Primeiro-ministro do Reino Unido
exige a reabertura de negociações com a UE sobre o Brexit. Por trás da reunião
com a chanceler federal alemã pode estar esperança de obter concessões e
tentativa de mostrar esforço aos britânicos.
Quando, nesta quarta-feira
(21/08), o chefe de governo britânico, Boris Johnson, se encontrar com sua
homóloga alemã, Angela Merkel, em Berlim, para discutir o impasse do Brexit,
dois mundos distintos entrarão em colisão.
De um lado, está o comportamento
impulsivo, muitas vezes desastrado, do inglês, associado a sua retórica
populista e tendência de ser econômico com a verdade. Do outro, a
democrata-cristã que é a própria encarnação de uma abordagem metódica,
analítica e sem firulas para lidar com situações difíceis.
Mesmo nos melhores tempos, seria
necessário um grande esforço para imaginar os dois encontrando muito campo
comum. Devido à natureza agressiva e turbulenta das discussões sobre a saída do
Reino Unido da União Europeia, contudo, uma reaproximação parece mais distante
do que nunca.
De fato, excetuada alguma mudança
de atitude de última hora, a percepção é que é improvável as conversas de
Johnson com Merkel e com o presidente francês, Emmanuel Macron – com quem ele
tem reunião marcada na terça-feira –, gerarem qualquer tipo de avanço.
"A interpretação cínica é
que isso se dirige ao público doméstico, [com Johnson] dizendo que tenta uma
última vez. A UE dirá 'não', o acordo de separação tem que ser mantido. E aí,
ele poderá retornar com essa espécie de legitimação extra", analisa
Charlotte Galpin, professora de política alemã e europeia na Universidade de
Birmingham.
O primeiro-ministro está
basicamente jogando o jogo da culpa e dirá a Merkel e Macron que, caso a
UE não ofereça um novo acordo, seu país abandonará o bloco sem acordo nenhum. E
a provável resposta deles será tão previsível e consistente como sempre:
"Não reabriremos o acordo de rompimento entre Bruxelas e Londres, e com
toda certeza não vamos retirar o backstop."
Este último é um componente-chave
do acordo e entrará em jogo, caso, até o fim de 2020, não se chegue a um
acerto para evitar uma "fronteira dura" entre a República da Irlanda,
membro da UE, e a Irlanda do Norte, parte do Reino Unido, o qual implicaria a
manutenção de uma relação estreita entre Londres e o bloco europeu, por um
prazo indefinido.
A resposta de Johnson tem sido
igualmente sumária: neste caso, ele não teria qualquer escrúpulo em tirar o
Reino Unido da UE sem acordo, em 31 de outubro próximo.
O tom entre ambas as partes – e,
com grande probabilidade, mais do lado britânico – tem se tornado
crescentemente beligerante. Galpin aponta como Johnson e sua equipe "estão
usando muita linguagem militar, construindo o acordo como uma espécie de
guerra". A ideia é que "estamos indo para a batalha, e que os
britânicos não devem capitular; que os opositores no país estão colaborando com
a UE: acho que esses encontros são parte dessa encenação".
O governo alemão, é claro, tem
feito seu trabalho de casa ao se preparar para um cenário sem acordo. Um
documento interno recente do Ministério das Finanças indica "alta
probabilidade" de um "no-dealBrexit" em 31 de outubro,
considerando "inconcebível" que Johnson atenue sua posição quanto
ao backstop irlandês.
O texto enfatiza a firme oposição
de Berlim a qualquer renegociação do acordo de rompimento, como exige o premiê
conservador, dizendo ser "crucial" todos os Estados-membros da UE se
manterem unidos, sem "perder a calma", diante da perspectiva de um
Brexit desordenado.
A Alemanha já aprovou mais de 50
leis e outras medidas no sentido de um Brexit sem acordo. Elas incluem o
recente pacto sobre serviços financeiros transnacionais entre a Autoridade
Federal de Supervisão Financeira (BaFin) e sua equivalente britânica, a
Autoridade de Conduta Financeira (FCA). Berlim também contratou mais 900
funcionários alfandegários para lidar com um esperado acúmulo de requerimentos
de liberação de bens nas fronteiras.
Quem precisa mais da UE?
A impressão generalizada é que
Johnson pensa que a Alemanha precisa mais do Reino Unido do que vice-versa. A
ilha decerto é uma importante parceira econômica – nem mais nem menos.
"O mais importante para a
Alemanha é o mercado único e os negócios com os países-membros restantes da UE.
Então, há um limite para o que a Alemanha vá oferecer. E há o outro aspecto
prático: desde o início as negociações do Brexit foram delegadas à Comissão
Europeia, sob [o negociador-chefe da UE sobre o Brexit] Michel Barnier.
Portanto Berlim, por si só, na verdade não tem muito controle sobre o processo",
explica Galpin.
O raciocínio do premiê britânico
parece ser que se, de algum modo, ele conseguisse obter mais concessões de
Merkel, os demais no bloco europeu a seguiriam.
"A ideia é que a chanceler
federal alemã seria muito mais flexível e aparentemente aberta para uma
política mais leniente e uma abordagem mais flexível das negociações. De fato,
a França parece muito mais linha-dura. Então, se ele [Johnson] conseguir
algumas concessões de Merkel, haveria uma chance de reabrir as negociações.
Portanto acho que é esse o cálculo", analisa o professor Hussein Kassim,
associado ao think-tank UK in a Changing Europe.
"Os 27 da UE, na verdade,
têm se mantido notavelmente unificados nessa questão, o tempo todo. Se você
pensar em como eles estão divididos em outras questões que confrontam a Europa,
o fato de terem preservado uma linha consistente é bastante espantoso",
observa Galpin.
No mínimo, Johnson tem a
esperança de poder semear algumas sementes de dúvida e satisfazer a seus
apoiadores em casa, onde o debate é bem diferente, segundo Kassim.
"Não há necessariamente uma
apreciação, entre o público, a classe política ou a mídia britânica do que está
acontecendo, exatamente. Então acho que, nestas circunstâncias, a missão
diplomática talvez seja interpretada segundo seu valor de fachada. As pessoas
não vão ser críticas ou inquisitivas, como se poderia antecipar."
Robert Mudge (av) | Deutsche
Welle
Sem comentários:
Enviar um comentário