Irmãos da Floresta, regimento
Azov, Abdelhakim Belhadj, o Estado Islâmico e o terrorismo «moderado»,
fornecimento clandestino de armamento sofisticado. A associação entre a NATO e
os nazi-fascismos é um facto.
José Goulão | AbrilAbril | opinião
Que haverá de comum entre um
grupo armado formado por membros das Waffen SS em Estados bálticos, designado
Irmãos da Floresta, o regimento Azov da Guarda Nacional ucraniana, o emir do
Daesh no Magrebe, de seu nome Abdelhakim Belhadj, e o mistério do armamento
sofisticado descoberto recentemente num santuário neonazi em Turim, Itália?
Por muito que seja considerada
inadmissível pela comunicação mainstream e seus fiéis seguidores, a
resposta é: NATO – Organização do Tratado do Atlântico Norte.
É a linguagem objectiva dos
factos. E se contra factos pode haver quantos argumentos quiserem, todos eles
serão rejeitados pela mais transparente realidade. As circunstâncias citadas
têm em comum, sem dúvida, o culto do nazi-fascismo e, de uma maneira ou de
outra, estão igualmente interligadas pela acção, protecção ou propaganda da
NATO.
Vamos então a factos.
A Segunda Guerra Mundial entrava
na sua fase final quando foram criados os Irmãos da Floresta, grupos armados
anticomunistas nascidos na Estónia, Letónia e Lituânia. Os membros, na sua
maioria, foram recrutados entre os destacamentos locais das Waffen SS,
integrados no aparelho de guerra hitleriano que tentou ocupar a União
Soviética. Na Estónia, por exemplo, estes terroristas faziam juramento de
fidelidade ao Fuhrer1.
Com a cumplicidade de serviços de
espionagem de países ocidentais – nessa altura, formalmente em
aliança com o lado soviético – os Irmãos da Floresta, ex-Waffen SS, foram
reciclados como tampões contra o avanço do Exército Vermelho para Oeste depois
de este ter vergado o nazismo na decisiva e sangrenta batalha de Estalinegrado.
Em suma, os Irmãos da Floresta,
tal como os destacamentos bálticos das Waffen SS, tinham como missão, de facto,
impedir que os soviéticos esmagassem completamente os nazis – o que também
significava travar a libertação dos seres humanos que ainda sobreviviam nos
campos da morte hitlerianos2.
Pois os Irmãos da Floresta são
agora glorificados como heróis de uma gesta democrática, através de um documentário da NATO inserido no seu espaço de
propaganda noYouTube. São oito minutos e alguns segundos de pura
heroicidade ao melhor estilo de Hollywood, durante os quais os feitos dos
Irmãos da Floresta são apresentados como inspiradores das forças especiais das
repúblicas bálticas que agora «estão na linha da frente» contra a temível
«ameaça russa». Afinal, hoje como ontem, explica-nos a NATO.
Só é pena que os propagandistas
da aliança não tenham podido dedicar um segundo sequer às origens hitlerianas e
terroristas da gloriosa irmandade – certamente por falta de tempo. Que outras
razões haveria para esconder uma matriz tão inspiradora?3
O regimento Azov
Dos Estados bálticos para a
Ucrânia, dos Irmãos da Floresta dos anos quarenta para o actual e activo
regimento Azov, um bastião da «pureza rácica» ucraniana, como estipula o seu
fundador, Andriy Biletski, aliás o «Fuhrer Branco». Pretende assim que os genes
dos seus compatriotas «não se misturem com os de raças inferiores», cumprindo
«a sua missão histórica de comandar a Raça Branca mundial na sua cruzada final
pela sobrevivência».
Ao contrário do que possam
pensar, isto não é folclore nem delírio sob efeito de qualquer fumo. O grupo
nazi designado Batalhão Azov, e outros do género, receberam treino de
instrutores norte-americanos e da NATO e foram decisivos no êxito do golpe
«democrático» de 2014 na Praça Maidan, em Kiev. Depois disso, foram
transformados em regimentos integrados na Guarda Nacional, o novo corpo militar
nascido da «revolução» e que se tornou a guarda pretoriana do regime fascista
patrocinado pela Aliança Atlântica, os Estados Unidos e a União Europeia4 .
O regimento Azov e outros grupos
neonazis, inspirados pela figura de Stepan Bandera, um executor do genocídio
hitleriano contra as populações ucranianas, tornaram-se corpos fundamentais na
agressão do actual regime contra as populações ucranianas russófonas da região
de Donbass.
Os membros do regimento Azov
orgulham-se de posar com as bandeiras nazi e da NATO, dando-se assim a conhecer
ao mundo.
A gratidão é uma atitude que
nunca fica mal. Mesmo aos nazis.
Sob o regime actual em Kiev, a
Ucrânia tornou-se, de facto, membro da NATO. Trata-se, como nos Estados
bálticos, de combater a terrível «ameaça russa». Para executar tão nobre missão
até o nazismo engrossa as hostes da «democracia».
Abdelhakim Belhadj
Embora desempenhando, desde 2015, a tarefa mais
recatada e menos mediática de emir do Daesh, ou Estado Islâmico, no Magrebe,
Abdelhakim Belhadj não desapareceu como figura de referência das transformações
«libertadoras» que galoparam pelo Médio Oriente e Norte de África sob as
exaltantes bandeiras das «primaveras árabes».
Abdelhakim Belhadj, para quem não
se recorda, foi um dos chefes terroristas islâmicos que contribuíram, em
aliança com a NATO, para «libertar a Líbia» do regime de Khaddafi. Houve-se tão
bem da missão que a aliança fez dele «governador militar de Tripoli» logo que
as hordas fundamentalistas tomaram a capital líbia.
Quando ainda mal aquecera o
lugar, a tutela atlantista enviou-o para a Síria formar o «Exército Livre», o
grupo terrorista «moderado» no qual os Estados Unidos e os seus principais
parceiros da NATO apostaram inicialmente todas as fichas com o objectivo de
«libertar Damasco».
Abdelhakim Belhadj recebeu
honrarias dos Estados Unidos, outorgadas pelo embaixador na Líbia e pelo
falecido senador McCain, então movendo-se febrilmente entre a Líbia, a Síria e
a Ucrânia, onde foi um dos principais timoneiros do golpe de Maidan e das suas
frentes nazis.
A partir de 2015, segundo a
Interpol, Belhadj tornou-se emir do Daesh – o tão proscrito Estado Islâmico –
no Magrebe.
Porém, cada vez que algum
jornalista a sério mexe em acontecimentos da história recente arrisca-se a
encontrar-se com a figura de Belhadj. Foi o que sucedeu com profissionais do
jornal espanhol Publico: ao investigarem o envolvimento dos serviços de
informações de Madrid (CNI) no atentado terrorista de 11 de Março de 2004, que
provocou 200 mortos, depararam com outras situações que dizem muito sobre o
tipo de «democracia» em que vivemos.
Segundo o próprio chefe do
governo espanhol da época, José María Aznar – invasão do Iraque, lembram-se? –,
Abdelhakim Belhadj foi um dos estrategos do atentado, embora nunca tenha sido
preso nem julgado.
O curioso é que o atentado
começou por ser atribuído à ETA e depois à al-Qaida; e que a maior parte dos
operacionais detidos eram informadores dos serviços secretos espanhóis.
Mais curioso ainda é o facto de o
tema do exercício europeu CMX 2004 da NATO, que decorreu de 4 a 10 de Março, tenha sido
precisamente o da simulação de um atentado com as características do que
aconteceu em 11 de Março na capital espanhola. «A semelhança do cenário
elaborado pela NATO com os acontecimentos ocorridos em Madrid provoca calafrios
na espinha e impressionou os diplomatas, militares e serviços de informações
que participaram no exercício apenas algumas horas antes», escreveu o jornal El
Mundo, inconformado com a tese que acabou por ficar para a história: atentado
cometido por uma rede islamita sem ligações à al-Qaida.
Entre as névoas do caso avultam,
porém, algumas circunstâncias que é possível focar: a declaração de Aznar
envolvendo Abdelhakim Belhadj, que se revelou vir a ser uma aposta da NATO
antes de ter ascendido ao topo do Estado Islâmico no Magrebe; e os dons
proféticos desta mesma NATO, concebendo um tema para exercícios que se tornou
realidade menos de 24 horas depois.
O santuário nazi de Turim
Há poucos dias, a polícia
italiana descobriu um arsenal de armamento num santuário nazi em Turim, Itália.
O que à primeira vista poderia
ser mais um armazém de velhas e nostálgicas recordações dos fãs do Fuhrer mudou
de figura quando foram desembalados alguns sofisticados mísseis que não
costumam estar ao alcance de pequenos e médios traficantes de armas.
Diz a imprensa italiana que os
investigadores do caso seguiram pistas que conduziam até aos grupos nazis
ucranianos mas não obtiveram dados consistentes. E provavelmente não
encontrarão esses e outros elementos: a verdade é que as notícias sobre o
assunto quase desapareceram. O caso é um nado-morto.
Já as redes clandestinas formadas
pela NATO, do tipo Gládio, não estarão mortas, desafiando todas as propagandas,
como recordaram alguns jornalistas italianos.
A história do arsenal está mal
contada e, previsivelmente, será arquivada com celeridade; já o apoio da NATO
aos grupos nazis ucranianos não suscita dúvidas: os próprios beneficiários o
confessam. Porém, não é um auxílio que deva ser feito aos olhos de todos,
tratando-se da NATO, uma aliança que existe para «defender a democracia» – a
NATO só defende, nunca ataca, como se sabe. A verdade é que desde que passou de
batalhão a regimento da Guarda Nacional o grupo terrorista Azov foi equipado
com armas pesadas, incluindo tanques, que chegaram de algum lado. Talvez agora
seja a hora dos mísseis, quem sabe? Ainda recentemente as forças policiais
italianas e o regimento Azov assinaram um acordo de cooperação desbravando
novos caminhos.
É provável que todas estas
relações dêem os seus frutos; é improvável, porém, que cheguem ao conhecimento
dos cidadãos comuns, tal como o desfecho do mistério dos mísseis nazis de
Turim.
A grande irmandade
Irmãos da Floresta, regimento
Azov, Abdelhakim Belhadj, o Estado Islâmico e o terrorismo «moderado»,
fornecimento clandestino de armamento sofisticado. Não é necessário escavar
muito estas histórias, casos e mistérios para tropeçarmos na associação entre a
NATO e os nazi-fascismos, duas correntes que, a acreditar na propaganda
oficial, deveriam ser como a água e o azeite.
Afinal não. Trata-se de uma
fluida cooperação nos tempos em que se fala no risco de uma nova guerra mundial
e que traz raízes consolidadas na altura em que o anterior conflito ainda não
tinha acabado.
É, como se percebe, uma grande e
frutífera irmandade. Factos são factos.
Imagem:
O batalhão Azov, apoiado pela NATO e pelas lideranças da UE e dos EUA, e tratado pelos "mainstream media" ocidentais como «nacionalistas ucranianos» ou «admiradores de Stepan Bandera», usa o símbolo nazi "Wolfsangel" na sua bandeira e uma das tropas de choque preferidas do governo de Kiev, no Leste como no resto do país.Créditos/ twitter
O batalhão Azov, apoiado pela NATO e pelas lideranças da UE e dos EUA, e tratado pelos "mainstream media" ocidentais como «nacionalistas ucranianos» ou «admiradores de Stepan Bandera», usa o símbolo nazi "Wolfsangel" na sua bandeira e uma das tropas de choque preferidas do governo de Kiev, no Leste como no resto do país.Créditos/ twitter
Notas:
1. Note-se
que os teóricos nazis atribuíam desde os anos 30, na sua propaganda, o estatuto
de «raça superior» aos povos estónio e letão, facilitando a formação dos
sanguinários esquadrões da morte bálticos integrados nas Waffen SS, tão ou mais
temidos pelos povos e etnias que viviam no território soviético ocupado pela
Alemanha nazi do que os próprios alemães.
2. No
período posterior à derrota hitleriana no Báltico os Irmãos da Floresta
mantiveram-se activos até meados da década de 50. Actualmente, os próprios
admiradores destes colaboradores nazis no Báltico reciclados reconhecem o
carácter terrorista dos seus heróis, como é fácil de confirmar através do
volume de baixas soviéticas nos anos de 1944-1958 no Báltico: mais de 25 mil
civis foram assassinados e muitos torturados antes de executados, enquanto os
polícias que combatiam os Irmãos da Floresta tiveram quatro mil baixas. Outro
pormenor menos ventilado é que o maior apoio interno daquelas organizações
provinha dos poderosos e ricos latifundiários da região, que tinham um profundo
ódio aos camponeses que os tinham expropriado durante os anos da Revolução
Russa. Após a deportação para a Sibéria, no final dos anos 40, da maioria dos
grandes proprietários de terras no Báltico, a actividade dos Irmãos da Floresta
decaiu consideravelmente, apesar de todos os esforços da CIA e dos serviços
secretos britânicos para reactivá-los. O golpe final foi dado após a amnistia
concedida pelas autoridades soviéticas após a morte de José Estaline, em 1953.
O leitor terá de procurar em língua russa (mesmo que em sítios como a
insuspeita Rádio Liberdade, financiada pelo governo americano) as fontes
documentais sobre este assunto, visto os websites do Ocidente serem
consideravelmente parcos a respeito destes dados e optarem habitualmente por
uma visão puramente apologética dos Irmãos da Floresta, escondendo a sua
verdadeira natureza.
3. Neonazis
e veteranos da Waffen-SS voltaram a marchar em Riga em Março de 2019, como
denunciou o AbrilAbril em artigo publicado na altura.
4.O
regimento Azov [ou «Batalhão Azov», ou muito simplesmente «Azov»] é
uma organização paramilitar criada em 2014, durante os protestos da praça
Euromaidan e do golpe de Estado que lhe foi subsequente. É
enquadrado e remunerado pelo Ministério do Interior da Ucrânia como um dos
membros da chamada Guarda Nacional, que confere poderes estatais a este e
outros grupos fascistas ucranianos. Originalmente fundado como um grupo
paramilitar voluntário, é acusado de ser uma organização neonazi e neofascista,
além de estar envolvido em vários casos de abusos de direitos humanos e crimes
de guerra leste da Ucrânia, principalmente em casos de torturas, estupros,
saques, limpeza étnica e perseguição de minorias como homossexuais, judeus e
russos. O Azov tem ligações a grupos nazi-fascistas internacionais, como em
Itália ou no Brasil onde recruta combatentes na guerra que move contra as
populações do Donbass, no leste da Ucrânia.
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