Luciano Rocha | Jornal de Angola
| opinião
Se algum dia for conhecida, a
soma de todas as parcelas subtraídas fraudulentamente do erário vai deixar a
maioria dos angolanos, mesmo quem julga já nada surpreender, de olhos
esbugalhados e boca para a nuca.
Mesmo sem contas feitas, basta ouvir
ou ler a quantidade de imóveis e viaturas que alguns arguidos - ou em vias
disso, esperamos - se viram obrigados a devolver para se ter uma ténue ideia da
enormidade das acções de minorias que se fizeram multimilionários em tão curtos
espaços de tempo. Num país com menos de quatro décadas de independência, não há
quem consiga juntar o que alguns comprovadamente têm e fizeram, até há bem
pouco tempo, questão de exibir ostensiva e insultuosamente.
O comportamento da gatunagem de “colarinho branco” deve-se, entre outros factores, ao nepotismo, que, como peste, se espalhou por todos os sectores da vida angolana. E que, mesmo tendo tido o berço no Vaticano e sido inventado para arranjar “tachos” a sobrinhos de Papas, alguns verdadeiros, outros nem tanto, não é santo, nem nada que se pareça. Antes, pelo contrário, nocivo a qualquer sociedade. E a nossa não é excepção, como dolorosamente sabemos. Não fosse ele, o mais provável era a corrupção e a impunidade não terem atingido as dimensões a que chegaram e deixaram o país no estado em que está, com as vítimas a pagarem por crimes alheios. De lesa-pátria, sublinhe-se. Praticados por inqualificáveis criaturas que nortearam as vidas unicamente por interesses próprios, indiferentes ao sofrimento que as rodeava e fingiam não ver, no afã de ter mais, cada vez mais. Cá dentro e lá fora.
Os filhos dos larápios de “colarinho branco” frequentavam os melhores colégios particulares. Cá dentro e lá fora. Se lhes doía a cabeça, não pensavam duas vezes, metiam-se no avião particular e lá iam eles consultar médico especialista nem eles sabiam de quê. O dinheiro que esbanjavam em viagens, festas e festarolas, garrafeiras que adquiriam pelos rótulos, jamais pelo paladar que lhes provocava esgares.
Alguns destes ricos, suspeitos de juntarem fortunas enquanto “o diabo esfrega um olho”, desataram agora a adoecer. Com males que lhes abrandam as medidas a que foram sujeitos pelo tribunal. Quem está em prisão domiciliária pode sair de casa para poder apanhar ar, exercitar as pernas, ir a hospitais, quem estava confinado à cadeia, vai para casa.
O que prova, uma vez mais, que o nosso sector da Saúde está aquém do desejável. Se assim não fosse, o Hospital Prisão de São Paulo acolhia estes enfermos. Enquanto gozavam de boa saúde e melhor vida, nem nisso pensaram. Que um dia podiam não poder ir ao estrangeiro tratar de maleitas e afins. Que, pelo menos até agora, não se devem a remorsos. Que isso é coisa alheia a castas privilegiadas. Que usavam a bel-prazer o dinheiro de todos e, mesmo agora, continuam a ter tratamento que o desgraçado do “pilha-galinhas”, que nunca se deu ares de rico, nem coisa parecida, tem.
Mas, um dia, quando se fizer a soma das subtracções operadas pelos usurpadores do erário, talvez a maioria dos angolanos entenda ter chegado a hora de, como avisa o poema de António Jacinto, “...unidos nas ânsias, nas aventuras, nas esperanças”, “fazermos o grande desafio...”.
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