que desconhece e despreza tudo o que está além do Terreiro do Paço.
De Pedro Marques a Montenegro, os
netos do cavaquismo e filhos do socratismo perfilam-se para conquistar as
lideranças de PS e PSD. Aspiram a mandar no Estado e a poder decidir sem
qualquer racional técnico, ideológico ou científico. Sem capacidade ou cultura
para entender os perigos que se agigantam nesta Europa, actuam de uma forma
cega e ao sabor da espuma mediática. Sentem-se predestinados para liderar os
partidos do centrão e o país, sem perceber as exigentes batalhas internacionais
e ideológicas que temos pela frente. Sonham ser Macrons em todo o seu esplendor
de banalidade e autoritarismo.
Da que se convencionou chamar de
“geração mais bem preparada de sempre”, arriscamo-nos a aproveitar
“poucachinho”. Um dos principais desafios do nosso futuro próximo é perceber se
se consegue arrancar as raízes deste eucaliptal do cavaquismo-socratismo e dar
origem a uma realidade política nova.
*Escreve à segunda-feira
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