segunda-feira, 1 de abril de 2019

Brasil | Manifestações "descomemoram" golpe e homenageiam vítimas da ditadura


Caminhadas, manifestações, aulas-públicas e atividades culturais foram realizadas em várias cidades do país para marcar os 55 anos do golpe de 1964 e para homenagear as vítimas da ditadura militar que dele resultou.

No Rio de Janeiro, a manifestação reuniu 4 mil pessoas para "descomemorar" golpe de 64. Os manifestantes se encontram na Cinelândia, no Centro do Rio, para repudiar torturas e mortes ocorridas durante a ditadura militar / Flora Castro / Brasil de Fato

A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), presente ao ato, afirmou que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) viola a Constituição de 1988 ao provocar as Forças Militares a celebrarem o golpe de 1964. “Estamos de preto, não por acaso, porque esse dia rompeu com o que havia de democrático no Brasil. Fez democratas, socialistas e comunistas desaparecerem, pessoas que simplesmente queriam liberdade para lutar, pensar e noticiar. Isso tudo foi cerceado. Até hoje famílias procuram seus filhos, maridos, irmãos e companheiras”, destacou. Ela lembrou que o Partido Comunista do Brasil foi o que mais perdeu, proporcionalmente, militantes, sobretudo durante a Guerrilha do Araguaia.

Uma das primeiras medidas do golpe militar, assim que foi instalado no país, foi queimar a sede da União Nacional dos Estudantes (UNE), localizada na Praia do Flamengo, no Rio de Janeiro. Também presente à manifestação, Leonardo Guimarães, diretor de universidades públicas da UNE e aluno de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirmou “os ditadores já entendiam que das universidades viria uma forte resistência ao autoritarismo e à escalada do fascismo”. Ele enxerga com preocupação o fato do presidente eleito indicar que os quartéis deveriam comemorar esta data e explicou que para a entidade o 31 de março é sinônimo de “repressão, perseguição e tortura”. 


O historiador Paulo César Pinheiro atuou na clandestinidade contra o regime liderado pelos militares na organização VAR-Palmares. Preso e torturado durante a ditadura, Pinheiro destacou que em todos os países existem lutas por verdade, memória e justiça. “Infelizmente não conseguimos ter julgamentos e condenações daqueles que mataram, torturaram e exploraram o nosso povo de maneira atroz. Não só os que foram assassinados ou desaparecidos, mas também milhares de indígenas, camponeses e todo o povo que teve arrocho salarial e seus direitos cassados.” Na sua avaliação, é necessário que haja uma grande unidade popular dos setores progressistas, além da esquerda, no sentido de recuperar as conquistas do povo brasileiro, antes e depois de 1964.

A professa aposentada Sandra Chaves tinha dez anos quando a ditadura foi instaurada e teve atuação na resistência ao regime enquanto estava na Universidade. “Esse ano nós vivemos um governo muito ruim, com perspectiva de volta da ditadura. Ouvir dizer que não houve ditadura é cruel para quem viveu”, desabafa.

A estudante Raíssa Nascimento, de 26 anos, também participou do protesto. Ela vestia uma camiseta em homenagem à militante Helenira Rezende, vice-presidenta da UNE que foi torturada e morta pelos militares. “Os jovens da zona oeste e da Baixada Fluminense vivem à mercê da milícia, por isso a gente luta contra essas formas de organização que querem reprimir os jovens, da mesma forma que aconteceu na ditadura, no passado, quando os estudantes começaram a ser perseguidos”, comparou Raíssa que é diretora do Diretório Central dos Estudantes (DCE) do Centro Universitário Estadual da Zona Oeste (UEZO) e aluna de Biotecnologia.

Manifestações pelo país


Em todo o Brasil foram registradas manifestações que repudiaram o golpes e a ditadura. Pela manhã, cerca de mil manifestantes ocuparam parte do Eixão Norte, em Brasília, para protestar contra os 55 anos do golpe militar de 1964. Os manifestantes foram ao local vestidos de branco, com flores nas mãos e fotos de presos políticos mortos ou desaparecidos durante a ditadura. O protesto foi marcado por discursos de representantes de partidos políticos e organizações do movimentos popular, uma caminha e performances artísticas que representavam os métodos de tortura aplicados nos porões dos órgãos de repressão. Entre os presentes, destacavam-se João Vicente Goulart, filho do ex-presidente João Goulart, deposto pelo golpe, e Ana Maria Prestes, neta do histórico líder comunista, Luis Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança. Ambos integram atualmente a direção nacional do PCdoB.

Em Porto Alegre (RS), militantes políticos se reuniram no Parque da Redenção. O ato unitário teve como mote a denúncia da ditadura e a repulsa a governos autoritários como o instaurado em 1964. Na ocasião foi inaugurada uma escultura em memória aos mortos e desaparecidos gaúchos e de todo Brasil. Também na região sul, um ato em Curitiba (PR) percorreu as ruas da capital.

No Ceará, uma aula pública sobre ditadura reuniu cerca de 500 pessoas na praia de Iracema, em Fortaleza. Entoando palavras de ordem, manifestantes gritavam “Silêncio nunca mais”, em referência à censura da época. O evento contou com depoimentos dos professores José Machado, Paulo Emílio e Nelson Campos, perseguidos pela ditadura. A manifestação teve ainda a participação de professores como Anna Karina Cavalcante, André Vinícius, Fabiano Sousa, Zilfran Varela e Nilo Sérgio, que contextualizaram desde a concepção do golpe até a volta da democracia no País. Presente à atividade, a professora universitária Bernadete Sousa afirmou em suas redes sociais: “A ideia da aula-ato é espetacular. Sim, professores reinventam tempo e espaço.E hoje vi a reinvenção de nossas resistência. Foi bom ouvir cada relato, cada canção, cada nome ali citado e honrado. Senti vontade de ir sempre encontrar essa gente que luta com honra e gratidão, que grita, canta e silencia”. Por outro lado, segundo o jornal O Povo, apoiadores do golpe tentaram organizar um ato, mas apenas duas pessoas compareceram.

Em Minas Gerais, uma manifestação reuniu milhares de pessoas contra a ditadura militar e em protesto contra o presidente Bolsonaro por ter convocado uma comemoração do golpe de 64. Os manifestante vestiram roupas pretas para expressar o luto pelos assassinatos praticado pela repressão política. Os manifestantes de concentraram na Praça da Liberdade, centro da capital mineira, e seguiram para a antiga sede do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), que deverá ser transformado em Casa da Liberdade. Os manifestantes também se posicionaram contra a Reforma da Previdência, contra o golpe de 2016 e ainda pediram a liberdade do ex-presidente Lula.

Em São Paulo, o ato aconteceu na Praça da Paz, no Parque do Ibirapuera. Com velas, flores e fotos das vítimas da violência estatal, os manifestantes fizeram uma caminhada silenciosa em direção ao Monumento pelos Mortos e Desaparecidos Políticos.

Novas atividades estão programadas para esta semana.

Vermelho

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