Manuel Carvalho da Silva
| Jornal de Notícias | opinião
Portugal precisa de uma política
salarial valorativa do trabalho que temos e do trabalho que podemos e devemos
ter, se houver uma estratégia para a melhoria do perfil da nossa economia e do
desenvolvimento da sociedade.
A valorização do salário mínimo nacional
(SMN) deve ser feita de forma articulada com outros aspetos centrais das
políticas salariais e de emprego. A aposta na modernização e aproveitamento das
capacidades das jovens gerações exige que se ponha fim à prática de aplicar o
SMN como "salário padrão" para todos na entrada para o "mercado
de trabalho". Por outro lado, a melhoria do SMN tem de ser acompanhada de
uma revitalização quantitativa e qualitativa da contratação coletiva. É esta
complementaridade que se exige, não a associação da melhoria do SMN a
compromissos amplos e genéricos dos tradicionais acordos de concertação social
de médio ou longo prazo, em regra muito desequilibrados.
O Ministério do Trabalho
apresentou em Lisboa, na passada quarta-feira, em sessão pública, com debate
entre dois economistas e uma reflexão do ministro Vieira da Silva, um estudo
intitulado "Salário mínimo nacional - 45 anos depois". Nesse estudo é
propiciada "uma visão global sobre o período de atualização mais
recente" e procede-se, e bem, a uma análise alargada de impactos
associados ao aumento desta retribuição mínima. Durante a atual legislatura, o
Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério foi produzindo, com
regularidade, relatórios sólidos e devidamente contextualizados, sobre a
evolução do SMN, que têm contribuído para que hoje exista um consenso
consistente sobre a necessidade da sua regular atualização, e se tenham
desmontado teses que atribuíam a atualizações dignas do SMN efeitos negativos
sobre a criação de emprego, a competitividade e a economia.
A evolução recente do SMN e
alguns dos argumentos esgrimidos naquela sessão de apresentação merecem análise
atenta. Nos últimos quatro anos o salário mínimo cresceu 70€ em termos
absolutos, cerca de 19% em termos nominais e de 14% em termos reais. Foi
positivo, mas insuficiente. O Governo tinha a obrigação de na última
atualização ter ultrapassado os 600 euros e ter deixado o sinal de que é indispensável
continuar a melhorar bastante o SMN. É importante notar que a evolução do SMN
assente somente na soma da produtividade com o valor da inflação, como defendem
alguns economistas e muitos patrões, pressupõe uma estabilização da
distribuição, entre capital e trabalho, da riqueza produzida. Ora, apesar de a
proporção dos salários no rendimento nacional ter melhorado nos últimos dois
anos (de 51,4% em 2016 para 52,1% em 2018), a perda do peso do rendimento do
trabalho verificada desde 2009 está muito longe de ter sido recuperada (em 2009
o valor era de 57,6%). Há uma margem significativa para a melhoria de todos os
salários e muito em especial do SMN. Os portugueses devem exigir que o roubo
feito com o "austericídio" seja progressivamente reposto.
O aumento do SMN coloca desafios
a empresas e tem implicações na economia que devem ser considerados, mas o
impacto dos aumentos do SMN nos custos do trabalho das grandes empresas e em
empresas bem geridas é residual. A gritaria contra o SMN é não só preguiçosa,
como contrária à melhoria do perfil da economia e do desenvolvimento do país.
*Investigador e professor
universitário
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