Elementos estrangeiros do
exército das sombras (paramilitares, mercenários e
forças especiais)
A ofensiva imperialista contra a
Venezuela segue em muitos aspectos um modelo bem conhecido. Aliás, a
administração Trump confirmou-o quando encarregou Elliott Abrams da questão
venezuelana. A cúpula imperialista há muito tem como aliado preferencial a escumalha
do mundo do crime organizado e da extrema-direita. Da Colômbia a Israel,
mobiliza-a e arma-a contra o processo bolivariano. E paga-a com os milhões
roubados à nação venezuelana, parte dos quais passa por Portugal.
Em 14 de Março de 2018, Erick
Prince, fundador da empresa privada Blackwater Military Company, reuniu cerca
de cem celebridades no seu rancho de Virgínia. O convidado de honra naquele dia
não era outro senão Oliver North, a figura principal juntamente com Elliott
Abrams - o actual enviado especial dos EUA à Venezuela - para a guerra suja
contra a Nicarágua na década de 1980 ( ). Este retorno de Erick Prince ao
centro das atenções, depois de ter sido marginalizado pelos governos dos EUA
(tal como o seu colega Abrams), deveria ter sido um sinal de alerta. Mas é
apenas um ano depois que descobrimos que o fundador da Blackwater se estava a
preparar para recrutar 5.000 mercenários por conta de Juan Guaidó (). Este
plano macabro não teria, por agora, encontrado eco na Casa Branca, todavia
sensível à influência de Prince, nem o financiamento necessário de 40 milhões,
soma ridícula se se considerar o roubo pela administração dos EUA de milhares
de milhões pertencentes ao Estado venezuelano.
No entanto, o recrutamento de
mercenários já começou. Em 29 de Novembro de 2018, o presidente Maduro
denunciou num discurso televisionado a constituição de um batalhão de 734 cães
de guerra nas bases militares de Eglin na Flórida, e de Tolemaida, na Colômbia.
Em 23 de Março de 2019 o ministro das Comunicações, Jorge Rodríguez, anunciava
que 48 mercenários recrutados em El Salvador, Honduras e Guatemala tinham
entrado em território venezuelano a fim de levar a cabo atentados contra as
mais altas autoridades do país, bem como actos de sabotagem e operações de
bandeira falsa (). Segundo os serviços de informações da Venezuela, esses
mercenários tinham sido recrutados por Roberto Marrero, o braço direito de Juan
Guaido (). Quer seja via Erick Prince ou por outros meios, o recrutamento de
mercenários para desestabilizar a Venezuela é uma sinistra realidade.
No dia da prisão de Marrero, os
serviços de segurança venezuelanos capturaram Wilfrido Torres Gómez, aliás
Necocli, chefe do bando narco-paramilitar colombiano “Los Rastrojos”. Tal como
os mercenários, os paramilitares colombianos são um actor estrangeiro
fundamental no futuro exército de que Guaido poderia dispor.
Paramilitares são uma
excrescência do conflito colombiano. Criados primeiro por proprietários de
terras e por militares, ou na esteira dos cartéis da droga, estes grupos
encarregados das tarefas mais inconfessáveis foram reunidos sob o comando
das Forças de Autodefesa Unidas da Colômbia (AUC). De 1997 a 2006, fizeram o
terror reinar, deslocando populações inteiras em território colombiano e
encarregando-se dos abusos que os serviços do Estado não queriam assumir. Sob o
governo de Álvaro Uribe (2002-2010), os paramilitares adquiriram presença real
na cena política, forjando laços com responsáveis políticos e económicos e chegando
até a financiar um terço dos parlamentares deste país, como mostraram os
documentos capturados no computador do líder paramilitar Jorge 40 (). Se a sua
principal actividade continua ligada ao tráfico de cocaína, os paramilitares
actuam como um estado paralelo e influente. Dotados de uma autoridade adquirida
através de uma extrema violência e terror psicológico, eles impõem as suas
normas sociais, políticas e económicas aos territórios que controlam. A
“desmobilização” das AUC em 2006 teve por consequência a sua implosão em
estruturas menores, que mantiveram o mesmo modus operandi.
Os paramilitares colombianos
chegam à Venezuela depois do golpe de Estado contra Hugo Chávez em 2002.
Primeiro como assassinos a soldo de certos proprietários de terras, preocupados
em eliminar os líderes camponeses que reivindicavam a aplicação da reforma
agrária. Começam a investir sobre certas zonas das grandes cidades enquanto
permanecendo muito activos na fronteira venezolano-colombiana.
Tornam-se conhecidos dos
venezuelanos em Maio de 2004, depois de 124 paramilitares serem presos nos
arredores de Caracas. Tinham sido trazidos por Roberto Alonso, um político da
oposição, com o objectivo de assassinar Hugo Chávez e altos responsáveis da
Revolução. Ao longo dos anos, a sua presença reforçou-se ao longo da fronteira
(), tal como em algumas áreas das grandes cidades, onde constituíram várias
células dormentes. Sem esquecer o eixo de comunicação estratégica que leva dos
Andes à costa caribenha, corredor essencial para a distribuição da cocaína. É
nessa parte do território que a maioria dos líderes paramilitares que estavam
na Venezuela foram presos ou mortos. É também neste eixo que se encontram, e
isso não é coincidência, as cidades onde ocorreram os confrontos mais duros
quando das guarimbas de 2014 e 2017.
Ao contrário do crime organizado
“clássico”, os paramilitares dispõem de uma hierarquia militar, de um aparelho
de informações, de um armamento adequado, mas, principalmente, agem em função
de uma politização marcado pelo seu anticomunismo, adquirida a partir da sua
gênese na luta contra a guerrilha. Eles impõem a sua orientação ideológica às
populações que submetem. Ao contrário do submundo, mantêm muito boas relações
com as elites colombianas, para quem desempenham o papel de um exército
paralelo. A sua utilização contra a Venezuela permitiria à Colômbia não
desguarnecer as frentes internas que o seu exército mantém com a guerrilha.
Na fronteira com a Venezuela, os
paramilitares controlam o tráfico de drogas bem como o contrabando de gasolina
e alimentos. Como Freddy Bernal, prefeito desta região, nos lembrou em
entrevista exclusiva “A Colômbia produz 900 toneladas de cocaína. Para produzir
um quilo, necessitas de 36,5
litros de gasolina e a Colômbia não produz o suficiente.
Os paramilitares são encarregados de encaminhar pela via do contrabando 36 milhões
de litros de gasolina provenientes da Venezuela destinada em grande parte à
produção de cocaína “() e em troca controlam a distribuição de drogas no país
vizinho, através de gangues criminosos venezuelanos.
Os confrontos do Estado
Bolivariano com os paramilitares são cada vez mais recorrentes. Não apenas para
lutar contra os seus múltiplos tráficos mas sobretudo para defender a soberania
do Estado sobre o território. Segundo Freddy Bernal, “os paramilitares
desempenham o mesmo papel que o Daesh desempenhou no Iraque, na Líbia e na
Síria. Visam fragmentar o nosso território. São o Daesh da América Latina “().
São uma engrenagem essencial na atomização do Estado-nação venezuelano, um dos
principais objectivos da guerra que se anuncia.
De Roberto Alonso a Roberto Marrero, há muitos exemplos mostrando que os paramilitares colombianos estão ligados à oposição venezuelana. Mas eles respondem também aos planos do Pentágono nas suas ações planeadas contra a Venezuela. Como nos revelou um documento do SouthCom, a força militar dos Estados Unidos responsável pela América Latina, os estrategas militares estado-unidense preconizam “recrutar paramilitares principalmente nos campos de refugiados em Cúcuta, La Guajira e no norte da província de Santander, vastas zonas povoadas por cidadãos colombianos que emigraram para a Venezuela e agora regressam ao seu país para escapar a um regime que aumentou a instabilidade nas fronteiras, aproveitando o espaço vazio deixado pelas FARC, o ELN ainda beligerante e as actividades [paramilitares] na região do Cartel do Golfo “().
Como pode ver-se, os Estados
Unidos e seus aliados latino-americanos dispõem já de um exército. É composto
por um punhado de desertores e de combatentes civis venezuelanos, de membros do
crime organizado, de mercenários estrangeiros e paramilitares colombianos, tudo
estruturado por forças especiais dos Estados Unidos, já presentes na região ()
e pelo apoio táctico dos exércitos de países vizinhos. Outros actores poderiam
mesmo fazer-se convidar para este conflito. O que explicaria a presença de
várias centenas de soldados israelitas no Brasil e em Honduras.
O armamento dessa força militar
irregular está também em curso. Como denunciou o governo russo pela voz de
Maria Zakharova, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros daquele
país, “os Estados Unidos e seus aliados da NATO estão actualmente a estudar a
possibilidade de adquirir a um país da Europa de leste um importante lote de
armas e munições destinado aos opositores venezuelanos. Trata-se de
metralhadoras pesadas, de lança-granadas integrados e automáticos, de mísseis
terra-ar portáteis, de diferentes munições para arma de fogo e peças de
artilharia. Este carregamento deveria ser transportado para a Venezuela através
do território de um país vizinho com a ajuda de aviões de carga da empresa
estatal ucraniana Antonov “(). Não é necessário ser um especialista militar
para compreender que esse tipo de arsenal é o mesmo que é usado pelos
beligerantes que combatem contra a República Árabe da Síria. Neste caso, os
Estados Unidos ou países vizinhos não teriam sequer que assumir um proeminente
papel protagonista na guerra irregular contra a Venezuela.
Caso o estrangulamento económico,
político e financeiro da Venezuela e as diferentes pressões psicológicas e
diplomáticas não sejam suficientes para derrubar o presidente Maduro, então o
cenário que descrevemos será inevitavelmente aplicado. Os diferentes
componentes da frente militar terão a tarefa de desmantelar a Venezuela sem
necessariamente responder a um comando central, mas com o objetivo comum de
tornar impossível o controlo do território pelo poder legítimo. É conveniente
analisar agora as estratégias para alcançar tais fins.
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