Um alto cargo do PP deserta das
fileiras do partido e abraça o credo liberal do Ciudadanos, entre fortes
disputas na direita espanhol
As disputas entre os partidos
estão a acrescentar algum picante ao guisado pré-eleitoral, muitas vezes
insosso e pouco substancial, que se cozinha nestas horas anteriores às eleições
legislativas do próximo domingo em Espanha. Há que reconhecer que, neste ponto, os
grupos políticos que fazem parte daquilo a que se poderia chamar o espectro da
direita estão muito mais activos que os do outro lado da franja ideológica, os
quais parecem ter acordado um pacto de não agressão antes dos previsíveis
ajustes pós-eleitorais.
Nos dois debates televisivos que
foram protagonizados pelos quatro grandes partidos em disputa neste domingo dia
28, já se observou o nível de agressividade que colocou frente-a-frente Pablo
Casado (38 anos), líder do Partido Popular, (PP, conservadores) e Albert Rivera
(39), presidente do Ciudadanos (C's, liberais de centro-direita), com
constantes recriminações e chamadas de atenção que não passaram despercebidas
aos analistas políticos e também aos votantes. Foi evidente que Casado e Rivera
estavam a disputar ferozmente entre si a liderança da direita espanhola.
Essas disputas podem fazer supor
um autêntico handicap para a formação de um Governo conservador se,
como prevêem algumas sondagens, o PP e o C's, com a ajuda não desejada, mas
numericamente imprescindível, da ultra-direita representada pelo Vox,
conseguirem no Parlamento nacional um número suficiente de lugares para amargar
a previsível vitória, segundo todas as sondagens, do Partido Socialista
Operário Espanhol (PSOE, social-democrata), embora sem maioria suficiente para
formar Executivo sozinho.
Daí que tenha caído como uma
pedra nas fileiras destes partidos que aspiram a governar Espanha um
recentíssimo episódio de flibusteirismo político que causou um considerável
aumento da tensão entre o PP e o C's. Trata-se da fuga para as fileiras do
partido liderado por Albert Rivera de um peso-pesado da direcção do PP, Ángel
Garrido, que no maior dos segredos desertou das hostes conservadoras de Casado
para abraçar em poucas horas o credo liberal do Ciudadanos.
Garrido era até há duas semanas
presidente do Governo autónomo da Comunidade de Madrid, uma das autoridades
mais poderosas do conglomerado administrativo nacional. Tinha vindo substituir
há um ano a anterior presidente, Cristina Cifuentes, que se viu obrigada a
demitir-se devido a um obscuro episódio de alteração da sua tese de
doutoramento e a um vídeo captado nuns grandes armazéns no qual se via como
Cifuentes se apropriava, aparentemente, de uns boiões de cosméticos.
Garrido não parecia contar com
muitas simpatias no sector que ajudou Pablo Casado a ganhar as eleições
primárias que o conduziram à presidência do PP, em substituição do demitido
Mariano Rajoy, entre outras coisas porque o até há pouco presidente da
Comunidade de Madrid havia apoiado para esse cargo a rival mais directa de
Casado, María Dolores de Cospedal, na época secretária-geral do PP e braço
direito de Rajoy. Viu-se claramente que Garrido não gozava da confiança de
Casado quando há dez dias, no momento de elaborar as listas para as eleições
autonómicas, municipais e europeias que se irão celebrar em Espanha dentro de
um mês, o sucessor de Cifuentes se achou secundarizado como aspirante a
revalidar a presidência por uma pessoa do círculo íntimo de Casado, María
Isabel Díaz Ayuso. Como prémio de consolação, Ángel Garrido foi colocado como
número 4 nas listas do PP para as eleições do Parlamento europeu de
Estrasburgo, um cargo muito cómodo e muito bem remunerado (8.000 euros mensais
mais despesas). No mesmo dia em que assinava na sede do PP em Madrid a
aceitação dessa lista, Garrido negociava em segredo com altos dirigentes do
Ciudadanos a sua espectacular adesão à formação liberal, sem nenhum aviso
prévio nem advertência anterior.
Foram estas atitudes, próprias de
um acto calculado de vingança, que incomodaram sobremaneira a direcção do PP,
onde não se coíbem de apelidar de "traidor" e de
"trânsfuga" o político madrileno, que declarou sentir-se mais à
vontade com o credo "liberal, dialogante, moderado e centrista" que o
Ciudadanos imprimiu ao partido do que com a "viragem à direita" e de
aproximação ao extremismo do Vox que Garrido constata no PP de Pablo Casado.
Entretanto, ambos os grupos trocam acusações entre si, das quais terão de se
arrepender no caso de, como parece, na próxima segunda-feira precisarem de
explorar uma fórmula de Governo que afaste o PSOE do caminho para o palácio da
Moncloa, sede do Executivo. No Ciudadanos consideram o PP "um fantasma do
velho bipartidarismo", enquanto no PP descrevem o Ciudadanos como "o partido
dos inconstantes e dos trafulhas".
Angel Luís de la Calhe | Expresso
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