Pedro Ivo Carvalho* | Jornal de
Notícias | opinião
Não abriu telejornais. Não
motivou discursos grandiloquentes de pensadores de proa. Não deu azo a leituras
sociológicas, ideológicas ou de outra índole.
Ninguém ousou deitar o país no
divã porque mil cidadãos anónimos de Sobrado, Valongo, saíram à rua num feriado
encostado a um fim de semana de sol para protestar contra um aterro sanitário
que lhes desgraça os dias há anos. Mas mil cidadãos de uma freguesia onde vivem
menos de sete mil pessoas decidiram vestir-se de negro no Dia de Portugal por
um interesse comum: mitigar os efeitos ambientais de um depósito que recebe
diariamente 300 toneladas de lixo e lhes diminuiu sobremaneira a qualidade de
vida. Não foram festejar uma taça nem um campeonato. Foram dar envergadura a um
dos preceitos básicos de qualquer democracia robusta: intervir diretamente na escolha
do caminho.
Ora, é precisamente nestes
movimentos inorgânicos que se fortalece o sentido de pertença que nos distingue
e nos completa, é nestas formas de expressar a cidadania que habita a ténue convicção
de que não nos rendemos ao irrecuperável divórcio entre eleitores e eleitos. O
exemplo de Sobrado é local, mas encerra uma mensagem nacional. A de que não
estamos reféns de grandes realizações para fazermos a diferença. Que essa
diferença pode e deve começar na nossa rua, no nosso bairro, na nossa
freguesia. Na nossa comunidade.
Sempre que um novo 10 de Junho se
cumpre, vestimos o fato de gala para revisitar sentenças: os portugueses
acumulam qualidades ímpares, mas há quistos sistémicos que nos agarram ao
fundo. Há quanto tempo é assim? Provavelmente, desde sempre. A democracia
participativa, pináculo do civismo e da educação, exerce-se nos pequenos
gestos, na força aglutinadora de um grupo que se une na procura de um desígnio.
É dessa aparente simplicidade que se alimenta o caráter de um país.
*Diretor-adjunto
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