quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

A CIA utiliza a Turquia para fazer pressão sobre a China


Thierry Meyssan*

Ao mesmo tempo que a Turquia se havia aproximado economicamente da China, a fim de resolver a sua crise económica, publicamente, ela denunciava a repressão dos Uigures apoiando-se, para isso, em falsas informações. Beijing replicou muito secamente. Tudo se passa como se, uma vez o Daesh desaparecido no Iraque e na Síria, Ancara retomasse as acções secretas por conta da CIA, desta vez no Xinjiang.

Desde há várias semanas, a imprensa turca evoca a sorte dos Uigures, essa população turcófona e muçulmana da China. Os partidos políticos de oposição, incluindo os kemalistas, denunciaram, qual deles mais alto, a repressão Han sobre essa minoria e a sua religião.

Esta efervescência segue-se
- Ao relatório da Jamestown Foundation sobre os «73 centros de detenção secretos chineses» [1]; 

- À campanha da Radio Free Asia, que difundiu inúmeras entrevistas de antigos prisioneiros de campos chineses e foi até ao ponto de debitar que a China proibia o Corão (sic) [2]; 

- À campanha lançada, a 13 de Novembro de 2018, pelos Estados Unidos e seus aliados, no Conselho dos Direitos do Homem de Genebra, contra a repressão do Islão na China [3]; 

- E à audição, organizada em Washington, a 28 de Novembro de 2018, pelo Senador Marco Rubio (R-FL) e o membro dos Representantes, Chris Smith (R-NJ), perante a Comissão conjunta do Congresso e do Executivo sobre a China (Congressional-Executive Commission on China — CECC), sobre «A repressão das religiões pelo Partido Comunista chinês» [4]. Aí ficava-se a saber que entre um a três milhões de Uigures estariam submetidos a torturas por choques eléctricos nos campos de reeducação. 

Estas imputações foram retomadas pela Amnistia Internacional e a Human Rights Watch.

Estas imputações foram retomadas pela Amnistia Internacional e a Human Rights Watch.

É neste contexto que o porta-voz do Mistério turco dos Negócios Estrangeiros (Relações Externas-br), Hami Aksoy, publicou, a 9 de Fevereiro de 2019, um comunicado denunciando oficialmente a «sinização (…) das identidades étnicas, religiosas e culturais dos Turcos Uigures» e a morte na prisão do célebre poeta Abdurehim Heyit, que aí amargava «oito anos» de reclusão «por causa de uma das suas canções» [5].


Esta tomada de posição estalou como um raio entre Ancara e Pequim: desde que o Presidente Donald Trump retirou o apoio dos EUA à economia turca, o país voltou-se, em Agosto de 2018, para a China e já não pode não viver sem ela.

Na noite seguinte, a China divulgou um vídeo de 26 segundos da suposta morte. Aí, ele declarava: « O meu nome é Abdurehim Heyit. Hoje é 10 de Fevereiro de 2019. Estou sob investigação por suspeita de violação das leis nacionais. No momento estou de boa saúde e nunca fui violentado.

Dois dias depois, a 11 de Fevereiro, a porta-voz do Ministério chinês dos Negócios Estrangeiros, Hua Chunying, pronunciava uma dura crítica aos «erros» e à «irresponsabilidade» da Turquia [6].

Se a prisão de pelo menos 10. 000 Uigures implicados em actividades terroristas está comprovada, o número de 1 a 3 milhões de prisioneiros não o está de forma alguma.

Já a 1 de Junho de 2017 e a 13 de Dezembro de 2018, o Governo chinês tinha publicado dois documentos, um sobre Os Direitos do homem no Xinjiang [7] e o outro sobre A Protecção da Cultura e o Desenvolvimento no Xinjiang [8].

No entanto, o Partido Comunista não sabe muito bem como lidar com o Islão político. Ele aborda esta questão com um passado particular, o da Revolução Cultural e o da proibição não apenas do Islão mas de todas as religiões. Depois de ter estabelecido a liberdade na matéria, ele vê ressurgir as divisões da Guerra Civil, e os atentados jiadistas a multiplicarem-se [9]. A 1 de Fevereiro de 2018, lançou uma nova política religiosa visando assimilar o islão, suprimindo nele certas práticas identitárias [10]. Assim, os membros do Partido devem dar o exemplo recusando assim comer halal. O facto é que 24.400 mesquitas estão abertas no Xinjiang para 13 milhões de muçulmanos.

Desde há vinte e cinco anos, organizações uigures reivindicam criar um Estado independente, primeiro laico e agora já «islâmico» (no sentido político e não no religioso dos Irmãos Muçulmanos), o Turquestão Oriental (segundo a denominação medieval do Xinjiang). De imediato, eles beneficiaram do apoio da CIA contra as autoridades de Pequim.

- Em 1997, o Movimento Islâmico do Turquestão Oriental (MITO) foi formado e vai treinar no Afeganistão junto aos Talibã e com certos elementos da Alcaida. Ele inspira-se no islão político e é financiado directamente pela CIA. 

- Em Setembro de 2004, um «governo do Turquestão oriental no exílio» é fundado em Washington por Anwar Yusuf Turani. Ele reconstitui a aliança do Kuomintang com o Dalai Lama e Taiwan, no prolongamento da Guerra Civil Chinesa (1927-1950). 

- Em Novembro do mesmo ano, um Congresso Mundial dos Uigures é criado em Munique, do qual Rebiya Kadeer se tornará presidente. Ele defende um separatismo étnico. 

Estas duas últimas entidades são financiadas pelo National Endowment for Democracy, uma agência dos «Cinco Olhos» [11].

Graves tumultos rebentaram em Xinjiang, primeiro em Fevereiro de 1997, depois em Julho de 2009. Os manifestantes reclamavam-se, ao mesmo tempo, do separatismo uigur, do anti-comunismo do Kuomintang e do islão político.

Pequim restaurou a calma concedendo diversos privilégios aos Uigures, dispensando-os, por exemplo, da política do filho único (actualmente abandonada) [12].

A campanha norte-americana contra a repressão dos Uigures parece ser contraditada pelo investimento de Erik Prince, fundador da Blackwater, junto das autoridades do Xinjiang [13]. Ora Prince não é apenas o principal homem de negócios especialista na criação de exércitos privados, ele é também o irmão de Betsy DeVos, Secretária da Educação de Donald Trump. Os seus agentes de segurança seriam mercenários agindo por conta da Bingtuan, uma milícia Han de Xinjiang.

Acontece que, durante os anos 90, enquanto o actual Presidente turco Recep Tayyip Erdoğan era o chefe da Milli Görüs e Presidente da Câmara (Prefeito-br) de Istambul, ele fornecia uma base de retaguarda a diversos movimentos terroristas islamistas, fossem eles tártaros, chechenos ou uigures [14].

Coloca-se, portanto, a questão: a declaração turca contra a repressão Han dos Uigures é uma simples tomada de posição interna, para não se deixar ultrapassar pelos partidos da Oposição, ou é uma nova política de Estado, de acordo com as anteriores responsabilidades do Presidente Erdoğan dentro do dispositivo terrorista da CIA?

O Movimento Islâmico do Turquestão Oriental (MITO) esteve muito activo durante a guerra contra a Síria, com o apoio dos Serviços Secretos turcos (MIT). Desde há muitos meses, 18. 000 Uigures (entre os quais pelo menos 5. 000 combatentes jiadistas) vivem isolados em al-Zambari, uma cidade síria na fronteira turca, na província de Idlib. Lá, eles mantêm-se com a ajuda de Forças especiais alemãs e francesas [15].

Na altura em que o Presidente Donald Trump empreende um braço de ferro comercial com Pequim, tudo se passa com se uma reconciliação tivesse ocorrido entre a CIA e a Turquia prevendo a retoma de acções secretas contra a China.

Thierry Meyssan* | Voltaire.net.org | Tradução Alva

Na foto: Jiadistas chineses uigures na Síria

* Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: Sous nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación(Monte Ávila Editores, 2008).

Notas:
[1] “List of government bids related to re-education facilities”, Jamestown Foundation, May 15, 2017.
[2] « Selon Washington, Pékin vient d’interdire le Coran (sic) », Réseau Voltaire, 5 octobre 2017.
[3] “Campanha ocidental pelos Direitos de islamistas chineses”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 20 de Novembro de 2018.
[4] Esta comissão, criada em 2001, é composta por 15 membros: 5 do Senado, 5 da Câmara dos Representantes e 5 do Governo Federal. A Administração Trump não designou quiasquer personalidades para aí tomar assento.
[5] « La Turquie condamne la Chine », Réseau Voltaire, 9 février 2019.
[6] “China responds to Turkey”, Voltaire Network, 11 February 2019.
[7] “Human Rights in Xinjiang - Development and Progress”, Voltaire Network, 1 June 2017.
[8] “Cultural Protection and Development in Xinjiang”, Voltaire Network, 13 December 2018.
[9] “Jihadistas regressados da Síria : na China já mais de 150 mortos”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 18 de Novembro de 2014.
[10] “China revises regulation on religious affairs”, Voltaire Network, 7 September 2017.
[11] Os «Cinco Olhos» são uma aliança militar, fundada durante a Segunda Guerra mundial, reunindo a Austrália, o Canadá, os Estados Unidos, a Nova Zelândia e o Reino Unido. Ela gere tanto o sistema de escutas Echelon como a «promoção da democracia».
[12] « Que se passe-t-il dans le Xinjiang ? », par Domenico Losurdo, Traduction Marie-Ange Patrizio, Réseau Voltaire, 12 juillet 2009.
[13] “Erik Prince investe na China”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 8 de Fevereiro de 2019.
[14] Aquando da sua aliança com a Rússia, o Presidente Erdoğan suspendeu o seu dispositivo de apoio aos islamistas tártaros e chechenos. Ver: « L’Ukraine et la Turquie créent une Brigade internationale islamique contre la Russie », par Thierry Meyssan, Télévision nationale syrienne , Réseau Voltaire, 12 août 2015.
[15] “Os 18.000 Uigures da Alcaida na Síria”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 20 de Agosto de 2018.

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