Londres mantém-no preso por
delito ínfimo. Mas Washington e Estocolmo pedem sua extradição. Nos EUA, ele
poderá ser julgado com base na Lei de Espionagem, enviado a um presídio de
segurança máxima na Califórnia e de lá não sair mais
Charles Glass | Outras
Palavras | Tradução: Antonio Martins | Imagem: Van Gogh, O
Pátio da Prisão, 1890, detalhe
Enquanto Julian Assange definha
na Belmarsh Prison, um presídio de segurança máxima no sul de Londres, uma
corte britânica está decidindo sua sorte. Este australiano de 48 anos, fundador
do Wikileaks, está preso, em termos formais, pelo crime mínimo de fuga, ao
buscar asilo na embaixada equatoriana no Reino Unido em 2012, para evitar a
extradição para a Suécia. Seu medo, àquela época, era que os suecos, que tem
histórico de entregar aos EUA os “suspeitos” desejados por Washington,
obrigassem-no a fazer a cruzar o Atlântico. Agora que Assange perdeu seu
refúgio diplomático, 70 membros do parlamento britânico podem despachá-lo para
a Suécia, se os procuradores de lá reabrirem o caso que encerraram em 2017. A maior ameaça para
sua liberdade é o pedido de extradição do Departamento de Justiça dos EUA, que
quer colocá-lo diante de um júri, por conspiração, com Chelsea Manning, para
hackear um computador do Estado.
Washington insiste em que não
pedirá pena de morte para Assange. Se o fizesse, o Reino Unido e outros Estados
europeus não poderiam extraditá-lo. A sentença máxima para o crime de
hackeamento são cinco anos, mas não há garantia alguma de que, uma vez nos EUA,
o fundador do Wikileaks não sofra novas acusações, baseadas na Lei de
Espionagem de 1917, que o ex-presidente Barack Obama usou contra nove
indivíduos por supostamente vazarem informações secretas ao público. A sentença
para este crime poderia ser morte ou prisão perpétua. Se Assange for engolido
pelo sistema judicial dos EUA, ele pode nunca ser visto de novo.
Seu destino mais provável seria a
“Alcatraz das montanhas”, também conhecida como a Instalação Penitenciária
Administrativa Máxima dos EUA, ou ADMAX, em Florence, no Colorado. Entre seus
400 prisioneiros estão Ted Kaczynski, o “Unabomber”; Dzhokhar Tsarnaev, o
terrorista da Maratona de Boston; Robert Hanssen, o agente do FBI acusado de
ter se tornado espião russo; Terry Nichols, um dos autores do atentado a bomba
em Oklahoma. O regime da prisão é tão rude quanto seus habitantes: 23 horas ao
dia de confinamento numa cela de concreto com uma janela de dez centímetros de
largura, seis inspeções por semana e uma sétima nos fins de semana, uma hora de
exercícios numa cela sem teto, jatos de água de 1 minuto para “estimular”,
revistas à vontade do pessoal da prisão.
Se o Departamento de Justiça de
Trump ampliar as acusações, para enquadrar Assange na Lei de Espionagem, um
jornalista pode passar o resto de sua vida em ADMAX, entre assassinos,
traidores e negociantes de drogas.
Visitei Assange com frequência
nos últimos oito anos, primeiro na casa de fazenda de Vaughan Smith, um
ex-oficial do exército britânico e câmera de TV, onde Assange viveu em prisão
domiciliar por um ano e meio. O local onde o vi mais tarde foi a sala aborrecida
de uma embaixada, com uns 60m² de área, sem nenhum espaço exterior. Não era
ideal, mas melhor que ADMAX. Advogados, apoiadores e amigos apareciam sem
aviso, para fazer companhia. John Pilger, alguns outros amigos e eu levamos a
ele mais de um jantar de Natal. À medida em que os meses passavam, sua pele
tornou-se cada vez mais pálida, pela falta de luz do sol, e sua saúde
deteriorou-se. O Dr. Sean Love, que integra uma equipe médica com a Dra. Sondra
Crosby, do Centro Médico de Boston; e o psicólogo Brock Chisholm, que realizou
avaliações regulares desde 2017, disseram: “Ele não tem acesso a cuidados
médicos”. O Dr. Love queixou-se de que os médicos estavam sob constante
vigilância eletrônica, um violação da relação médico-paciente, e o governo
britânico não permitiu salvo-conduto para um hospital, para uma cirurgia dental
urgente. Os tabloides britânicos zombavam da higiene de Assange, mas ignoravam
o que o Dr. Love chamou de “efeitos deletérios de sete anos de confinamento,
cujos riscos incluem danos neuropsíquicos, enfraquecimento dos ossos,
comprometimento das funções imunes, ampliação dos riscos de doença
cardiovascular e de câncer”. Ao reagir ao mito segundo o qual Assange não se
banhava, Dr. Love insistia: “é uma difamação, feita para degradar sua humanidade”.
Ele acredita que “o efeito combinado da dor e do sofrimento infligidos a ele é
claramente uma violação da Convenção 1984 sobre Tortura, especificamente dos
artigos 1 e 16”.
Em minha última reunião com
Assange, este ano, a energia que recordo do primeiro encontro, em janeiro de
2011, não havia sido afetada. Ele fez café, de olho nas câmaras de vigilância,
na minúscula cozinha e em todas as outras salas da embaixada, que gravavam cada
movimento seu. Falamos por cerca de uma hora, quando um funcionário da
embaixada ordenou-me sair. Falamos sobre sua saúde, sua estratégia para ficar
fora da prisão e a acusação do Comitê Nacional do Partido Democrata (DNC) dos
EUA, segundo a qual ele conspirou com Donald Trump e com a Rússia para hackear
e-mails do partido e publicá-los. O DNC alegava que Assange havia revelado seus
“segredos comerciais”, uma referência aos métodos também usados para privar
Bernie Sanders da candidatura à Presidência. Para perseguir um
jornalista-editor, o DNC está usando a Lei sobre Organizações Corruptas e
Influenciadas, de 1970, concebidas para controlar o crime organizado. Se
bem-sucedida, a tentativa estabelecerá um precedente que deveria preocupar a
imprensa em toda parte.
Os advogados pessoais de Trump
insistem em que nenhum crime foi cometido e, portanto, não houve conspiração
criminosa. Isso não impedirá que o Departamento de Justiça, sob comando do
procurador-geral nomeado por Trump, de lançar acusações contra Assange, não
apenas por supostamente trabalhar com Manning, para ter acesso a segredos do
governo, mas também para investigar como Assange obteve documentos
confidenciais dos Departamentos de Defesa e de Estado, assim como o programa de
hackeamento da CIA que o WikiLeaks publicou em 2017, sob nome de Vault 7. O
jornal londrino The Guardian, que já colaborou com Assange, acusa-o
de se encontrar com o ex-coordenador de campanha Paul Manafort na embaixada.
Assange disse: “Nunca me encontrei ou falei com Paul Manafort”. O livro de
registros da embaixada, assinado por todos os visitantes, não tem registro de
Manafort.
Assange disse que as restrições e
a vigilância tornaram-se punitivas. Já não havia nenhum lugar na embaixada fora
do alcance das câmeras e microfones. “É o Show de Truman”, brincou. Sabíamos
que os equatorianos estavam espiando, mas ele acreditava que eles ofereciam as
gravações aos EUA. Alguém monitorando as câmeras deve ter-me visto tomando
notas, porque um funcionário da embaixada veio a nossa sala e me mandou sair. “No
journalists”, Assange explicou. Foi nossa última conversa. Era noite de
sexta-feira. Quando saí, a embaixada fechou, os funcionários saíram e Assange
ficou inteiramente só até segunda pela manhã.
O caminho para para a prisão de
Belmarsh começou em 2006, quando o WikiLeaks expôs a tentativa de um líder
rebelde somali de assassinar funcionários do governo. Em seguida vieram
detalhes dos procedimentos chocantes nas instalações de detenção dos EUA, na
Base Naval de Guantánamo, em Cuba. Eles levaram os EUA a fechar o site do
WikiLeaks, que foi rapidamente resgatado. Assange expôs então as atividades da
Igreja da Cientologia e, em 2010, as transgressões ilegais das forças armadas
dos EUA no Afeganistão e Iraque – por meio de documentos em que as partes
acusavam a si mesmas.
Colaborava com o WikiLeaks um consórcio
dos jornais-líderes, no mundo: o New York Times, o Guardian, El
País, Le Monde. Se Assange violou a lei, estavam junto com ele neste ato.
Ao editar milhares de documentos do WikiLeaks, para evitar a identificação de
fontes sensíveis de “inteligência”, os jornais apresentaram as guerras contra o
Afeganistão e o Iraque de maneiras que contrariavam a linha oficial. Uma das
revelações mais lembradas é um vídeo militar de uma
tripulação de helicóptero norte-americana deleitando-se ao matar a tiros dois
jornalistas da Reuters e dez outros civis, nas ruas do Iraque. Quando os
investigadores dos EUA descobriram que a fonte dos vazamentos era um analista
de “inteligência” chamado Bradley Manning, prenderam-no, em maio de 2010.
Bradley, um soldado transgênero que tornou-se Chelsea, foi condenado a 35 anos
de prisão por espionagem, em agosto de 2013. Obama comutou a sentença de
Chelsea em janeiro de 2017, mas deixou o caso de Assange aberto.
Entre as revelações seguintes do
fundador do WikiLeaks estavam os e-mails do presidente sírio, Bashar al-Assad,
sem amigos em Washington. Assange estava se tornando um rock star da liberdade
de expressão. Nesta condição, atraiu fãs. Até aí, tudo normal. Então, ele foi à
Suécia, onde duas mulheres o denunciaram à polícia por má conduta sexual.
A polícia sueca encerrou a
investigação e permitiu-lhe deixar o país, mas os procuradores revisaram o caso
e demandaram que Assange retornasse à Suécia para um entrevista. Fontes na “inteligência”
sueca disseram-me à época que acreditavam que Washington encorajara Estocolmo a
sustentar o caso. Assange ofereceu-se para ser entrevistado em Londres, onde
sentia-se mais seguro de extradição aos EUA que na Suécia. Os suecos, embora
nunca tenham acusado Assange por crime algum, pediram extradição. A polícia
britânica prendeu-o para que fosse submetido a uma audiência judicial.
Assange foi enviado primeiro para
a cadeia e em seguida para prisão domiciliar na fazenda de Vaughan Smith.
Quando a corte ao fim determinou enviá-lo à Suécia, ele solicitou e recebeu
asilo na embaixada do Equador. As condições não eram ideais, mas o presidente
equatoriano e o embaixador deram-lhe pleno apoio. Os visitantes – eu inclusive
– entravam em saíam. Nesse período, a Suécia encerrou a investigação sobre as
alegações das acusadoras. Isso deixou Assange diante apenas de uma acusação de
fuga na Inglaterra, pela qual ele receberia apenas uma leve multa. Contudo, se
deixasse a embaixada para reportar-se à corte, ele temia que os EUA iriam
desencadear seu indiciamento e pedir sua extradição.
Em 24 de maio de 2017, Lenin
Boltaire Moreno Garcés tornou-se presidente do Equador e a vida de Assange
mudou. Aliado de Trump, necessitado de empréstimos do FMI, Moreno substituiu o
embaixador por um funcionário hostil à presença de Assange na embaixada. Embora
o regime anterior tivesse oferecido cidadania ao fundador do WikiLeaks, com
base nos cinco anos que ele passara efetivamente em solo legal equatoriano, o
novo governo cortou seu acesso a telefone e internet, e restringiu o número de
visitantes. A equipe da embaixada mudou. Os novos funcionários tornaram-se
menos cordiais aos visitantes como eu, e eram visivelmente hostis a Assange.
Por fim, Moreno jogou no lixo o princípio do asilo político e disse à polícia
britânica para entrar e levar Assange. Os EUA apresentaram o indiciamento que
Assange sempre disse estar sendo preparado. Ele agora aguarda para saber se
alguma vez estará livre de novo, enquanto os jornalistas que publicaram os
documentos que vazou continuam trabalhado sem temer processo e, em alguns
casos, brandem os prêmios jornalísticos que ganharam, enquanto denunciam o
homem que tornou a premiação possível.
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