terça-feira, 20 de agosto de 2019

O cálculo gelado de Donald Trump


Ao manifestar interesse em comprar a Groenlândia, o presidente dos EUA tenta, mais uma vez, perturbar a ordem ocidental do pós-guerra. O principal interesse é o domínio americano no Ártico, opina Oliver Sallet.

O presidente dos Estados Unidos é um famoso cético quando se trata de alterações climáticas provocadas pelo homem. No entanto, o atual derretimento do gelo na Groenlândia pode estar aquecendo seu coração. Isso porque a maior parte da Groenlândia está no Ártico, uma das poucas regiões subdesenvolvidas do mundo com grande potencial econômico.

Quando ele se oferece para comprar a Groenlândia, parece óbvio que o que interessa ao presidente são os recursos naturais do lugar. A mudança climática e o derretimento das massas de gelo levam a crer que estes serão em breve mais fáceis de serem alcançados. Até mesmo Trump, o negador da mudança climática, sabe disso – e não faz questão alguma de esconder que os EUA querem estar na vanguarda da corrida pelo Ártico no futuro.

Os países árticos incluem não apenas os EUA, o Canadá, a Noruega e a Dinamarca, mas também o rival geopolítico de Trump, a Rússia. Até mesmo a China, que na verdade não possui territórios árticos, está inequivocamente tentando justificar sua reivindicação na região polar, descrevendo-se como um país "em grande proximidade" do Ártico.


Está claro que o que está em jogo aqui é mais do que apenas um negócio imobiliário. A corrida por recursos naturais e rotas marítimas reflete a mudança na hierarquia geopolítica das antigas e emergentes hegemonias. Trump está interessado em nada menos que o domínio americano no Ártico – e por isso ele tem que competir com a Rússia e a China.

De fato, a ideia de tornar a Groenlândia um território dos EUA não é nova. O presidente Harry S. Truman tentou isso em 1946. De Louisiana ao Alasca, os EUA fizeram antes grandes e históricas aquisições de terras. Por que "Make America Great Again" não poderia funcionar também com a Groenlândia?

Sete décadas se passaram desde 1946 – e não apenas isso. Imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, a ordem mundial do pós-guerra, especialmente sob a liderança dos EUA, ainda estava tomando forma. Hoje, o Ocidente, incluindo a Dinamarca, está fortemente ligado aos EUA através da participação comum na Otan. A aliança militar era garantia de liberdade e multilateralismo.

Agora, porém, a China está contestando a posição americana como potência global – e Trump é parcialmente responsável por isso. Desde que assumiu o cargo, ele tem buscado enfraquecer as bases da estrutura ocidental: pressionando pela dissolução da União Europeia, questionando o sentido da Otan, aproximando-se de déspotas e se afastando dos antigos parceiros dos Estados Unidos no Ocidente. Oferecer-se para comprar o território dinamarquês pode ser uma violação de um tabu – mas corresponde à visão de mundo desse presidente dos EUA.

Oliver Sallet | Deutsche Welle | opinião

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