Anselmo Crespo | TSF | opinião
Cá vamos nós outra vez. Com o
verão chega o calor, com o calor chegam os incêndios, com os incêndios chegam
as críticas à falta de meios de combate, com as críticas chegam as
pseudopolémicas políticas. O país já assistiu tantas vezes a esta tragicomédia que
já as incorporou e já as acha normais para esta altura do ano. Seja qual for o
governo, o ministro, o líder da oposição ou o autarca.
A verdade é que nada disto devia
já ser normal num país que arde todos os anos, com maior ou menor intensidade
dependendo do humor do S. Pedro. Depois das tragédias de 2017 onde morreram
mais de 100 pessoas e arderam milhares de hectares, todos meteram a mão no
peito e juraram ter aprendido a lição. Que nada de semelhante se voltaria a
repetir. Que as medidas eternamente adiadas, passariam a ser uma emergência
nacional. Que os erros cometidos estavam todos identificados e iriam ser
corrigidos. Houve pedidos de desculpa, peregrinações políticas às áreas mais
afetadas pelos incêndios. Houve galas de solidariedade a favor das vítimas dos
fogos, uma comoção nacional que rendeu milhares de euros para ajudar essas
vítimas. No final, noves fora nada.
Do lado da prevenção, os
relatórios técnicos independentes serviram para credibilizar meia dúzia de
medidas avulsas, mas não mais que isso. O reordenamento da floresta - que não
se faz de um ano para o outro, é verdade - continua a ser uma miragem e vai
andando de projeto-piloto em projeto-piloto, sem que alguém perceba,
verdadeiramente, qual é, afinal, o projeto. A limpeza dos terrenos avança de
forma tão lenta que, quando estiver feita, já os terrenos precisam todos de ser
limpos novamente. O cadastro das terras empancou nas obsessões ideológicas de
alguns partidos políticos, mais preocupados em estancar a sangria do seu
eleitorado, do que em prevenir os incêndios e salvar vidas. Afinal, as culpas
vão sempre para quem está no poder.
No final, noves fora nada. O
ministro da Administração Interna, que passou o inverno e a primavera a
anunciar um país preparadíssimo para a época dos incêndios, preocupa-se agora,
no verão, em repetir, ad nauseam, que o governo fez tudo bem feito. Como se
entre as suas declarações não estivéssemos todos a ver as chamas, o desespero
das pessoas, as queixas dos bombeiros e as matas cheias de material
combustível.
Mas como ainda não morreu ninguém
e o ano é de eleições, o ministro vai-se entretendo com a pequena política,
alimentando polémicas estéreis e fúteis com autarcas, como se tudo isto fosse
um grande jogo do passa culpas, sempre a outro e nunca ao mesmo, que a maioria
absoluta do PS pode depender da forma como correr este verão. Como se ao
governo não coubesse o papel de grande estratega, de agregador e, sobretudo, de
autoridade, em vez de andar a ocupar o espaço mediático e a mostrar-se nas
televisões.
No final, noves fora nada. O
Governo só espera que este verão passe rápido e que entre feridos e hectares
queimados não morra ninguém. A oposição... qual oposição? Dois anos depois da
morte de mais de uma centena de pessoas vítimas dos incêndios, Portugal ainda
não tem uma estratégia de prevenção e combate aos incêndios florestais digna
desse nome. Pior que isso, o "nunca mais" tantas vezes repetido em
2017 morreu com as vítimas desses fogos e o Estado continua sem honrar os que
perderam a vida por causa da sua incúria.
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