Rui Sá | Jornal de Notícias |
opinião
Tratava Lino Lima, grande
antifascista, advogado e deputado do PCP por "tio", apesar de, de
facto, não o ser. Mas foi assim que nos habituámos a tratar os amigos dos meus
pais com quem tínhamos mais familiaridade. Foi, para mim, na altura um adolescente,
uma fonte de aprendizagem e um exemplo de coerência, guardando com respeito e
alegria as memórias de conversas que tivemos e onde as gargalhadas (porque o
seu sentido de humor era ímpar!) assentavam, sempre, arraial - leia-se o seu
livro de memórias, "Romanceiro do Povo Miúdo", escrito sob o
pseudónimo de José Ricardo, para apreender o quanto lutou contra a ditadura e o
quanto sofreu na pele a coragem dessa luta. Mas há uma frase dele, já do final
da sua vida, que recordo com particular emoção. Dizia ele (talvez não por estas
exatas palavras): se por qualquer acaso, começar a dizer asneiras e a fazer
coisas que ponham em causa o percurso da minha vida, metam-me vidro moído na
sopa para não passar por essa vergonha!
É sempre esta frase de Lino Lima
que me vem à cabeça quando assisto, até com alguma compaixão, ao percurso de
algumas pessoas. Que terão, como todas as pessoas, os seus méritos e virtudes.
Mas que não têm a mínima vergonha por tanta incoerência, por defenderem hoje
com a mesma certeza absoluta que é amarelo aquilo que antes diziam que era
azul.
Refiro-me, em particular, a Zita
Seabra, que foi mais uma vez notícia por se ter passado, com armas e bagagens,
do PSD para a Iniciativa Liberal. A questão não está em mais uma mudança de
partido. A questão é que Zita Seabra, pelo seu percurso, já não é levada a
sério e falta saber se acrescenta ou retira alguma coisa a quem se junta.
Porque defende agora aquilo que antes negava, ou vice-versa. Sempre como se
tivesse a maior das razões e como se os parvos fossemos nós, por não termos
capacidade de acompanhar a sua perspicácia de estar a ver coisas novas em
factos ancestrais...
De igual modo, Vital Moreira, que
foi o ideólogo de José Sócrates (que, premiando esse papel, o escolheu como
cabeça de lista ao Parlamento Europeu, onde pouco fez) e que tem um percurso,
embora mais intelectualizado, parecido com a incoerência de Zita Seabra
(aparentemente não mudou tanto de sítio, mas a verdade é que hoje já está na
extrema-direita do PS...). Depois de anos a fio a aconselhar Sócrates a tomar
as medidas mais nocivas da sua governação, aproveitou agora, a propósito da
greve dos motoristas de matérias perigosas, para lançar o mote das alterações à
lei da greve (para a limitar, claro).
Não lhes aconselho, naturalmente,
a terapia preconizada por Lino Lima... Mas custa-me que não tenham amigos que,
em nome dessa amizade, lhes digam que mais vale saírem de cena.
* Engenheiro
Sem comentários:
Enviar um comentário