sexta-feira, 26 de abril de 2019

Véspera de eleições | Dissidências políticas de última hora em Espanha


Um alto cargo do PP deserta das fileiras do partido e abraça o credo liberal do Ciudadanos, entre fortes disputas na direita espanhol

As disputas entre os partidos estão a acrescentar algum picante ao guisado pré-eleitoral, muitas vezes insosso e pouco substancial, que se cozinha nestas horas anteriores às eleições legislativas do próximo domingo em Espanha. Há que reconhecer que, neste ponto, os grupos políticos que fazem parte daquilo a que se poderia chamar o espectro da direita estão muito mais activos que os do outro lado da franja ideológica, os quais parecem ter acordado um pacto de não agressão antes dos previsíveis ajustes pós-eleitorais.

Nos dois debates televisivos que foram protagonizados pelos quatro grandes partidos em disputa neste domingo dia 28, já se observou o nível de agressividade que colocou frente-a-frente Pablo Casado (38 anos), líder do Partido Popular, (PP, conservadores) e Albert Rivera (39), presidente do Ciudadanos (C's, liberais de centro-direita), com constantes recriminações e chamadas de atenção que não passaram despercebidas aos analistas políticos e também aos votantes. Foi evidente que Casado e Rivera estavam a disputar ferozmente entre si a liderança da direita espanhola.



Essas disputas podem fazer supor um autêntico handicap para a formação de um Governo conservador se, como prevêem algumas sondagens, o PP e o C's, com a ajuda não desejada, mas numericamente imprescindível, da ultra-direita representada pelo Vox, conseguirem no Parlamento nacional um número suficiente de lugares para amargar a previsível vitória, segundo todas as sondagens, do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE, social-democrata), embora sem maioria suficiente para formar Executivo sozinho.

Daí que tenha caído como uma pedra nas fileiras destes partidos que aspiram a governar Espanha um recentíssimo episódio de flibusteirismo político que causou um considerável aumento da tensão entre o PP e o C's. Trata-se da fuga para as fileiras do partido liderado por Albert Rivera de um peso-pesado da direcção do PP, Ángel Garrido, que no maior dos segredos desertou das hostes conservadoras de Casado para abraçar em poucas horas o credo liberal do Ciudadanos.

Garrido era até há duas semanas presidente do Governo autónomo da Comunidade de Madrid, uma das autoridades mais poderosas do conglomerado administrativo nacional. Tinha vindo substituir há um ano a anterior presidente, Cristina Cifuentes, que se viu obrigada a demitir-se devido a um obscuro episódio de alteração da sua tese de doutoramento e a um vídeo captado nuns grandes armazéns no qual se via como Cifuentes se apropriava, aparentemente, de uns boiões de cosméticos.

Garrido não parecia contar com muitas simpatias no sector que ajudou Pablo Casado a ganhar as eleições primárias que o conduziram à presidência do PP, em substituição do demitido Mariano Rajoy, entre outras coisas porque o até há pouco presidente da Comunidade de Madrid havia apoiado para esse cargo a rival mais directa de Casado, María Dolores de Cospedal, na época secretária-geral do PP e braço direito de Rajoy. Viu-se claramente que Garrido não gozava da confiança de Casado quando há dez dias, no momento de elaborar as listas para as eleições autonómicas, municipais e europeias que se irão celebrar em Espanha dentro de um mês, o sucessor de Cifuentes se achou secundarizado como aspirante a revalidar a presidência por uma pessoa do círculo íntimo de Casado, María Isabel Díaz Ayuso. Como prémio de consolação, Ángel Garrido foi colocado como número 4 nas listas do PP para as eleições do Parlamento europeu de Estrasburgo, um cargo muito cómodo e muito bem remunerado (8.000 euros mensais mais despesas). No mesmo dia em que assinava na sede do PP em Madrid a aceitação dessa lista, Garrido negociava em segredo com altos dirigentes do Ciudadanos a sua espectacular adesão à formação liberal, sem nenhum aviso prévio nem advertência anterior.

Foram estas atitudes, próprias de um acto calculado de vingança, que incomodaram sobremaneira a direcção do PP, onde não se coíbem de apelidar de "traidor" e de "trânsfuga" o político madrileno, que declarou sentir-se mais à vontade com o credo "liberal, dialogante, moderado e centrista" que o Ciudadanos imprimiu ao partido do que com a "viragem à direita" e de aproximação ao extremismo do Vox que Garrido constata no PP de Pablo Casado. Entretanto, ambos os grupos trocam acusações entre si, das quais terão de se arrepender no caso de, como parece, na próxima segunda-feira precisarem de explorar uma fórmula de Governo que afaste o PSOE do caminho para o palácio da Moncloa, sede do Executivo. No Ciudadanos consideram o PP "um fantasma do velho bipartidarismo", enquanto no PP descrevem o Ciudadanos como "o partido dos inconstantes e dos trafulhas".

Angel Luís de la Calhe | Expresso

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