Corre insistentemente o
sentimento e a palavra golpe para definir o que está a acontecer com a suspensão
do parlamento britânico. Centenas de milhares manifestam-se em petição e em
manifestações contra a medida, Corbyn, do partido opositor, contesta
energicamente a medida, há solicitações a dar entrada em tribunais para que a
decisão de Boris Johnson e da rainha seja considerada ilegal e inconstitucional. Via
Observador trazemos a descrição do quadro mais recente acerca da anormalidade da
decisão do muito recente PM britânico que colheu a aprovação de Isabel II. (PG)
Rainha aprova pedido de Boris e
suspende parlamento. Ações judiciais já tentam reverter decisão
A prorrogação do Parlamento
aceite pela Rainha deixa poucas hipóteses aos membros do Parlamento para
travarem um Brexit sem acordo. Ações judiciais urgentes tentam declarar a
medida ilegal.
É oficial: a Rainha Isabel II aprovou
o pedido de prorrogação do Parlamento britânico feito na manhã desta
quarta-feira pelo primeiro-ministro Boris Johnson. Os deputados ainda vão
reunir a 3, 4 e 5 de setembro, mas o Parlamento será suspenso a partir de 9 de
setembro. Uma nova sessão só será reaberta a 14 de outubro com o Queen’s
Speech, que resume os trabalhos do grupo parlamentar na sessão anterior. Por
essa altura faltam apenas três dias para a cimeira do Conselho Europeu e duas
semanas para a saída do Reino Unido da União Europeia, mesmo que não haja
acordo entre as duas partes.
A decisão já está, porém, a ser
contestada nos tribunais. O jornal The Guardian conta que já foram apresentadas
duas ações judiciais para tratar a suspensão do Parlamento. A primeira foi
apresentada por Gina Miller, uma ativista que já em 2016 recorreu à justiça
para forçar o parlamento a legislar contra o Brexit antes que o artigo 50 fosse
invocado, levando o país a abandonar a União Europeia. Agora, Miller fez entrar
num tribunal superior um recurso urgente para analisar o plano de Boris Johnson
de suspender o parlamento, alegando que pode provar que o primeiro-ministro
“enganou o país”.
Infelizmente, os anúncios de hoje
tornam muito claro que a prorrogação é uma realidade desesperada, e não apenas
uma questão teórica. (…) Fomos todos enganados pelo primeiro-ministro e os seus
advogados”, concluiu.
A segunda ação judicial parte das
mãos dos advogados de um grupo de deputados escoceses e vai ser apresentada num
tribunal da Escócia. Aqueles opositores do Brexit acreditam que é possível
reverter a suspensão do parlamento e vão pedir aos juízes que receberem o caso
para declararem a medida ilegal e inconstitucional.
Numa carta enviada aos membros do
Parlamento, Boris Johnson confirmou que reuniu esta manhã com a Rainha para
pedir uma prorrogação do Parlamento: “Esta manhã falei com Sua Majestade, a
Rainha, para pedir o fim da atual sessão parlamentar na segunda semana de
setembro, antes de começar uma nova sessão parlamentar com um discurso da
Rainha a 14 de outubro”, pode ler-se no documento.
Em declarações aos jornalistas,
Boris Johnson disse: “Como disse nos degraus da Downing Street, não vamos
esperar até 31 de outubro para dar continuidade aos nossos planos de levar o
país adiante. Este é um novo governo com uma agenda muito emocionante. Temos
que levar adiante contas novas e importantes. É por isso que vamos ter um
discurso da Rainha e vamos fazê-lo no dia 14 de outubro”.
Questionado sobre se esta é uma
estratégia para evitar que os membros do Parlamento tenham manobra para a
criação de um acordo para o Brexit, Boris Johnson respondeu que isso “não é
verdade de todo”: “Quando olhamos para o que estamos a fazer, estamos a apresentar
um novo programa legislativo sobre o crime, hospitais, assegurando que temos o
financiamento da educação de que necessitamos e que haverá tempo suficiente em
ambos os lados daquela cimeira crucial de 17 de Outubro, tempo suficiente no
parlamento para os deputados debaterem a União Europeia, o Brexit e todas as
outras questões”.
Segundo o comunicado emitido por
Boris Johnson para os membros do Parlamento, “uma característica central do
programa legislativo será a prioridade legislativa número um do governo — se
houver um novo acordo no Conselho Europeu — para introduzir uma Lei de Acordo
de Saída e avançar para garantir a sua aprovação antes de 31 de outubro”. “A
decisão de terminar a atual sessão parlamentar — a mais longa em cerca de 400
anos e, nos últimos meses, uma das menos ativas — permitirá ao
primeiro-ministro colocar um novo programa interno perante os deputados para
debate e escrutínio, assegurando também que é um bom momento antes e depois do
Conselho Europeu para o Parlamento para considerar as questões do Brexit”,
justificou.
A família real britânica ainda
não emitiu qualquer declaração sobre este assunto.
Como Isabel II acedeu ao pedido
de Boris Johnson, o Parlamento só voltará aos trabalhos a 14 de outubro, depois
de um discurso oficial da Rainha. Isso vai ajudar a administração britânica a
ganhar tempo, acrescenta a BBC,
já que dava poucas hipóteses aos membros do Parlamento para avançar com as leis
que podiam travar Boris Johnson de tirar o Reino Unido da União Europeia sem um
acordo, que se avançar tem de ser apresentado no máximo a 31 de outubro. Esse é
a data limite para o Brexit, que acontece nesse dia mesmo que o país não chegue
a qualquer acordo.
A libra está a cair quase 1% face
ao euro e também face ao dólar, ilustrando os receios dos investidores de que
este plano de Boris Johnson possa terminar num Brexit sem acordo.
“Ultrajante” ou “um tempo novo”.
As reações à prorrogação
O porta-voz da Câmara dos Comuns
do Reino Unido, John Bercow, já reagiu às notícias: “Eu não tive contacto com o
governo, mas se as notícias de que está a procurar prorrogar o Parlamento
forem confirmadas, esse movimento representa uma afronta constitucional”.
“Fechar o Parlamento seria uma ofensa ao processo democrático e aos direitos
dos parlamentares enquanto representantes eleitos pelo povo”.
Jeremy Corbyn, líder do Partido
Trabalhista, também comentou o caso: “Tenho protestado fortemente em nome do
meu partido e de todos os outros partidos da oposição que se vão unir a isto
para dizer que suspender o parlamento não é aceitável. O que o primeiro-ministro
está a fazer é esmagar a nossa democracia, a fim de forçar uma saída sem acordo
da União Europeia”.
Dominic Grieve, conselheiro da
rainha e membro do Conselho Privado adjetivou este plano de “um ato ultrajante”
e apelou a uma moção de censura que fizesse cair o governo de Boris Johnson.
“Se o primeiro-ministro persistir com isto e não recuar, então acho que as
possibilidades são de que o governo entre em colapso. Há muito tempo para fazer
isto se necessário e eu certamente votarei para derrubar um governo conservador
que persista num curso de ação que é tão inconstitucional”, disse em entrevista
à BBC Radio 5 Live.
Tom Watson, membro do Parlamento
britânico, utilizou o Twitter para criticar Boris Johnson: “Nós não temos um
novo governo. Esta ação é uma afronta escandalosa à nossa democracia. Não
podemos deixar que isto aconteça”. Mas há quem discorde. Um membro do Conselho
Privado considerou à BBC que
“é tempo do novo primeiro-ministro e de um novo Parlamento criarem um plano
para o Reino Unido depois da saída da União Europeia”.
Nicola Sturgeon,
primeira-ministra da Escócia, diz que o plano de Boris Johnson é “um dia negro
para a democracia do Reino Unido”: “Parece que Boris Johnson pode realmente
estar prestes a fechar o Parlamento para forçar um Brexit sem acordo. A menos
que os deputados se unam para pará-lo na próxima semana, o dia de hoje vai
entrar para a história como um dia muito negro para a democracia do Reino Unido”,
escreveu no Twitter.
E até deu conselhos aos colegas
em Londres para travar Boris Johnson: “Dadas as suas declarações anteriores
contra um Brexit sem acordo, seria bom ter a confirmação de Ruth Davidson
[líder do Partido Conservador na Escócia] hoje de que todos os deputados Tory
escoceses apoiarão o esforço de vários partidos na próxima semana para pará-lo.
E que eles também se oporão à tentativa de Boris Johnson de encerrar o
Parlamento”, publicou no Twitter.
O tweet de Trump e a resposta de
Jeremy Corbyn
Donald Trump, como habitualmente,
também já recorreu às redes sociais para se pronunciar sobre o assunto. “Seria
muito complicado para o Jeremy Corbyn, o líder do Partido Trabalhista,
encontrar um voto de não confiança contra o novo primeiro-ministro Boris
Johnson, especialmente à luz do facto de que o Boris é exatamente aquilo que o
Reino Unido tem procurado e vai provar ser “ótimo”. Adoro o Reino Unido”,
comentou o Presidente dos Estados Unidos.
Jeremy Corbyn viu a mensagem de
Trump e não hesitou em responder de volta: “Acho que o que o Presidente dos
Estados Unidos está a dizer é que o Boris Johnson é exatamente aquilo que ele
tem procurado, um primeiro-ministro compatível que entregará os serviços
públicos e proteções da Grã-Bretanha às empresas americanas num acordo de livre
comércio”.
Petição contra suspensão do
parlamento britânico atinge meio milhão de assinaturas
Entretanto, uma petição contra a
suspensão do parlamento britânico reuniu já mais de 500.000 assinaturas,
ultrapassando largamente o número mínimo de 100.000 assinaturas para que seja
debatida na Câmara dos Comuns. “O parlamento não pode ser suspenso ou
dissolvido a menos que o artigo 50.º tenha sido suficientemente prolongado ou a
intenção do Reino Unido de sair da União Europeia tiver sido cancelada”, lê-se
na petição.
O artigo 50.º do Tratado da UE,
que rege a saída de um Estado-membro, determina que a saída seja concretizada
dois anos após o pedido formal de saída, data que pode ser adiada a pedido do
Estado em causa e com a concordância de todos os outros países membros. A data
atual para o ‘Brexit é 31 de outubro e o primeiro-ministro britânico,
Boris Johnson, prometeu que o país sairá da UE nesse dia, com ou sem acordo.
A petição, criada por um cidadão
que se identifica como Mark Johnston e colocada na página internet do
parlamento, contava às 17h05 locais (mesma hora em Lisboa) com 505.000
assinaturas. Cinco horas antes, às 12h, a petição contava com 12.000
assinaturas mas, depois de o primeiro-ministro, Boris Johnson, ter anunciado
que pediu à rainha autorização para suspender o parlamento até 14 de outubro, o
ritmo de assinaturas multiplicou-se, atingindo cerca de 1.000 novos assinantes
por minuto, segundo a imprensa britânica.
Maria Leite Ferreira | Ana
Catarina Peixoto | Observador | Lusa
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