Adelino Cardoso Cassandra* | Téla Nón
| opinião
Instalado no meu lugar preferido
estou a ver a repetição de um filme que, de quatro em quatro anos, anima a
malta e faz vibrar os fervores de militância partidária, com consequências
desastrosas para o país.
O MLSTP e a atual coligação
apresentaram-se ao país, após as eleições legislativas recentes, com o
propósito, reiteradamente verbalizado em múltiplas ações oficiais e não
oficiais, aparentemente, de preocupação com a nossa sociedade no seu conjunto,
independentemente das sensibilidades político-partidárias, geográficas, sociais
ou de outra natureza.
Todavia, passados apenas três ou
quatro meses de vigência governamental desta coligação e depois deste gesto
inaugural, caricatural e panfletário, o filme repete-se, embora com personagens
diferentes, com a mesma intensidade e dramatismo.
Já se começa a rasgar os
discursos e os guionistas de serviço estão, neste momento, mais preocupados com
os seus interesses particulares e partidários do que com os nossos interesses
coletivos.
A emergência e aparente
consolidação dos propósitos da atual coligação governamental, liderada pelo
MLSTP, parece-nos configurar um ato apenas para alcançar, conservar e
distribuir o poder entre os seus apaniguados e militantes e condenar o ADI a
uma penosa travessia do deserto.
Não consigo descortinar, em
termos de decisões políticas avulsas tomadas pelo atual governo, até agora, ou
suportadas nos instrumentos de política económica do mesmo, aprovadas
recentemente pela Assembleia Nacional, designadamente o Orçamento Geral do
Estado, algo estratégico e estruturalmente pensado, concertado e concebido, que
viesse contribuir para alterar, ainda que superficialmente, o quadro económico
e social que vivemos.
Muito pelo contrário, o governo
age, nalguns casos, aparentemente, com um propósito declaradamente negligente,
do ponto de vista social, para não dizer outra coisa.
Num país em que o alcoolismo é um
problema complexo e sério, tendo, a montante, causas estruturais como a nossa
crise económica crónica, o desemprego e outros fatores que, desde tenra idade,
contribuem, direta ou indiretamente, para desencadear junto dos jovens este
apelo irresistível, com consequências sociais graves, como, por exemplo, o
aparecimento e desenvolvimento de algumas patologias crónicas, acidentes de
viação, a multiplicação de casos de violência doméstica, etc., um governo sério
e responsável, que se declara defensor dos interesses do povo e, sobretudo, dos
pobres, a primeira medida que toma é, exatamente, incentivar publicamente,
através de decisões políticas, o consumo de bebidas alcoólicas criando
condições para aumentar a sua importação e baixar o preço das mesmas junto do
consumidor final?
Como é que eu, enquanto cidadão,
posso acreditar num governo que procede desta forma e, todavia, declara-se,
reiteradamente, defensor dos mais vulneráveis da nossa sociedade?
Sendo o alcoolismo um problema de
saúde pública na nossa sociedade, quer queiramos ou não aceitar, o
comprometimento de qualquer governo responsável teria que passar, necessária e
primordialmente, a montante, por conceção e desenvolvimento de um plano, com
contornos transversais de inclusão, que, contribuísse para minimizar a
manifestação do referido problema, sobretudo no âmbito preventivo.
Aquilo que o governo faz é
exatamente o contrário, ou seja, cria condições e convida os nossos jovens e a
população em geral, sobretudo a mais vulnerável, a beber mais. O senhor
primeiro-ministro e o seu governo, com esta decisão, não estão a defender o
povo nem o interesse dos nossos jovens, muito pelo contrário, estão a defender
os interesses das suas clientelas partidárias, relacionadas com a importação e
comercialização de bebidas alcoólicas no país.
Cada vez mais, como tenho
reiteradamente escrito em artigos anteriores, constata-se, aos poucos, uma
contradição entre aquilo que o senhor primeiro-ministro nos tem prometido nos
seus discursos e as ações e decisões políticas que o seu governo toma ou
publicita.
Outro exemplo desta constatação,
é o que o MLSTP e a atual coligação estão a fazer, momentaneamente, em nome do
combate à corrupção no país.
Sejamos francos, tal propósito,
tem apenas, como preocupação fundamental aniquilar o ADI, os seus principais
dirigentes e outros opositores políticos, da mesma forma que o ADI tentou fazer
o mesmo, com os partidos da oposição, anteriormente, quando estava no governo.
A política está a transformar-se,
paulatinamente, no nosso país, numa espécie de “guerra entre grupos de gangues
identificados”, com chefes escolhidos para esta tarefa específica, de acordo
com determinados perfis, ostentado, contudo, como adereço, um emblema
partidário, mas cujo objetivo é, afinal de contas, a defesa intransigente de
interesses pessoais e de grupos específicos.
O povo só aparece, como uma
realidade abstrata, em discursos de ocasião e evocação política, para
credibilizar esta espécie de “luta de gangues” que tem como objetivo assaltar o
castelo de quatro em quatro anos.
Dai a necessidade de se falar do
combate à corrupção ou, em alternativa, de uma suposta reforma da justiça, como
o ADI fez anteriormente, como, também, no regime monopartidário, se falava de
aparecimento de navios estrangeiros na nossa costa cujo objetivo era,
supostamente, a invasão do país por mercenários.
Tudo isto tem ou tinha, em última
instância, como finalidade, credibilizar o discurso político e permitir a
adesão popular para um simulado programa de reforma para o país enquanto os
“gangues” tomavam ou tomam conta da nossa casa.
É óbvio que este tipo de discurso
ou decisão política, num país, por exemplo, em que a perceção sobre a corrupção
é elevada, conduz a todos os tipos de manifestações e apologias de faca e
alguidar.
Não me admira nada, pois, ouvir
algumas pessoas, aparentemente bem informadas, declarar de forma ingénua, que o
governo deveria, até, “suspender a democracia” para acabar com a corrupção no
país como coisa que as duas coisas fossem compatíveis.
Não sabem elas, que, como afirmou
recentemente a argentina, Delia Ferreira Rubio, que preside a ONG global
Transparência Internacional, “…a corrupção espalha-se muito mais facilmente
onde as instituições democráticas são fracas e, como temos visto em vários
países, onde políticos populistas e antidemocráticos a usam como tema para tirarem
vantagem pessoal e política…”.
É exatamente isto que este
governo está a fazer, neste momento, infelizmente, e que o ADI fez
anteriormente, e uma parte substancialmente da população, mal informada e
esclarecida, nesta luta de “gangues”, acriticamente, esfrega as mãos de
contente convencidos da bondade da iniciativa em causa. Eu já vi este
filme no regime monopartidário, viu-o há quatro anos e estou a revê-lo agora,
com nenhum entusiasmo mobilizador. A única coisa que mudou são os atores e os
guionistas do filme.
A corrupção não é algo que se
combate no país, somente verbalizando este propósito, de forma avulsa, detendo,
posteriormente, num exercício de simulação hollywoodesco, alguns supostos
prevaricadores do “gangue adversário”, para posterior apresentação como troféus
de caça e satisfação do desejo de manifestação de faca e alguidar da clientela
partidária.
É óbvio que não gostei da falta
de transparência relacionada com o processo de suposto empréstimo, por parte do
governo do ADI, contraído a um fundo privado internacional, no valor de 30
milhões de dólares, e escrevi vários artigos sobre este facto.
Mas, transformar este facto
isolado, como suposta bandeira governativa de combate à corrupção no país,
simplesmente detendo os opositores políticos, ao mesmo tempo que o próprio
governo, em apenas quatro meses de vigência, manifestou, claramente, evidências
contrárias ao propósito em causa, parece-me insólito.
Darei, por isso, apenas três
exemplos destas evidências.
Em primeiro lugar, tenho
dificuldades em compreender que o atual governo manifeste preocupação em
combater a corrupção quando, implementa, logo no início do seu mandato, uma
política de falta de transparência e de cultura de meritocracia na contratação
de dirigentes e funcionários para a administração pública e empresas estatais
minimizando a eficiência dos referidos serviços em detrimento do compadrio e do
cartão partidário, quando todos os relatórios internacionais, neste âmbito,
aconselham exatamente o contrário.
Em segundo lugar preocupa-me que
o governo queira combater a corrupção e, ao mesmo tempo, manifeste, pouca ou
nenhuma ambição em separar a administração da coisa pública dos propósitos ou
ambições de natureza político-partidária, confundido e misturando os dois
planos de intervenção, em total divergência com aquilo que as boas práticas de
combate à corrupção recomendam, fazendo exatamente como se fazia no regime
monopartidário, privilegiando a emergência de um partido-estado defensor dos
interesses de clientelas partidárias, como a ministra do Comércio, Indústria,
Turismo e Cultura sugeriu numa entrevista recente.
Em terceiro lugar preocupa-me que
o governo manifeste uma vontade incomensurável de transformar os bens públicos
em privados, cujo exemplo do arroz do Japão é o caso mais evidente, bem como
declare o desejo inconfessável de centralizar competências constituindo-se,
desta forma, num obstáculo à iniciativa privada sendo, com tal, permeável aos
interesses de natureza partidária, cujo conteúdo da entrevista da atual
ministra do comércio, Turismo, Indústria e Cultura não podemos ignorar.
Se o governo quisesse, de facto,
combater a corrupção no país não deveria negligenciar estas evidências que o
torna, primordialmente, num alvo frágil deste mesmo flagelo que nos garante
querer combater.
É óbvio que isto só poderia
acabar, como qualquer “luta de gangues” acaba, com o país e as suas
instituições divididas ao meio.
De um lado, temos a claque de um
“gangue” e do outro a claque de outro “gangue”.
De um lado temos o procurador da
república revoltado com a polícia judiciária pelo facto de esta ter detido um
dos supostos prevaricadores sem a sua autorização e do outro lado temos a
representante da polícia judiciária enraivecida com o referido procurador que
mandou soltar um dos supostos prevaricadores, numa guerra pública que deveria
envergonhar qualquer Santomense.
De um lado temos o governo da
república satisfeitíssimo com a detenção dos supostos prevaricadores e a
comunicação social estatal transformada num autêntico tribunal e; do outro
lado, temos o presidente da república fulo de raiva pelo facto de um dos
supostos prevaricadores estar detido e zangado com a referida comunicação
social estatal.
Isto fragiliza as instituições da
república e mina a credibilidade de qualquer programa de combate à corrupção no
país que, infelizmente, não existe. É impossível o combate à corrupção no país
com instituições frágeis e o país dividido ao meio quanto a bondade deste
propósito avulso e seletivo.
Como é que se pretende combater a
corrupção no país ao mesmo tempo que, consciente ou inconscientemente, se faz
de tudo para fragilizar e debilitar as instituições públicas, que, têm como
função, exatamente, realizar este combate, num exercício de achincalhamento
público entre elas que desonra qualquer cidadão nacional?
Nenhum empresário minimamente
lúcido vai investir num país em que o próprio primeiro-ministro intitula o
presidente da república, em discurso público, como sendo, aparentemente, “chefe
de um gang” que, supostamente, defende prevaricadores corruptos ou; em
alternativa, onde a chefe de polícia judiciária entra em guerra pública com o
procurador de república, num registo de baixo nível, diminuindo a autoridade
deste publicamente.
Este não é, infelizmente, um país
sério para se viver e investir. Perdoem-me as pessoas de caráter, abnegação e
resiliência que, todos os dias, dão tudo de si, estudando, investindo,
trabalhando e esforçando para que o país progrida, mas cujo contributo negativo
de alguns políticos, acaba por se transformar no maior entrave, para a mudança
de paradigma, entre nós.
E é triste constatar tudo isto
porque eu estava convencido, após a entrevista tresloucada da senhora ministra
do Comércio, Turismo, Indústria e Cultura, que se tratava de um ato isolado da
referida governante, reflexo da falta de bom senso da mesma aliado aos
problemas de incompetência política e técnica, mas, tendo em conta que o senhor
primeiro-ministro não censurou este ato da sua ministra e até, aparentemente,
subscreve-os, só posso concluir que, com a manifestação deste último
acontecimento, tudo isto começa a denunciar um padrão comportamental, do seu
governo como um todo, onde predomina a confusão, o desrespeito institucional, a
incompetência, a ofensa pública e o desvario. Bom exemplo que estão a dar aos
nossos jovens! Estamos a transformar, neste delírio procedimental
governamental, numa autêntica chacota internacional.
*Adelino Cardoso Cassandra, na foto
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