Miguel Guedes* | Jornal de Notícias
| opinião
A percentagem de abstenção nas
eleições europeias continua a não ser surpreendente, mas é bem reveladora do
afastamento dos eleitores face aos seus deveres mínimos de cidadania.
Embora com cerca de mais 30 mil
votantes face a 2014, continuamos a bater no fundo. Com uma taxa de
participação de 31%, as eleições em Portugal ficaram-se pela sexta pior
percentagem da União Europeia e muito abaixo da média comunitária (que só
chegou à percentagem de 50,82% porque o voto é obrigatório em alguns
estados-membros). Se tudo isto é razão mais do que suficiente para fazer pensar
os 751 eurodeputados eleitos, imagine-se o que não irá na cabeça dos perdedores
internos destas eleições que apontam à abstenção a razão de ser de grande parte
dos seus males. Mas não foi a abstenção que escolheu alguns perdedores destas
eleições. Foi a indecisão.
A destruição dos sonhos à Direita
revelou-se proporcional aos amanhãs que cantam. A campanha do PSD foi bem
reveladora dos seus processos internos e mereceu a apreciação popular que se viu.
Foram peritos em ressuscitar fantasmas. Desde que chegou à liderança do PSD,
Rui Rio tem sonhado com o bloco central mas este resultado e a proximidade das
eleições legislativas encarregam-se de lhe ligar o sonho às máquinas, sem
ventilação. Acossado por uma oposição interna que não lhe permitiu conquistar o
partido após o ter ganho em congresso, tanto se encostou ao PS que acabou por
criar um mundo sem alternativas. Foi o paradigma de uma Oposição indecisa que
acabou cilindrada sem apelo nem agravo. Toda a gente percebeu a dimensão do
desejo de Rui Rio em reeditar o bloco central. Todos, menos os eleitores que já
compreenderam que não é com o "centrão dos negócios" que o país
avança. "Já chega de asneiras", avisa Ribau Esteves. Com um PSD
divido e em frangalhos, só o voto útil poderia salvar o partido daqui a uns
meses. Mas o voto útil já não existe. O mundo pula e avança nas mãos de António
Costa: para Rui Rio, acaba aqui a geringonça informal que em sonhos criou.
A campanha do CDS foi fruto da
herança marialva de Nuno Melo e da indecisão de Cristas entre escutar ou
rejeitar os seus maiores críticos internos, organizados em tendência. Durante
meses deu-lhes força, transformando o CDS num partido acintoso e aos gritos. Ao
amparar as suas tendências extremistas, o CDS sofreu uma deriva à Direita,
radicalizando-se, à procura de vampirizar energia a uma extrema-direita que
(ainda) não existe, à boleia da necessidade do combate ao bicho-papão das
esquerdas a que chamam radicais e da percepção de que já não havia sangue para
exaurir do PSD. Boleias à parte, a realidade informou-os que há um táxi em
aproximação e de que este país (e o seu ex-eleitorado) não está para couves de
ocasião. Às armas, às armas, escutou-se, julgando-se hino. Mas foram só as
armas de Nuno Melo e as da tendência menos democrática do partido a fazer um
assalto. Com resultados deploráveis, Assunção Cristas poderá aproveitar para
dizer que esta não é uma derrota dela. Mas, assim sendo, teria que ter a
coragem de fazer uma purga até à legislativas.
*Músico e advogado
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