segunda-feira, 27 de maio de 2019

A mascarada da União Europeia

Thierry Meyssan*

Para Thierry Meyssan, os Europeus estão cegos porque não querem ver. Persistem em acreditar que a União Europeia significa paz e prosperidade, apesar dos fracassos incontestáveis nestes dois domínios. Eles imaginam que existe uma oposição interna entre patriotas e populistas, quando estes dois grupos se colocam debaixo do Pentágono contra a Rússia. A estratégia internacional do pós-Segunda Guerra Mundial é prosseguida sem que eles disso tenham consciência e em seu detrimento.

Na sequência da sua vitória comum na Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos e o Reino Unido adoptaram a visão sobre o seu aliado soviético descrita pelo Embaixador dos EUA em Moscovo, George Kennan. Segundo eles, a URSS era um Império totalitário que tentava conquistar o mundo. Deram, pois, um volte-face e conceberam a estratégia da contenção (containment). O mundo podia ser dividido em três: a parte já esmagada pelos Soviéticos, o mundo ainda livre, e o mundo a descolonizar que era necessário preservar do ogre soviético.

No início, esta análise podia parecer certa com Stalin ainda deportando populações para o gulag. Mas, pelo menos, após a sua morte ela já era obviamente errada. Deste modo, Che Guevara, Ministro da Economia cubana, escreveu um livro contra o modelo soviético, e continuou a Revolução em África sem aí se referir aos soviéticos, embora contando sempre com o apoio deles.

Seja como for, os Estados Unidos e o Reino Unido decidiram proteger a Europa Ocidental do jugo soviético criando, para tal, os «Estados Unidos da Europa». Este projecto lembra o dos Europeus do início do século XX, de se unirem em vez de fazer a guerra uns aos outros, mas acontece que ele é de natureza completamente diferente. Pelo contrário, deve-se compará-lo aos da Liga Árabe ou da Organização dos Estados Americanos, que foram edificados ao mesmo tempo.


Raras foram as personalidades oeste-europeias que se opuseram a este projecto. No entanto, tirando lições da partilha do mundo saído da Conferência de Yalta, os gaullistas e os comunistas franceses, preservaram a sua aliança da Guerra Mundial. Eles cuidaram de impedir a criação de uma estrutura supra-nacional de modo a que cada nação permanecesse quase soberana sob as bandeiras dos EUA e da Grã-Bretanha. Foi por isso que se opuseram, conjuntamente, ao comando integrado da OTAN e à maneira como os Anglo-Saxões reformulavam a construção europeia. Segundo eles, a Europa incluía todo o continente «de Brest a Vladivostok». Com efeito, os Ingleses haviam-se afastado da cultura europeia desde que tinham criado o seu particular sistema jurídico, e os Russos haviam estendido a cultura europeia ao conquistar a Sibéria.

Estes debates deveriam ter acabado com a dissolução da URSS, em 1991. Não foi esse o caso. O Secretário de Estado James Baker anunciou, pelo contrário, que as Comunidades Europeias e a OTAN integrariam todos os Estados europeus liberados do jugo soviético, o que todos aceitaram. Simultaneamente, ele mandou elaborar o Tratado de Maastricht que transformou o continente nos «Estados-Unidos da Europa» sob tutela da OTAN. A sua moeda única, o euro, teria ser instaurada a um nível equivalente ao do dólar, o que aconteceu muito rapidamente para poder ser o caso. Sempre desconfiados em relação à Rússia, Washington e Londres recusaram que ela aderisse à União Europeia, mas associaram-na ao seu Poder abrindo-lhe a porta do G7, que se tornou o G8, agora com poderes de decisão.

Este período de incerteza chegou ao fim, em 1999, com a queda de Boris Yeltsin e a ascensão ao poder de Vladimir Putin. As instituições controladas por Washington endureceram. A estratégia de containment --- que falhara durante a Guerra Fria --- foi reactivada, com o urso russo substituindo o urso soviético no imaginário Anglo-Saxão. Por fim, hoje em dia, Washington estabeleceu, sob pretextos diversos, veja-se sem qualquer pretexto, todo o tipo de sanções económicas, políticas e militares contra Moscovo, que acabou expulso do G8.

As eleições para o Parlamento Europeu, que se realizam de 23 a 26 de Maio, e a do Presidente da Comissão Europeia que se seguirá, só podem e só devem ser entendidas neste contexto histórico e estratégico. Os Estados Unidos decidiram confiar a presidência da Comissão a Manfred Weber com a missão de sabotar o fornecimento da União Europeia em hidrocarbonetos russos. A sua primeira batalha será a de fazer interromper os trabalhos de construção do oleoduto Nord Stream 2, apesar dos biliões de euros já investidos e dos bilhões que ele permitirá economizar.

Para que o Parlamento eleja democraticamente Weber, não é necessário que ele seja apoiado por uma maioria de parlamentares. Basta que o seu grupo, o PPE, acabe em primeiro lugar. Washington preparou, pois, uma assembleia dominada pelo Partido Popular Europeu (PPE), depois, em segundo lugar, pelo grupo da Europa das Nações e das Liberdades (ENL).

Steve Banon foi enviado para aconselhar Matteo Salvini e criar um grupo de partidos identitários (mas não independentistas). Ele tratou de garantir que o ENL não possa ganhar a maioria. 

- Para isso, apesar dos esforços de Salvini, o partido polaco (polonês-br) Direito e Justiça foi persuadido a ficar no seio dos Conservadores e Reformistas Europeus (CRE) em troca de um aumento «significativo» de soldados dos EUA no seu território. 

- Donald Trump recebeu, a 13 de Maio, o Húngaro Viktor Orbán na Casa Branca e instou-o a manter o seu partido no PPE em troca de armas e de gás natural. 

- Finalmente, um vídeo foi revelado pela imprensa alemã. Ele mostra Heinz-Christian Strache, o chefe do Partido da Liberdade austríaco (FPÖ) a ser corrompido. Este vídeo, que já é antigo, foi encenado e filmado por uma mulher que se apresentou como uma agente russa, mas que segundo tudo aparenta é uma agente da CIA.

Contrariamente ao que martela a imprensa, não nenhuma há oposição de fundo entre o Partido Popular Europeu (PPE) e o grupo Europa das Nações e das Liberdades (ENL). Todos se entendem sob a tutela da OTAN, a qual implica o essencial das decisões políticas. O que há é apenas uma divisão de papéis.

A propaganda oficialista de realização das eleições não para de repetir que «a Europa, é a paz e a prosperidade». Ora, este slogan é incompatível com a missão anti-russa da União Europeia. 

- Em termos de paz, a União não foi capaz de libertar Chipre, continuamente ocupado desde 1974 (mas que só aderiu à União em 2004). O Exército turco controla um terço do território e criou uma autoridade colaboracionista sob o nome de «República Turca do Chipre do Norte». Os Cipriotas que aí vivem não puderam ser inscritos nas listas eleitorais do Parlamento. Não só Bruxelas zomba da sua sorte como também estende o tapete vermelho ao Presidente turco, Recep Tayyip Erdoğan, que enche com biliões de subsídios. Ora, é um facto que a Turquia é um membro da OTAN. 

- No que diz respeito ao crescimento económico, a União ---que não esperou pelo caso Nord Stream 2--- já aplicou tão bem a estratégia dos EUA que estagna quando o resto do mundo se desenvolve. Durante a década seguinte à crise financeira de 2018, a China conheceu um crescimento de + 139%, a Índia de + 96%, os Estados Unidos de + 34%, enquanto a União Europeia caiu em -2%.

A campanha eleitoral prossegue à escala dos Estados-Membros, uma vez que ainda não há sentimento europeu. Ou seja, não há nenhum partido político a nível europeu, mas, sim, uniões de partidos políticos de cada Estado. Também não há uma jornada eleitoral única, mas, antes eleições distintas ao longo de 4 dias segundo as tradições nacionais.

A abstenção deverá ser maciça, tendo os eleitores a sensação difusa de que tudo isto não é nem claro, nem honesto. Mais de metade dos eleitores irão boicotar as urnas (muito embora em certos países a votação seja obrigatória). Por conseguinte, mesmo que os procedimentos de votação sejam perfeitamente democráticos, o resultado não irá representar a vontade do conjunto do eleitorado. Portanto, ele não será democrático. Manfred Weber será eleito por uma minoria do Parlamento, este mesmo escolhido por uma minoria de eleitores.

Thierry Meyssan* | Voltaire.net.org | Tradução Alva

*Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: Sous nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación(Monte Ávila Editores, 2008).

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