Pedro Ivo Carvalho
| Jornal de Notícias | opinião
Um amigo regressado de Luanda
confidenciava-me, há dias, com algum desdém: "Vocês sabem lá o que é
faltar combustível para viver, não ter gasóleo para circular, para ligar o
frigorífico que se alimenta através de um gerador ou para garantir o dia a dia
de uma simples fábrica".
Nós não sabemos, de facto. E
ainda bem. Mas o alarme bíblico gerado pela greve dos motoristas que hoje
começa por tempo indeterminado fez-nos despertar para a essência do país que,
quatro décadas e meia volvidas sobre a ditadura, ainda somos: medroso,
alarmista, inseguro. Um país que se constrói e corrói com fantasmas, que medra
numa redoma de orfandade, carente de um Estado firme e paternal. O Mundo não
acaba a partir de hoje, mas ai de quem nos diga o contrário. No final, acabamos
convencidos de que somos mais inteligentes do que todos os outros. Porque no
Portugal dos pequeninos, na selva dos pequeninos, não há predadores tão
dramaticamente inofensivos como nós.
Na sexta-feira, parecíamos a
Venezuela. Corrida desenfreada às bombas, açambarcamento, escaramuças, manuais
de sobrevivência. Durante o fim de semana, evoluímos para a pacatez e
civilidade da Dinamarca. Solidão entre os gasolineiros. Em abril, o Governo
dormiu na forma. Foi o que se viu. Agora, o mesmo Governo injetou litradas de
cafeína na verve política pré-eleitoral e deu uma aula prática sobre governança
em tempos de crise, atingindo no coração os fundamentos da greve (noutros
tempos, a Esquerda treparia paredes) e exaltando o papel determinante e
incontestável de um Estado de direito musculado (até o CDS bateu palmas, de uma
forma um pouco sonsa).
Esperemos que a normalidade seja
reposta e que o conflito salarial entre motoristas e patrões não degenere
noutras formas de confrontação. Ainda é cedo para balanços, mas julgo que já
podemos concluir, mesmo antes de a greve se fazer à estrada, que trememos por
pouco, mas segurámo-nos como poucos. E que as matérias só são perigosas à
medida dos nossos dramas.
* Diretor-adjunto
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