segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Portugal | Gente ridícula


Rui Sá | Jornal de Notícias | opinião

Tratava Lino Lima, grande antifascista, advogado e deputado do PCP por "tio", apesar de, de facto, não o ser. Mas foi assim que nos habituámos a tratar os amigos dos meus pais com quem tínhamos mais familiaridade. Foi, para mim, na altura um adolescente, uma fonte de aprendizagem e um exemplo de coerência, guardando com respeito e alegria as memórias de conversas que tivemos e onde as gargalhadas (porque o seu sentido de humor era ímpar!) assentavam, sempre, arraial - leia-se o seu livro de memórias, "Romanceiro do Povo Miúdo", escrito sob o pseudónimo de José Ricardo, para apreender o quanto lutou contra a ditadura e o quanto sofreu na pele a coragem dessa luta. Mas há uma frase dele, já do final da sua vida, que recordo com particular emoção. Dizia ele (talvez não por estas exatas palavras): se por qualquer acaso, começar a dizer asneiras e a fazer coisas que ponham em causa o percurso da minha vida, metam-me vidro moído na sopa para não passar por essa vergonha!

É sempre esta frase de Lino Lima que me vem à cabeça quando assisto, até com alguma compaixão, ao percurso de algumas pessoas. Que terão, como todas as pessoas, os seus méritos e virtudes. Mas que não têm a mínima vergonha por tanta incoerência, por defenderem hoje com a mesma certeza absoluta que é amarelo aquilo que antes diziam que era azul.


Refiro-me, em particular, a Zita Seabra, que foi mais uma vez notícia por se ter passado, com armas e bagagens, do PSD para a Iniciativa Liberal. A questão não está em mais uma mudança de partido. A questão é que Zita Seabra, pelo seu percurso, já não é levada a sério e falta saber se acrescenta ou retira alguma coisa a quem se junta. Porque defende agora aquilo que antes negava, ou vice-versa. Sempre como se tivesse a maior das razões e como se os parvos fossemos nós, por não termos capacidade de acompanhar a sua perspicácia de estar a ver coisas novas em factos ancestrais...

De igual modo, Vital Moreira, que foi o ideólogo de José Sócrates (que, premiando esse papel, o escolheu como cabeça de lista ao Parlamento Europeu, onde pouco fez) e que tem um percurso, embora mais intelectualizado, parecido com a incoerência de Zita Seabra (aparentemente não mudou tanto de sítio, mas a verdade é que hoje já está na extrema-direita do PS...). Depois de anos a fio a aconselhar Sócrates a tomar as medidas mais nocivas da sua governação, aproveitou agora, a propósito da greve dos motoristas de matérias perigosas, para lançar o mote das alterações à lei da greve (para a limitar, claro).

Não lhes aconselho, naturalmente, a terapia preconizada por Lino Lima... Mas custa-me que não tenham amigos que, em nome dessa amizade, lhes digam que mais vale saírem de cena.

* Engenheiro

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