Manuel Carvalho da Silva | Jornal
de Notícias | opinião
A Organização Internacional do
Trabalho (OIT), cuja criação em 2019 constituiu "o contrato social
universal mais ambicioso da história", encarregou uma comissão mundial -
tem como copresidentes Stefan Lofven, primeiro-ministro da Suécia, e Ciryl
Ramaphosa, presidente da África do Sul - de elaborar um relatório sobre o
futuro do trabalho.
Este relatório, "Trabalhar
para um futuro melhor", deverá inspirar os debates da 108.ª sessão da
Conferência Internacional do Trabalho e deve constituir o ancoradouro da previsível
Declaração do Centenário. Foram convidados a estar presente os chefes de Estado
e de Governo. O seu conteúdo, de caráter institucional reformista, ancora-se
numa observação profunda da sociedade, sem determinismos bacocos ou sujeições
ao mainstream, como acontece com muitos "estudos científicos" que
hoje nos são disponibilizados.
Por que razão um relatório de tão
profundo conteúdo não merece espaço nos nossos órgãos de comunicação, quando
vemos qualquer estudo com conclusões requentadas sobre a Segurança Social, o
trabalho, a saúde, a proteção social ou o ensino merecer horas de discussão,
desde que venha carregado de alarmismos que atrofiem o futuro das pessoas?
Os dirigentes políticos e os
empregadores vão preparar-se para responder aos desafios do relatório com
competência e seriedade, assumindo a responsabilidade de que "temos pela
frente inúmeras oportunidades para melhorar a qualidade de vida dos
trabalhadores e das trabalhadoras", de que é preciso "aproveitar o
momento para revitalizar o contrato social" e encarar as novas forças que
estão a transformar o trabalho com uma "agenda centrada no ser
humano"?
O relatório dá relevo a múltiplos
fatores da "era do digital", da inteligência artificial, da robótica
e dos sensores, mas expressa: "A discussão sobre a tecnologia no futuro do
trabalho tendeu a centrar-se nas questões da criação e destruição de empregos e
na necessidade de reconversão profissional. A agenda centrada no ser humano
requer uma atenção igualmente urgente" (p.44).
A era do digital é também a era
dos bloqueios ambientais e ecológicos, de vivos confrontos entre democracia e
autoritarismo, de profundas e irracionais desigualdades, do aumento da
esperança de vida e de novas dinâmicas demográficas, da mercantilização do
trabalho, quando "o trabalho não é uma mercadoria que possa ser vendida
nos mercados ao preço mais baixo" (p. 39), de grandes mudanças
geopolíticas e geoestratégicas e de nova divisão social e universal do
trabalho.
Como se defende no relatório, é
preciso aproveitar as mudanças não para excluir mas sim para integrar e criar
emprego; garantir os direitos individuais e coletivos, rendimentos e segurança;
trazer todos os trabalhadores para dentro dos sistemas de segurança social e de
proteção social, que se querem universais e solidários; reforçar as
instituições do trabalho, as organizações sindicais, a negociação coletiva e o
diálogo social; expandir a soberania dos trabalhadores sobre o tempo; assegurar
dimensões positivas e propositivas nas políticas públicas e o direito à educação
e à formação ao longo da vida a todos os cidadãos.
O avanço tecnológico não tem de
ser apocalítico. Forcemos a sua utilização ao serviço dos seres humanos.
*Investigador e professor
universitário
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