Desde 2001, EUA têm presença
militar em 80 países – onde espionam e combatem. Força bruta é debilidade:
Washington matou um milhão, gastou US$ 5,9 trilhões e sofre derrotas
vexatórias, como na Síria e Afeganistão
Stephanie Savell | Outras
Palavras
Quando eu comecei a mapear todos
os lugares no mundo onde os EUA ainda estão lutando contra o terrorismo, tantos
anos depois, não achei que seria tão difícil assim fazê-lo. Isso foi antes do
incidente em 2017 no Níger, no qual quatro soldados dos EUA foram mortos em uma
missão de contra- terrorismo e os norte-americanos puderam suspeitar do quão
longe esta “guerra” pode realmente chegar. Imaginei um mapa que iria destacar o
Afeganistão, Iraque, Paquistão e Síria – os lugares que muitos norte-americanos
automaticamente pensam estar associados com a guerra ao terror – bem como
talvez uma dúzia de países menos notáveis, como Filipinas e Somália. Eu não
tinha ideia de que estava embarcando em uma odisseia de pesquisa que iria, em
sua segunda atualização anual, mapear as missões de contra-terrorismo dos EUA
em 80 países em 2017 e 2018, ou 40% das nações neste planeta (um mapa
primeiramente publicado na revista Smithsonian).
Como co-diretora do Projeto
Custos da Guerra, no Instituto Watson para Questões Internacionais e Públicas
na Brown University, estou bem ciente dos custos que acompanham tal
alastramento da presença no exterior. Nossas pesquisas mostram que, desde 2001, a guerra ao terror
dos EUA resultou na perda — estimada conservadoramente — de mais de um milhão
de vidas somente no Iraque, Afeganistão e Paquistão. Ao fim de 2019, nós também
estimamos que a guerra global de Washington irá custar aos contribuintes dos
EUA nada menos que U$5,9 trilhões já gastos e ao compromisso com cuidados de
veteranos da guerra ao longo de suas vidas.
Em geral, o público norte
americano ignorou largamente estas guerras pós- 11 de setembro e seus custos.
Mas a vastidão das atividades de contra- terrorismo de Washington sugere que,
agora mais do que nunca, é tempo de prestar atenção. Recentemente, o governo
Trump tem falado de se retirar da Síria e em negociações de paz com o Talibã no
Afeganistão. Entretanto, sem o conhecimento de muitos norte americanos, a
guerra ao terror chega a muito além destas terras e sob Trump está, na verdade,
estendendo-se para mais lugares. O fato de as missões de contra-terrorismo
serem tão extensas e seus custos tão incrivelmente altos deveria induzir os
norte-americanos a demandar respostas para algumas questões óbvias e urgentes.
Esta guerra global está realmente deixando os norte americanos mais seguros?
Está reduzindo a violência contra cidadãos nos EUA e outros lugares? Se, como
eu acredito, a resposta para ambas perguntas é não, então não existe um meio
mais efetivo de alcançar tais objetivos?
O principal obstáculo ao criar
nossa base de dados, descobriria minha equipe de pesquisa, foi que o governo
dos EUA é frequentemente muito reservado acerca de sua guerra ao terror. A
Constituição dá ao Congresso o direito e a responsabilidade de declarar guerra,
oferecendo aos cidadãos, pelo menos em teoria, alguns meios de entrada. E ainda
assim, em nome da segurança operacional, os militares classificam a maior parte
das informações sobre suas atividades contra terrorismo no exterior.
Isso é particularmente verdade em
missões nas quais há soldados americanos no terreno, engajando-se em ação
direta contra militantes — uma realidade, eu e minha equipe descobrimos, em 14
diferentes países nos últimos dois anos. A lista inclui Afeganistão e Síria, é
claro, mas também alguns lugares menos conhecidos ou inesperados como Líbia,
Tunísia, Somália, Mali e Kênia. Oficialmente, muitas destas missões estão
classificadas como “treino, consultoria e assistência”, nas quais as forças armadas
dos EUA trabalham ostensivamente para apoiar militares locais lutando contra
grupos que Washington classifica como organizações terroristas. Não
oficialmente, a linha entre “assistência” e combate é, na melhor hipótese,
turva.
Alguns jornalistas investigativos
excepcionais documentaram como esta guerra nas sombras está se desenvolvendo,
predominantemente na África. No Níger, em outubro de 2017, como jornalistas
posteriormente revelaram, o que era oficialmente uma missão de treinamento
provou ser uma operação de “capturar ou matar” direcionada a um suspeito de
terrorismo.
Tais missões ocorrem com
regularidade. No Quênia, por exemplo, membros do serviço dos EUA estão
ativamente caçando militantes do al-Shabaab, um grupo designado por Washington
como terrorista. Na Tunísia, houve pelo menos uma batalha total entre forças
unidas dos EUA e Tunísia e terroristas da Al-Qaeda. De fato, dois membros do
serviço dos EUA foram posteriormente premiados com medalhas de valor por suas
ações lá, uma pista que levou jornalistas a descobrir que houve uma batalha.
Ainda em outros países africanos,
forças de Operações Especiais dos EUA planejaram e controlaram missões,
operando em “cooperação” – mas na verdade encarregados — com as contrapartes
africanas. Ao criar nossa base de dados, nós erramos no lado da cautela, apenas
documentando combates em países onde tínhamos pelo menos duas fontes de
credibilidade de provas e checando com especialistas e jornalistas que poderiam
nos fornecer informações adicionais. Em outras palavras, tropas norte
americanas, indubitavelmente, se engajaram em combates em ainda mais lugares do
que pudemos documentar.
Outra descoberta surpreendente em
nossa pesquisa foi em quantos países – 65 no total – os EUA “treinam” e/ou “dão
assistência” a forças locais de segurança em contra-terrorismo.
Enquanto os militares fazem muito deste treinamento, o
Departamento de Estado também esta surpreendentemente envolvido, financiando e
treinando policiais, militares e agentes de patrulha de fronteiras em muitos países.
Ele também doa equipamentos, incluindo máquinas de detecção de raios X de
veículos e kits de inspeção de contrabando. Adicionalmente, ele desenvolve
programa que rotula como “Combatendo Extremismo Violento”, que representa uma
abordagem de soft-power, focado em educação publica e outras ferramentas
para “refúgios contra terrorismo e recrutamento”.
Tal treinamento e assistência
ocorrem entre o Oriente Médio e África, bem como em alguns lugares na Ásia e
América Latina. “Entidades de aplicação da lei” norte americanas treinaram
forças de segurança no Brasil para monitorar ameaças terroristas antes das
Olímpiadas de 2016, por exemplo (e continuaram a parceria em 2017).
Similarmente, agentes dos EUA de patrulha da fronteira trabalharam com suas
contrapartes na Argentina para investigar suspeitas de lavagem de dinheiro por
grupos terroristas em mercados ilícitos da região de tripla fronteira que fica
entre a Argentina, Brasil e Paraguai.
Para muitos norte-americanos,
tudo isso pode soar relativamente inofensivo – algo mais como generoso, de
ajuda vizinha com policiamento ou um sensível conjunto de políticas de
interesse próprio de lutar-contra-eles-lá-antes-que-cheguem-aqui. Mas não
deveríamos saber melhor que isso, depois de todos estes anos ouvindo tais alegações
de lugares como Iraque e Afeganistão onde os resultados foram qualquer coisa
exceto inofensivos ou efetivos?
Esse treinamento tem sido
frequentemente utilizado ou usado para os mais cruéis propósitos dos muitos
países envolvidos. Na Nigéria, por exemplo, os militares dos EUA continuam a
trabalhar estreitamente com as forças de segurança locais, que usaram de tortura
e cometeram assassinatos extrajudiciais, bem como se envolveram com exploração
sexual e abusos. Nas Filipinas, conduziram exercícios militares conjuntos em
cooperação com a força militar do presidente Rodrigo Duterte, ainda que a
polícia sob seu comando continue a infligir uma horrenda violência contra os
cidadãos daquele país.
O governo de Djibouti, que por
anos hospedou a maior base militar dos EUA na África, o Campo Lemmonier, também
usa suas leis antiterrorismo para processar dissidentes internos. O
Departamento de Estado não tentou esconder como seus próprios programas de
treinamento alimentaram um tipo maior de repressão naquele país (e outros). De
acordo com seu Relatório do País em Terrorismo, de 2017, um documento que
anualmente fornece ao Congresso uma visão geral do terrorismo e cooperação
anti- terrorismo com os EUA em um conjunto designado de países, em Djibouti, “o
governo continuou a utilizar a legislação contraterrorismo para suprimir
críticas ao deter e processar quadros da oposição e outros ativistas.”
Naquele país e muitas outras
nações aliadas, os programas de treinamento em terrorismo de Washington
alimentaram ou reforçaram abusos contra direitos humanos por forças locais,
enquanto governos autoritários adotam “anti terrorismo” como desculpa para
práticas repressivas de todos os tipos.
Uma vasta pegada militar
Enquanto estávamos tentando
documentar estas 65 localidades com treinamento-e-assistência das forças
militares dos EUA, o relatórios do Departamento de Estado provaram ser uma
importante fonte de informações, mesmo que fossem frequentemente ambíguos sobre
o que estava realmente acontecendo. Eles regularmente dependiam de termos
genéricos como “forças de segurança”, enquanto fracassavam em abordar
diretamente o papel exercido pelos militares dos EUA em cada um destes países.
Às vezes, enquanto eu os lia e tentava
entender o que estava acontecendo em terras distantes, tive uma sensação
incômoda sobre o que os militares americanos estavam fazendo. Em vez de entrar
em foco, eu estava eternamente retrocedendo. No fim das contas, nos sentimos
certos em identificar aqueles 14 países em que agentes militares dos EUA foram
vistos em combate na guerra ao terror em 2017 e 2018. Nós também achamos
relativamente fácil de documentar os 7 países em que, nos últimos dois anos, os
EUA lançaram drones ou outros ataques aéreos contra o que o governo rotula como
alvos terroristas (mas os quais regularmente também matam civis): Afeganistão,
Iraque, Líbia, Paquistão, Somália, Síria e Iêmen. Estes foram os elementos mais
intensos da guerra global dos EUA. Entretanto, isso ainda representava uma
porção relativamente pequena dos 80 países que acabamos incluindo em nosso
mapa.
Em parte, porque percebi que os
militares dos EUA tendem a publicizar – ou pelo menos não esconder – muitos dos
exercícios militares que dirigem ou em que tomam, parte no exterior. Afinal de
contas, o objetivo deles é demonstrar o poderio militar global do país, deter
inimigos (neste caso, terroristas) e reforçar alianças com aliados
estrategicamente escolhidos. Tais exercícios, os quais documentamos como sendo
explicitamente focados em contra-terrorismo em 26 países, junto com terras que
hospedam bases militares dos EUA ou postos militares menores mas avançados
também envolvidos com atividades anti terrorismo, fornecem uma noção da pegada
gigante das forças armadas na guerra contra o terror.
Apesar de existirem mais de 800
bases militares dos EUA ao redor do mundo, nós incluimos em nosso mapas apenas
aqueles 40 países nos quais tais bases estão diretamente envolvidas na guerra
contra o terror, incluindo Alemanha e outras nações europeias que são áreas de
preparação importantes para as operações americanas no Oriente Médio e na
África.
Para resumir: nosso mapa completo
indica que, em 2017 e 2018, sete países foram alvos de ataques aéreos dos EUA;
o dobro desse número eram locais onde o militares norte americano se envolviam
diretamente em combate no território; 26 países eram localizações para
exercícios militares conjuntos; 40 hospedavam bases envolvidas na guerra ao
terror; e em 65, militares locais e forças de segurança receberam “treinamento
e assistência” orientados a contraterrorismo.
Um Grande Plano Melhor
Quantas vezes nos últimos 17 anos
o Congresso ou o público norte-americano debateram a expansão da guerra ao
terror para um número tão grande de lugares? A resposta é: muito raramente.
Depois de tantos anos de silêncio
e inatividade nos EUA, a recente atenção da mídia e do Congresso às guerras
norte-americanas no Afeganistão, na Síria e no Iêmen representa uma nova
tendência. Os membros do Congresso finalmente começaram a pedir a discussão dos
componentes da guerra contra o terror. No início de fevereiro, por exemplo, a
Câmara dos Representantes votou pelo fim do apoio dos EUA à guerra liderada
pelos sauditas no Iêmen, e o Senado aprovou uma legislação exigindo que o
Congresso vote sobre o mesmo assunto nos próximos meses.
No dia 6 de fevereiro, o Comitê
de Serviços Armados da Câmara finalmente realizou uma audiência sobre a
“abordagem contraterrorista” do Pentágono – um assunto que o Congresso como um
todo não debateu desde que, vários dias após os ataques de 11 de setembro,
aprovou a Autorização para o Uso de Força Militar que os presidentes George W.
Bush, Barack Obama e agora Donald Trump usaram para travar a guerra global em curso. O Congresso
não debateu nem votou sobre a crescente expansão desse esforço em todos os anos
desde então. E, a julgar pelas reações confusas de vários membros do Congresso
à morte desses quatro soldados no Níger em 2017, a maioria deles (e
provavelmente ainda são muitos) ignoram em grande parte até que ponto a guerra
global, que raramente se preocuparam em discutir, agora chega.
Com as potenciais mudanças em
curso na política do governo Trump na Síria e no Afeganistão, finalmente não é
hora de avaliar da maneira mais ampla possível a necessidade e a eficácia de
estender a guerra ao terror para tantos lugares diferentes? Pesquisas mostraram
que usar a guerra para lidar com táticas terroristas é uma abordagem
infrutífera. Muito pelo contrário: ao invés de alcançar metas da Líbia à Síria,
do Níger ao Afeganistão, a presença militar dos EUA no exterior muitas vezes só
alimentou o ressentimento intenso contra Washington. Ajudou tanto a espalhar
movimentos terroristas quanto a fornecer mais recrutas para grupos extremistas
islâmicos, que se multiplicaram substancialmente desde o 11 de setembro.
Em nome da guerra ao terror em
países como a Somália, atividades diplomáticas, ajuda humanitária e apoio aos
direitos humanos diminuíram, em favor de uma posição norte americana ainda mais
militarizada. No entanto, pesquisas mostram que, a longo prazo, é muito mais
eficaz e sustentável lidar com as queixas subjacentes que alimentam a violência
terrorista do que respondê-las no campo de batalha.
All told, it should be clear that
another kind of grand plan is needed to deal with the threat of terrorism both
globally and to Americans — one that relies on a far smaller U.S. military
footprint and costs far less blood and treasure. It’s also high time to put
this threat in context and acknowledge that other developments, like climate
change, may pose a far greater danger to our country.
Deveria ficar claro que outro
tipo de grande plano é necessário para lidar com a ameaça do terrorismo tanto
globalmente quanto para os norte americanos – um que dependa de uma pegada
militar norte americana muito menor e que custe muito menos sangue e recursos.
Também é hora de colocar essa ameaça em contexto e reconhecer que outros
desenvolvimentos, como a mudança climática, podem representar um perigo muito
maior para o país.
Na foto: Prisioneiro de
Guantánamo é transportado por militares, após interrogatório. Operações planejadas
para selar domínio global de Washington resultaram em fiascos geopolíticos e na
corrosão da imagem dos EUA como “pátria da liberdade”
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