Martinho Júnior, Luanda
1- A contraofensiva da hegemonia
unipolar ao sabor do “the americans first” ciosa do papel do
petrodólar, manifesta-se a pleno vapor e à escala global, no momento em que os
Estados Unidos passam a 1º produtor mundial de petróleo e gaz de xisto.
Neste momento, com todos os
instrumentos em progressão (diplomáticos, de inteligência, no âmbito do seu
relativo domínio nas novas tecnologias e consolidando o “lobby” energético-armamentista
que tradicionalmente suporta os republicanos) os Estados Unidos pretendem ser o
mais evidente “reitor” das tão frágeis quão subservientes articulações
de relacionamento internacional em função das aptidões hegemónicas...
Capitalismo produtivo,
proteccionismo e um novo vigor vinculativo do sistema de choque brutal e
influência, constituem eixos de acção no âmbito da hegemonia unipolar, versão
Donald Trump e isso conduziu, mais que antes, à simplificação entre contrários,
numa confrontação entre dois grupos de contingência: Estados Unidos – China.
A versão de capitalismo
financeiro transnacional está em recuo, salvo em relação ao papel dos que
accionam o terrorismo e o caos em algumas regiões pontuais do globo, como o
caso dos redutos de resistência nas Américas (Cuba, Venezuela e Nicarágua).
Essa “simplificada” redundância
coroa em função das contramedidas dos Estados Unidos em curso, a visão da contradição
hegemonia unipolar versus multilateralismo!
No caudal das opções, ninguém
escapa à feroz batalhada IIIª Guerra Mundial, duma forma ou de outra, a começar
pelos imperativos sistemas de vassalagem dum lado e de persuasiva integração
articulada do outro…
Mesmo assim, o capim vai sendo
pisado pelos dois elefantes, provocando por vezes dramáticas alterações de
curso, como é por exemplo o caso angolano, na ultraperiferia e na “reserva
de matérias-primas e mão-de-obra barata” a que é remetida África!...
2- Os países que albergam bases
estado-unidenses, de acordo com o presidente Donad Trump, vão passar a pagar
os “bons serviços” da protecção hegemónica, algo que trará elevados
custos às componentes europeias da NATO, a alguns países latino-americanos e ao
Japão.
Quem se aninhar à protecção, terá
de pagá-la e os “caloteiros” serão penalizados, conforme os “avisos
à navegação” de acordo com a recém-inaugurada fórmula “Cost
Plus 50” ...
Trata-se de mobilizar recursos em
jeito de contraofensiva, em torno da pirâmide estrutural do projecto
hegemónico, de forma a prevenir a persuasão chinesa das “novas rotas da
seda” que se vão estendendo por dentro do supercontinente euroasiático
desde os portos chineses do Pacífico, até aos portos da costa atlântica da
União Europeia.
Nessa mobilização de recursos
pelo prisma do Presidente de turno nos Estados Unidos, é inevitável o salto da
indústria armamentista, ela própria conectada às indústrias energéticas, que
providenciará a aplicação acelerada de novas “aliciantes”, tendo em conta
os impactos das novas tecnologias, aumentando os gastos nas novas armas e
conceitos militares, refazendo arsenais quando o mundo tanto necessita de
construir civilizadamente a paz e o respeito inadiável para com o planeta.
As tensões na Europa do Leste, em
particular entre o Báltico e o Mar Negro com fulcro continental na Ucrânia,
estão na ordem do dia…
Os Estados Unidos procuram
inviabilizar no Báltico o projecto Nord Stream 2, colocando em cheque a
Alemanha, tentando persuadir ao mesmo tempo a venda de seu petróleo e do seu
gaz, a serem transportados por navios num serviço costa-a-costa por dentro do dilecto
espaço físico-geográfico da NATO, o Atlântico Norte.
Os Estados Unidos aumentam a
pressão do petrodólar sobre o euro, de forma a procurar reforçar as duas moedas
sincronizando-as em torno de projectos estritamente comuns…
Os Estados Unidos reforçam o
papel de charneira da Polónia, dos países bálticos (Estónia, Letónia e
Lituânia) e da Ucrânia, mobilizando os vassalos da NATO em função da manobra
que implica a concentração de unidades estratégicas junto às fronteiras com a
Federação Russa, tida como ariete ocidental das transcontinentais novas rotas
da seda…
Os Estados Unidos alimentam um
contencioso especial de manobras e veladas pressões para com a Turquia, atraída
para o campo multilateral a ponto de cometer o “sacrilégio” de
adquirir armamento russo de quarta geração, rompendo com os cânones da NATO…
Os Estados Unidos impulsionam
seus meios no Iémen, desde a coligação em torno da Arábia Saudita, até à Al
Qaeda, por que se é obrigado a transigir no Golfo Pérsico (agora face à
aproximação do Iraque ao Irão), pretende que o Mar Vermelho continue a ser
um “mare nostrum”…
Os Estados Unidos aumentam a sua
presença reorganizando suas forças e suas bases na Europa do Leste, Médio
Oriente Alargado (onde o Irão tende a ser um dos alvos principais para o
apêndice fulcral que constitui Israel reforçado pelas monarquias arábicas
sunitas wahabitas)…
… e mesmo assim os Estados Unidos
estão em vias de se retirar do Afeganistão, quando a Ásia Central baldeia a
favor das novas rotas da seda…
3- No extremo oriente e África a
manobra está também convulsiva:
A China reforça aceleradamente o
seu potencial militar e de intervenção nos mares e regiões circundantes…
A China joga procurando diluir o
contencioso radical entre o Paquistão e a Índia no Caxemira, quando apesar de
tudo os dois estados passaram a ser membros activos da Organização de
Cooperação de Shangai.
A China atrai à sua causa o Japão
e a Coreia do Sul, países industrializados com capacidades de expansão nas suas
conexões de relacionamento económico internacional, que não vão poder recusar,
por causa da dinâmica de suas opções, participação nas novas rotas da seda,
apesar das âncoras que os Estados Unidos lhes colocaram desde a IIª Guerra
Mundial e Guerra da Coreia…
A China, abrandando o potencial
de sua presença na ultraperiferia que é África, começa a investir na Síria, no
Irão e no Iraque, reforçando as conexões a sul das novas rotas da seda,
alargando a amplitude dos projectos já em curso na Ásia Central e Sibéria,
(neste caso no miolo geoestratégico da Federação Russa, entre o leste e o
oeste)…
A China cria a sua primeira base
militar geoestratégica, no Djibouti, à entrada do Mar Vermelho e acesso à
passagem do Suez, no Egipto, de forma a reforçar a vigilância sobre as conexões
marítimas das novas rotas da seda entre o Índico Norte e o Mediterrâneo
Oriental…
A China acaba de queimar os
últimos cartuchos dos homens-de-mão que controlavam os clãs coloniais “híbridos” de
Macau e de Hong Kong em África, (entre eles Sam Pa cuja visibilidade maior, por
via do China International Found, foi em Angola), de forma a começar a estender
os interesses de suas poderosas empresas estatais que numa primeira fase se
começaram a implicar na África Oriental (Etiópia, Djibouti, Quénia e Tanzâna),
em dircção ao miolo do continente (Grandes Lagos, Republica Democrática do
Congo e Zâmbia)…
4- Nas Américas a batalha
acende-se.
A administração de Donald Trump
está a mobilizar as oligarquias tradicionais latino-americanas da Doutrina
Monroe e procura isolar os focos que procuravam integração e articulação, como
Cuba, Venezuela e Nicarágua, em manobras de contingência geométrica e
intensidade variável, mas procurando bloquear, comprimir ou isolar, onde não
conseguem vencer…
De facto a potencialidade de
novas rotas da seda conectando o México ao Cabo Horn nunca existiram e as novas
rotas da seda idealizadas pelo comandante Hugo Chavez, conectando em projectos
articulados e integração a Venezuela ao Cabo Horn, foram guardadas nos baús,
face à sua ofensiva…
O projecto do novo canal na
Nicarágua enfrenta obstáculos de toda a ordem, alguns deles inesperados,
tornando-se em mais um projecto protelado nas Américas…
Mesmo na ultraperiferia que são
os pequenos estados insulares das Caraíbas, os termos da pressão dos Estados
Unidos tornaram-se arrogantes nos exercícios que são distendidos em Porto Rico e no Haiti,
tal como aliás em relação à América Central…
Os Estados Unidos tiram partido
do que estão brutalmente a realizar contra as iniciativas energéticas lançadas
pelo Comandante Hugo Chavez (PDVSA, CITGO, PETROCARIBE e sistema hidroeléctrico
venezuelano em rede), sabendo que as conexões integradoras bolivaianas são
inteligentes linhas resistentes aos projectos da hegemonia…
Nas Américas os BRICS sofreram
violação com a eleição do fantoche Bolsonaro no Brasil e o multilateralismo
está obrigado a uma porfiada e resoluta defensiva, desde a Bolívia a Cuba,
comprimidas que também estão as organizações que compõem o sistema social
progressista nas Américas, com uma única resposta em contrapartida: o México,
que renunciou ao neoliberalismo e sente os efeitos na fronteira comum com os
Estados Unidos, fronteira essa alvo das medidas de barragem em desespero de
causa, do âmbito do “the americans first”…
5- Mesmo na ultraperiferia
africana as coisas não se passam pacificamente em termos geoestratégicos e a
comprovar estão vários casos dramáticos: Sahel, Sudão e… Angola… com uma África
do Sul, a única componente africana dos BRICS, a constituir-se num caso aparte
ainda que secundário em relação à dinâmica de tensões nas rotas marítimas
internacionais…
Na África do Norte, a Líbia não
mais se recuperou e a Argélia entrou numa fase de incertezas de prognóstico
reservado, enquanto o Egipto garante aos Estado Unidos, desde que os militares
voltaram ao poder, uma fluência inteligente adequada, tendo em conta o carácter
do canal do Suez…
No Sahel após a destruição
da Jamahiriya Árabe Líbia em 2011, distenderam-se as linhas de
disseminação fundamentalistas-sunitas-wahabitas do Senegal à Somália…
O AFRICOM multiplica, face a
essas redes muito móveis, as suas pequenas articulações operativas em jeito de
resposta, mantendo a pressão“soft” duma guerra psicológica manipulada e
cada vez mais abrangente, com “parceiros africanos” impotentes e sem
melhor alternativa, ao mesmo tempo que contribui para a defesa das raras
infraestruturas geoestratégicas dos seus vassalos europeus, como acontece com o
urânio da AREVA no neocolonizado Níger (Agadez)…
Na África do Oeste (Sahel
adentro), a neocolonial “FrançAfrique” é peça fundamental nos
parâmetros da hegemonia unipolar em África, controlando sobretudo um sistema
económico e financeiro de padrão neocolonizado que interessa às conexões da
NATO com o AFRICOM, expostas aliás recentemente, ainda que de forma breve e acintosa,
por alguns membros do governo italiano…
Os interesses económicos e
financeiros da França são em África de tal maneira poderosos e de tendência
aglutinadora que o seu feudo se estende ao poder do Paribas sobre as redes de
bancos comerciais europeus, africanos e até estado-unidenses, em matéria de
transacções energéticas no continente e dele para fora…
O Sudão pagou o preço da
resistência: foi dividido e agora está absorvido pelo caudal de interesses das
monarquias arábicas e de Israel, fornecendo contingentes para a guerra no
Iémen, ainda que espreite a viabilidade de outras janelas, como aconteceu
recentemente na Síria…
A região produtora de petróleo
tornou-se “independente”, fraccionando o Sudão em desrespeito aos
postulados da Conferência de Berlim, enquanto a saída para o mar do petróleo
para exportação é feito pelo Norte, via Porto Sudão, no Mar Vermelho,
pressionando com esse fracionamento os interesses chineses…
Em Angola se acabaram os efeitos
perniciosos dos “lóbis” interconectados de Macau e Hong Kong, de
tipologia social-democrata, a China entrou em perda precisamente na altura do
alinhamento angolano até agora sem melhores alternativas, com o capitalismo
produtivo segundo Donald Trump, que está a aproveitar a ofensiva contra a
corrupção que foi sobretudo implantada no âmbito do capitalismo financeiro
transnacional que as administrações democratas neoliberais, particularmente a
de Barack Hussein Obama, injectaram previamente desde antes do Acordo de
Bicesse a 31 de Maio de 1991, desde Março de 1986, há 33 anos…
Não foi por mero acaso que a
saída do Presidente José Eduardo dos Santos e a entrada do Presidente João
Lourenço, foi um processo contemporâneo às tensas transformações internas nos
Estados Unidos (entrada do republicano Donald Trump, protecionista e reitor do
capitalismo produtivo e a saída do democrata Obama, reitor do capitalismo
financeiro transnacional, neoliberal e interessado directo na expansão de caos,
terrorismo e desagregação a fim de, com isso, abrir espaço aos interesses
transnacionais)…
A “reconversão” angolana
está a ser feita com visibilidade “dramática”, não sendo transparente na
sua profundidade e nela nos seus enredos humanos, ou seja na profundidade dos
nexos dos interesses económicos e financeiros, tendo em conta que, apesar de
estar inserida numa ultraperiferia, Angola continua a ser uma peça importante
em relação ao fornecimento das matérias-primas e alvo de ferozes disputas das
potências geoestratégicas com ementas tão diferenciadas (hegemonia unipolar
versus multilateralismo), o que passa já por tensões internas nas suas elites,
quase sempre em “circuitofechado”…
A intensidade do jogo que está a
ser feitos sobre o capim em que se tornou Angola enquanto órfão dum socialismo
que não houve, com todo o tipo de ingerências e manipulações que aproveitam as
portas escancaradas do país, esbate-se na forja do projecto de criação duma
elite angolana que tende a evoluir para a construção duma oligarquia, ainda que
tudo isso esteja ainda longe de atingir maturação…
Neste momento o processo angolano
tende a afastar-se do multilateralismo e enquadrar os processos da hegemonia
unipolar, o que é decorrente da deriva do processo histórico interno, de há 33
anos a esta parte…
O papel adjacente e “transversal” de
inteligência económica e financeira de Portugal, nutrindo processos de
assimilação que advêm desde o tempo do tráfico de escravos por via da
arregimentação de clãs e famílias “afins”, vão procurando alinhar no
comprometimento dessas elites que em parte são compostas de famílias “tradicionais” aptas
aos circuitos do poder desde então instalado em Luanda (desde os tempos das
feitorias transformadas em portos de embarque de escravos na costa ocidental
africana)…
Sobre os laços que vêm de longa a
avassalada luso-ingerência sócio cultural, o regime oligárquico português
trabalha como poucas ingerências para além da inteligência económica, na
formatação mental dos angolanos e na superestrutura ideológica afeita às
conveniências das patrocinadoras aristocracia financeira mundial e avassalada
social-democracia portuguesa, ela própria constituída em regime desde o 25 de
Novembro de 1975, ambas em níveis distintos, mas aptas à permissibilidade
de “correias de transmissão” da NATO, da União Europeia e do AFRICOM…
Compreendem-se bem os silêncios,
por exemplo em relação às prementes necessidades de renascimento africano, em
relação à antropologia e à história das raízes transatlânticas do movimento de
libertação desde a revolução dos escravos do Haiti (as elites angolanas são
particularmente avessas ao conhecimento sobre o Haiti) e em relação à minha
proposta de geoestratégia para um desenvolvimento sustentável com fulcro na
região central das grandes nascentes…
6- Com toda a sensibilidade do
sul, sobretudo África manifesta o síndroma de corpo inerte própria de capim
exposto às elefantinas tensões globais contemporâneas entre a hegemonia
unipolar e o multilateralismo e não é por acaso que não surge qualquer
manifestação de novas rotas da seda por dentro do seu miolo… tudo se passa à
ilharga e África até parece um contingente que não existe, sobrevivendo de
tragédia em tragédia em profunda crise existencial!
Mesmo as poucas iniciativas
infraestruturais estão desgarradas, sem força de integração e articulação,
ainda que estejam inseridas em regiões como a da SADC, onde a África do Sul
continua a gerir mais os interesses próprios no âmbito do “lóbi” dos
minerais e cartel dos diamantes, assim como os dum quadro internacional
alargado no Atlântico Sul e Índico Sul remotos, até à Antártida!...
As atávicas “missões
internacionais” da África do Sul são visões contemporâneas da velha trilha
da British South Africa Company, sob o génio de Cecil John Rhodes (“do Cabo ao
Cairo”), pelo que nem com a entrada nos BRICS o poder económico e financeiro
eminentemente elitista e indexado ao “loby” dos minerais e ao cartel
dos diamantes, mudou de feição no que a África diz respeito…
O fenómeno Botswana comprova-o,
como se comprova os raios de influência que fluem persuasivamente a partir
desse Botswana enquanto plataforma, para uma região de expansão com 519.000
km2, que conforma desde já o KAZA-TFCA (Kavango Zambezi Trans Frontier
Conservation Area), com os olhos nas kimberlites angolanas que se espalham mais
a norte, incluindo as kimberlites que existem no solo onde se travaram alguns
dos cruciais confrontos no âmbito da batalha decisiva do Cuito Cuanavale, em
que o “apartheid” foi vencido, soçobrando em todos os seus projectos
desumanos e ambições até se eclipsar…
As imensas dificuldades das
elites africanas actuarem sobre as raízes de suas crises existenciais
profundas, estão muitas delas a descoberto, conferindo noção às ambiguidades,
fragilidades e vulnerabilidades tropicalizadas (próprias de relógios e motores
a dois tempos) dum tal sistema democrático-representativo nas condições de
elites que disputam espaço nas conjunturas duma ultraperiferia…
Os equilíbrios globais estão cada
vez mais longe de ser alcançados e as tensões no sentido da barbárie
sobrepõem-se ao que, no quadro duma lógica com sentido de vida se poderia já
hoje estar a realizar para a afirmação duma civilização global!
Face a um cada vez mais próximo
abismo, cujos sinais são a cadência de fenómenos naturais radicalizados e cada
vez mais radicalizados actos de barbárie humana, face a uma África que,
conforme testemunhava Agostinho Neto, continua hoje a parecer “um corpo
inerte onde cada abutre vem depenicar o seu pedaço”, a consciência crítica de
que me animo permite-me avisar, ainda que minha sobrevivência o tenha sido
sempre bem no âmago do síndroma de corpo inerte: amanhã será tarde demais!
Martinho Júnior - Luanda, 22 de Março de 2019, dia
mundial da água
Imagem: … sendo água, vida, há um
caldo que se entorna…
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