David Malpass, o novo presidente
da instituição, apontou a China como responsável pela elevada dívida mundial.
Esqueceu ter sido a China a sustentar a economia mundial após a recessão
de 2007/2008.
António Abreu | AbrilAbril |
opinião
Em entrevista a Sara Eisen, da
cadeia televisiva norte-americana CNBC, o novo presidente do Banco
Mundial(World Bank Group), David Malpass, advertiu que há muita
dívida no mundo e que a culpa disso é da China e não dos EUA.
«Existem desafios, que o mundo
enfrenta, em termos de como ter projectos transparentes e de alta qualidade,
onde a dívida seja transparente. A China moveu-se tão rapidamente que em
algumas partes do mundo existe muita dívida», afirmou Malpass naquela que foi a
sua primeira entrevista após ter entrado em funções. «Isso é algo que podemos
trabalhar com a China», acrescentou.
A China, de facto, emprestou
milhões de milhões de dólares a outros países, incluindo aos EUA. Desde Janeiro
de 2019 a
China é detentora de USD 1,12 milhões de milhões em títulos do Tesouro dos EUA,
segundo dados do Departamento do Tesouro deste país.
Malpass tem criticado os esforços
de empréstimos da China para financiar a infra-estrutura «Cinturão e Rota»
(mais conhecida na sua versão inglesa, Belt and Road)1 de
sua iniciativa. No ano passado, disse que esses empréstimos deixam os países
mais fracos com «uma dívida excessiva e projectos de baixa qualidade». Agora referiu
que a China está disposta a reduzir esses esforços, observando: «Eles [os
chineses] querem ter um melhor relacionamento com os outros países e fazer
parte do sistema mundial. Espero ter sucesso [nas negociações com os chineses]
e ter um bom relacionamento com a China»2.
Malpass também criticou a China
por obter empréstimos de baixo custo do Banco Mundial, apesar de ser a segunda
maior economia do mundo e superar o limite do banco para empréstimos de baixo
custo, em 2016.
«A China reconhece que o seu
papel como destinatário de empréstimos no banco precisa diminuir», disse
Malpass. Mas também reconheceu que os empréstimos do Banco Mundial à China já
têm vindo a diminuir, acrescentando esperar que isso continue a acontecer nos
próximos três anos.
David Malpass foi eleito para o cargo na sexta-feira, dia 5 de Abril, por
unanimidade, depois de o seu nome ter sido proposto para o cargo por Donald
Trump. Antes de ingressar no Banco Mundial, era subsecretário de assuntos
internacionais do Departamento do Tesouro dos EUA no governo de Trump e já
exercera funções nos governos de Ronald Reagan e George w. Bush3.
É evidente a distorção dos factos
na declaração de Malpass anterior à referida entrevista à CNBC. É
conhecido o papel que a China teve no salvamento do sistema financeiro mundial
depois da crise iniciada em 2006/2007, que ainda hoje se repercute à escala
universal. Quando se referia a «projectos de baixa qualidade» referia-se a quê?
Às infra-estruturas de muitos países dos continentes mais pobres, mais
vitimados por guerras, que são, na realidade, veículo para o desenvolvimento –
que é a mais sólida condição para a existência, neles, da paz? Serão os
projectos de investimento e outras formas de cooperação económica já
estabelecidas com muitos países, mais desenvolvidos ou menos, como os
anunciados recentemente com a Croácia, a Sérvia, a Eslováquia, a Eslovénia, o
Japão, a Bulgária e a Albânia?…
A nova política económica da
China
Na China estão a decorrer
encontros em que legisladores nacionais e consultores políticos estão a rever e
a discutir medidas específicas para um crescimento mais estável e verde da
economia chinesa.
É conhecido que a economia
chinesa tem vindo a efectuar uma transição de uma fase de crescimento rápido
para um patamar de crescimento de qualidade e está a transformar o modelo de
crescimento, a melhorar a estrutura económica e a promover novos catalisadores
de crescimento.
«Este é um momento crucial para
transformar o nosso modelo de crescimento, melhorar a nossa estrutura económica
e promover novos catalisadores de crescimento», afirma a China.
Estas discussões em curso
precisarão o que significa o novo padrão para o crescimento da China e do
mundo, definido em termos gerais pelo Partido Comunista Chinês (PCC), e como
devem os negócios globais e os investidores prever e tomar medidas quanto às
alterações na economia mundial.
Os números relativos ao crescimento
foram estáveis durante os últimos cinco anos, acompanhando a ênfase na
qualidade e na tolerância ao abrandamento do crescimento do PIB.
Os economistas prevêem que a
China mantenha o seu crescimento próximo dos 6.5% este ano, fruto dos esforços
em melhorar a qualidade e a performance da sua economia. De facto, algumas
autoridades provinciais suavizaram as suas metas neste âmbito, durante as
sessões locais realizadas em Janeiro.
Embora a China tenha vindo a
abandonar a sua expansão desenfreada, o país continuará assumindo o seu
compromisso de estabilizador da economia global. Dados do Banco Mundial revelam
que a China contribuiu em 34% para o crescimento mundial entre 2012 e 2016,
mais do que os EUA, a União Europeia (UE) e o Japão juntos.
Na China, o consumo superou o
investimento como principal motor de desenvolvimento económico.
Juntamente com outras políticas
económicas referidas pelo governo, a meta anual de crescimento está sujeita à
aprovação do topo da legislatura que, juntamente com o principal órgão
consultivo, desempenha uma parte importante na formulação de políticas
nacionais, da empregabilidade ao ambiente.
O livre comércio é outro dos
tópicos em discussão, acompanhando a tendência de desenvolvimento de qualidade
da China, a qual estará na base da criação de um enorme mercado de consumo e
sua respectiva procura de produtos do resto do mundo.
Detentora da primeira zona de
livre comércio do país, Shanghai está na vanguarda do comércio internacional,
procurando ainda mais oportunidades. Shanghai prepara-se para impulsionar a sua
zona de comércio livre, para atingir padrões internacionais de alto nível, e
para apresentar medidas para desenvolver o «porto de comércio livre», com
medidas mínimas de controlo comercial.
O Ministério do Comércio chinês previu
também, em Novembro de 2018, que a China iria importar mais de 10 milhões de
milhões de dólares em bens e serviços durante os próximos cinco anos.
À sombra da explosão das
importações chinesas, cresceu a classe média do país que, com uma população de
cerca de 300 milhões de pessoas, perfaz 30% do total mundial. A sua influência
tem-se reflectido na sua crescente preponderância em comandar o crescimento e o
comércio.
A China deverá dar continuidade à
abolição de tarifas em produtos como automóveis. No ano passado foram
eliminados impostos aduaneiros em 187 produtos, com uma descida média de 17.3%
para 7.7%.
Os analistas preconizam medidas
mais específicas para alargar o acesso ao mercado a negócios internacionais.
Durante o encontro do Fórum Económico Mundial, a China irá suscitar medidas
para garantir uma maior abertura financeira, das indústrias transformadoras e
do sector de serviços da China, reforçando a protecção da propriedade
intelectual.
A lista que determina os sectores
onde a participação estrangeira é proibida ou limitada tornar-se-á mais
reduzida. As empresas estrangeiras continuarão a receber um tratamento
igualitário, com os seus interesses adequadamente salvaguardados. A iniciativa
do Cinturão e Rota será impulsionada, mantendo o seu foco na cooperação
industrial internacional.
O investimento directo
estrangeiro na parte continental da China atingiu o maior valor de sempre, com
878 mil milhões de yuan apurados no ano passado, o que contrasta com a
tendência de quebra global. Um total de 35 652 negócios internacionais foram
estabelecidos no país.
O banco central da China anunciou
há dias a abolição de regulamentos antigos, de modo a agilizar manobras de
negócios estrangeiros no país. Por seu turno, um regulador bancário anunciou
também medidas, nesses dias, para facilitar a operação de empresas estrangeiras
na China.
Notas:
1. O
nome original da infraestrutura era «Um Cinturão e Uma Rota» (One Belt One Road na
versão inglesa) mas a China decidiu actualizar o nome por entender que a actual
designação de «Cinturão e Rota» (Belt and Road) exprime melhor a intenção do
projecto, segundo informa a Wikipédia na sua versão em português e em inglês, em ambas as versões
remetendo para uma versão de arquivo do artigo original no portal do Instituto Letão de Negócios
Estrangeiros (Latvian Institute of Foreign Affairs), instituição que mantém
uma página especial destinada à Nova Rota da Seda» (New Silk Road) – o
outro nome pelo qual é conhecida a iniciativa chinesa. O leitor poderá ter
interesse em consultar o portal criado pelo governo da República Popular da
China (RPC) sobre a iniciativa e aí conhecer informações
detalhadas sobre o projecto e os desenvolvimentos relacionados com as
Rotas da Seda do Século XXI. O portal Belt and Road apresenta informação original
em chinês e traduções chinesas para línguas estrangeiras.
3. David Robert Malpass (1956) foi um dos principais
economistas do Bear Stearns nos seis anos que precederam o colapso deste em
2008, na grande crise financeira. O banco Bear Sterns era conhecido pelos seus
investimentos especulativos e de alto risco. Depois de o banco se ter afundado
e ter sido vendido por 6% do seu valor à J. P. Morgan dedicou-se à política e
ao comentário político. Membro do Partido Republicano, faz parte de diversos
think tanks conservadores, entre os quais o Manhattan Institute for Policy Research, fundado pelo
director da CIA William J. Casey. Curiosamente, David Malpass, depois de um
bacharelato em Física, cursou a Escola de Negócios Estrangeiros da Universidade
de Georgetown – um curso e uma escola muito frequentes nas biografias dos
membros da intelligence community norte-americana. Como comentador, as suas previsões económicas foram consideradas um modelo de
«enviesamento partidário». A Bloombergconsiderou-o «um campeão do proteccionismo». Em Outubro de 2018
considerou que «os governos orientados para o mercado» devem estar alerta contra «os desafios do sistema económico chinês», incluindo os
seus «bancos estatais e agências de exportação de créditos».
Imagens: 1 - David Malpass foi
designado por Donald Trump representante dos EUA no Banco Mundial e
publicamente proposto para a presidência do mesmo, na Casa Branca, Washington,
6 de Fevreiro de 2019. Dois meses depois, a 5 de Abril de 2019, foi eleito para
a presidência do Banco Mundial.CréditosEPA/JIM LO SCALZO / LUSA; 2 - As Rotas
da Seda do século XXI. Mapa tendo a vermelho a China, a laranja os membros do
Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura e as seis rotas físicas, em
preto (terrestres) e azul (marítimas). CréditosLommes / Wikipedia commons
Sem comentários:
Enviar um comentário