A acusação é forte. E não há
memória de um tribunal português ter tido necessidade de a julgar. Descendentes
de Aristides de Sousa Mendes acusam seguidores de Salazar de negacionismo do
Holocausto.
Até 2014, a vingança de Salazar
sobre Aristides de Sousa Mendes parecia que iria durar para sempre. Ela estava
bem à vista em duas vilas de Viseu. Em Santa Comba Dão ,
onde o ditador nasceu e está enterrado, a sua memória estava no essencial
preservada e os esforços nesse sentido prosseguiam. Mas em Cabanas de Viriato,
a escassos 23,5
quilómetros , a Casa do Passal, que foi da família Sousa
Mendes até 1950 - quando foi vendida para saldar dívidas -, não passava de uma
imponente ruína. Algo que remetia diretamente para os últimos 14 anos de vida
do cônsul.
A ruína. Foi esse o preço que o
diplomata pagou por, em junho de 1940, ter assinado no Consulado Português em
Bordéus (França) milhares de vistos a judeus europeus que fugiam ao nazismo e
que tentavam, através de Portugal (país neutro), chegar às Américas. Aristides
de Sousa Mendes (1885-1954) fê-lo violando conscientemente ordens em sentido
contrário vindas de Lisboa (Salazar era simultaneamente Presidente do Conselho
e ministro dos Negócios Estrangeiros).
Tais ordens estavam inscritas na
Circular 14, emitida em 11 de novembro de 1939, determinando esta, em síntese,
que não podiam ser passados vistos sem autorização prévia de Lisboa a várias
categorias de pessoas, entre as quais "os judeus expulsos dos países da
sua nacionalidade ou daqueles de onde proveem".
Pelo que fez em Bordéus, o cônsul
foi alvo de um processo disciplinar que, na prática, implicou o seu afastamento
vitalício da carreira consular. Morreu indigente em 1954, com 68 anos,
internado num hospital de Lisboa.
João Pedro Henriques | Diário de
Notícias
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