segunda-feira, 29 de julho de 2019

Portugal | Como sobreviver aos incêndios em ano de eleições


Anselmo Crespo | TSF | opinião

Cá vamos nós outra vez. Com o verão chega o calor, com o calor chegam os incêndios, com os incêndios chegam as críticas à falta de meios de combate, com as críticas chegam as pseudopolémicas políticas. O país já assistiu tantas vezes a esta tragicomédia que já as incorporou e já as acha normais para esta altura do ano. Seja qual for o governo, o ministro, o líder da oposição ou o autarca.

A verdade é que nada disto devia já ser normal num país que arde todos os anos, com maior ou menor intensidade dependendo do humor do S. Pedro. Depois das tragédias de 2017 onde morreram mais de 100 pessoas e arderam milhares de hectares, todos meteram a mão no peito e juraram ter aprendido a lição. Que nada de semelhante se voltaria a repetir. Que as medidas eternamente adiadas, passariam a ser uma emergência nacional. Que os erros cometidos estavam todos identificados e iriam ser corrigidos. Houve pedidos de desculpa, peregrinações políticas às áreas mais afetadas pelos incêndios. Houve galas de solidariedade a favor das vítimas dos fogos, uma comoção nacional que rendeu milhares de euros para ajudar essas vítimas. No final, noves fora nada.

Do lado da prevenção, os relatórios técnicos independentes serviram para credibilizar meia dúzia de medidas avulsas, mas não mais que isso. O reordenamento da floresta - que não se faz de um ano para o outro, é verdade - continua a ser uma miragem e vai andando de projeto-piloto em projeto-piloto, sem que alguém perceba, verdadeiramente, qual é, afinal, o projeto. A limpeza dos terrenos avança de forma tão lenta que, quando estiver feita, já os terrenos precisam todos de ser limpos novamente. O cadastro das terras empancou nas obsessões ideológicas de alguns partidos políticos, mais preocupados em estancar a sangria do seu eleitorado, do que em prevenir os incêndios e salvar vidas. Afinal, as culpas vão sempre para quem está no poder.

Do lado do combate, os meios aéreos continuam a ser contratualizados com atrasos e sempre em défice, na obscuridade dos ajustes diretos, enchendo os bolsos a uns quantos para salvar a face de outros tantos. Os bombeiros continuam a ser poucos, mal pagos, com pouca formação e representados por um dos maiores incendiários do país. O SIRESP, passados todos estes anos, continua a ser gasolina atirada para esta grande fogueira que é a polémica dos incêndios. Agora que o Estado é dono de uma empresa falida, o SIRESP passou a funcionar bem, com rasgados elogios do governo, ainda que os bombeiros continuem a segredar aos jornalistas as mesmas queixas de sempre sobre esta rede de comunicações de emergência.

No final, noves fora nada. O ministro da Administração Interna, que passou o inverno e a primavera a anunciar um país preparadíssimo para a época dos incêndios, preocupa-se agora, no verão, em repetir, ad nauseam, que o governo fez tudo bem feito. Como se entre as suas declarações não estivéssemos todos a ver as chamas, o desespero das pessoas, as queixas dos bombeiros e as matas cheias de material combustível.

Mas como ainda não morreu ninguém e o ano é de eleições, o ministro vai-se entretendo com a pequena política, alimentando polémicas estéreis e fúteis com autarcas, como se tudo isto fosse um grande jogo do passa culpas, sempre a outro e nunca ao mesmo, que a maioria absoluta do PS pode depender da forma como correr este verão. Como se ao governo não coubesse o papel de grande estratega, de agregador e, sobretudo, de autoridade, em vez de andar a ocupar o espaço mediático e a mostrar-se nas televisões.

No final, noves fora nada. O Governo só espera que este verão passe rápido e que entre feridos e hectares queimados não morra ninguém. A oposição... qual oposição? Dois anos depois da morte de mais de uma centena de pessoas vítimas dos incêndios, Portugal ainda não tem uma estratégia de prevenção e combate aos incêndios florestais digna desse nome. Pior que isso, o "nunca mais" tantas vezes repetido em 2017 morreu com as vítimas desses fogos e o Estado continua sem honrar os que perderam a vida por causa da sua incúria.

Sem comentários:

Mais lidas da semana