Carla Melo* | Plataforma | opinião
A China, comummente designada por
Império do Meio, leva o "termo à letra". Desde o início da
civilização chinesa que as máximas de centralidade e isolamento caracterizavam
o modo como o país se ia estabelecendo no mundo: inicialmente escondido e
recatado, o único ciente da sua grandeza; agora, ciente da necessidade de
afirmação através da participação na cena política internacional, com um
multilateralismo "lucrativo", por alguns visto como duvidoso.
De acordo com essa mesma
pretensão, grande parte da ação política da China para com o seu mar tem sido
de caráter absoluto, pois basta olhar para a configuração geográfica do país
para perceber a necessidade, senão a obrigatoriedade, de controlar este mar tão
importante não só em termos de recursos como também em termos económicos: a
"nine-dash line", que corta as Zonas Económicas Exclusivas da Malásia
e de Brunei é correta, legal, soberana e representada nos mapas marítimos da
China; as ilhas Spratly e Paracel, disputadas entre a China, Taiwan, Vietname e
Filipinas, são chinesas e a justificação histórica é o suficiente para que
assim seja. Com isto, entendemos que o Mar do Sul da China é um "mar de
conflito", em iminência de militarização, um foco de dinâmicas
geopolíticas intensas, onde ainda não se chegou a Clausewitz e à sua teoria da
guerra total, mas onde Sun Tsu - centrado na capacidade de dissuasão para
estabelecer controlo sobre o outro - parece já não oferecer a explicação
necessária e suficiente. Este "mar de conflitos" é também uma
demonstração perfeita da geopolítica de recursos, onde os Estados Unidos da
América vão-se envolvendo crescentemente.
E as Nações Unidas? E a ASEAN
(Associação das Nações do Sudeste Asiático)? A ONU, ou melhor, a Convenção das
Nações Unidas sobre o Direito do Mar cria limites, condena, avisa sobre esta
militarização e sobre as consequências que a mesma poderá trazer, mas nada
mais. No fundo, e como sempre tem sido, a sua capacidade de atuação é bastante
limitada e sempre assombrada pelos grandes monstros chamados "soberania"
e "não interferência nos assuntos internos".
A ASEAN, por sua vez, ainda
apresenta problemas de génese: juntar, numa só mesa, inimigos históricos,
amigos recentes e diversidade cultural é, por si só, um desafio enorme. Daí que
olhar para o Mar da Sul da China com objetividade, sancionar e apresentar
resoluções é todo um processo que, neste momento, ainda não é possível de se
concretizar. E aqui temos de falar, de novo, dos EUA e da sua ingerência nesta
organização, já que não é por acaso que Rodrigo Duterte cantou uma belíssima
balada ("You are the light") a Donald Trump durante a conferência da
ASEAN no passado dia 12 de novembro de 2017: é necessário usar a diplomacia
para dar continuidade a um pacto de defesa (e de satisfação) mútuas.
No final de tudo, com mais ou
menos conflito, com mais ou menos tensão, a China está a tentar reconfigurar o
contexto geopolítico mundial. É importante ter sempre em mente que a China é
imensamente ligada à sua história, ao seu passado e a tudo aquilo que pode ter
perdido. "Perder a face" é perder a dignidade e a China, nas últimas
décadas, tem lutado para ganhar a sua face de volta, onde ganhar soberania
sobre o seu "mar de conflitos" faz parte do "Chinese Dream"
e, em parte, da sobrevivência do mesmo.
*Carla Melo é aluna do curso
avançado "A China e os Países de Língua Portuguesa na Economia Mundial:
Comércio, Turismo, Cooperação e Desenvolvimento", Faculdade de Economia da
Universidade de Coimbra.
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