Anselmo Crespo | Diário de Notícias
| opinião
A crise do centro direita não é
nem um mito nem um prognóstico. É uma realidade que nasceu muito lá atrás e
que, não tendo ainda atingido o seu epílogo, pode estar muito próximo dele. Há
quatro anos, António Costa não se limitou a "roubar" o poder ao PSD e
o CDS. Roubou-lhes também a agenda e desatou a correr em direção à esquerda,
enquanto o centro direita ficou a esvair-se em sangue. Até hoje.
Passos Coelho, que resistiu até
às autárquicas com o discurso do diabo, acabou mesmo por chocar de frente com
ele. Não foi para o inferno, mas acabou por ser atirado para uma espécie de
purgatório político, de onde muitos - incluindo, quem sabe, o próprio - ainda
esperam que, um dia, consiga sair.
Se Santana Lopes representava uma
espécie de evolução na continuidade, Rui Rio era uma velha novidade que acabou
por tornar-se na única esperança do PSD para recuperar um eleitorado que Passos
Coelho e a troika tinham deitado borda fora, mas que o Partido Socialista,
apesar de tudo, não tinha conseguido aproveitar até às legislativas de 2015.
Mão de ferro, limpezas profundas, recentramento do partido, uma política para a
classe média, sem nunca perder o foco no rigor das contas públicas, Rui Rio
prometia ser tudo isto e, ao mesmo tempo, um político de carne e osso, que diz
o que pensa e pensa tudo o que diz.
Um ano e meio depois, o que sobra
deste PSD? Para quem fala o partido? Que alternativa tem para o país? Quem é o
eleitorado deste PSD? Entre crises internas, discussões estéreis e uma
estratégia de oposição ziguezagueante e permanentemente equívoca, Rui Rio
perdeu-se na tradução dos objetivos que delineou para o partido e para si
próprio. Para lá de dois acordos que assinou com o governo - sobre fundos
comunitários e descentralização -, todos os temas que tentou impor na agenda
política nacional acabaram por implodir nas contradições internas, nos
protagonistas que lhe deram voz ou no amadorismo da comunicação. Não sendo o
único responsável pela situação do partido - longe disso - é, neste momento o
principal. Por ser o presidente do PSD em funções, mas, sobretudo, porque Rio
insiste em seguir em contramão achando que todos os que estão a vir contra ele
é que estão errados e ele é que está certo.
O teste não será muito difícil de
fazer. Basta encomendar um estudo de opinião e perguntar às pessoas: qual
é a principal mensagem do PSD hoje em dia? O que distingue, neste momento, o
PSD do PS? As conclusões, estou em crer, não serão muito animadoras para a
liderança de Rui Rio.
Não por acaso, esta semana, na
TSF, Manuela Ferreira Leite sentiu necessidade de sugerir ao centro direita uma
nova abordagem de oposição ao Governo: o défice das contas públicas, que antes
nos afetava por excesso e que agora, segundo a ex-ministra das finanças, nos
afeta por defeito.
Do lado do CDS, a crise é
proporcional à dimensão e às características do partido. Menos óbvia e sempre
com o efeito de arrastamento do PSD, que é historicamente o motor do centro de
direita em Portugal. Assunção Cristas confundiu ambição com realismo. Oposição
com guerrilha. No processo, esqueceu-se que o eleitorado, apreciando um bom soundbyte de
vez em quando, não é estúpido. E que a política também se faz de propostas
concretas - prova disso é a mudança óbvia de estratégia depois do desaire das
Europeias -, de bandeiras que as pessoas compreendam e, sobretudo, de
coerência.
E este é outro dos fatores que
ajuda a explicar a crise do centro direita. Aos olhos do eleitorado, o PSD e o
CDS perderam legitimidade para criticar a elevada carga fiscal, a falta de
investimento público, as cativações ou a obsessão pelo défice. Porque fizeram
igual ou pior. Porque, enquanto houver um Novo Banco para pagar, dificilmente
alguém se esquecerá de quem tomou a decisão. Não que esta leitura seja
totalmente justa, porque não o é. Com todos os erros que foram cometidos -
muitos deles assentes em preconceitos ideológicos -, PSD e CDS governaram num
período de crise e de assistência financeira. Dito de outra forma, governaram
um país falido. O problema é que a memória humana, às vezes, é curta. Outras
vezes, é muito seletiva.
Quatro anos depois, o centro
direita em Portugal não só continua amarrado a um dos períodos mais negros da
vida do país - mesmo havendo outros responsáveis -, como não teve a capacidade
de se reinventar, no conteúdo e na forma. É por isso que Marcelo Rebelo de
Sousa tem razão quando antecipa uma crise, ainda que o tenha feito com uma
ligeireza pouco própria de um Presidente da República.
O eleitorado do centro direita
não desapareceu, só decidiu não comparecer. Está distante, confuso e,
claramente, à espera que o PSD, o CDS ou outro partido qualquer lhe ofereçam
uma visão para o país. Para já, o PS continua virado para a esquerda. Mas, um dia,
talvez mais cedo que tarde, António Costa regressará para tentar reconquistar o
centro de que abdicou nos últimos quatro anos. Porque é aí que pode estar a
chave para a maioria absoluta.
Sem comentários:
Enviar um comentário