quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Surge um nexo entre massacres e misoginia


Passado dos assassinos em massa nos EUA revela algo em comum: a masculinidade tóxica. Maior parte já tinha praticado violência contra mulheres — ou nutria ódio por elas. Acesso a armas de fogo completou coquetel mortal

Gabriela Leite | Outras Palavras | Imagem: Rick Sealock

Assassinatos em massa por atiradores são episódios quase típicos da cultura norte-americana. Alguns consideram que a tendência começou com o massacre que ocorreu em 1966, quando um homem subiu na torre da Universidade do Texas e abriu fogo indiscriminado contra quem estava nas redondezas — matando 13 e ferindo 31 pessoas. Horas antes, havia esfaqueado sua mãe e esposa. Algumas centenas de massacres com características semelhantes vêm acontecendo ao longo das décadas, no país em que é possível comprar armas em supermercados. Há algo que os aproxima: são maioritariamente praticados por homens brancos. Mas um outro componente foi recentemente identificado por pesquisadores, segundo o New York Times: a grande maioria dos atiradores em massa têm, como pano de fundo, um histórico de ódio e violência contra mulheres.

Sim, uma parte deles são os incels. Em 23 de abril do ano passado, um homem jogou uma van contra pedestres nas ruas de Toronto, no Canadá, e chamou o ato de “rebelião incel”. Ao fazê-lo, chamou a atenção para as comunidades virtuais de jovens que se autointitulam “celibatários involuntários” (por isso o encurtamento in-cel, em inglês). Acumulam frustração por não conseguir se relacionar sexual ou amorosamente, e voltam sua fúria contra as mulheres — como se fossem elas as culpadas por serem indesejados. Usam a rede para se estimular reciprocamente a extravasar este sentimento cometendo assassinatos em massa.

Mas esse fenómeno recente mostra apenas um aspecto da misoginia presente nos assassinos atiradores em massa. A masculinidade tóxica está por trás de grande parte deles, aponta a revista estadunidense Mother Jones: têm histórico de violência familiar, de perseguição a mulheres com quem se relacionaram, ou de declarações machistas de ódio contra as mulheres. O NY Times lista alguns dos casos: no último ataque de grande repercussão, que aconteceu no início de agosto no estado de Ohio, o atirador fazia brincadeiras e ameaças violentas com suas colegas mulheres. O responsável pelo massacre marcado pela homofobia na discoteca em Orlando, em 2016, batia em sua mulher enquanto ela estava grávida. Em 1991, um homem que entrou em um café, no Texas e matou 22 pessoas — mirando principalmente mulheres — havia escrito uma carta chamando suas vizinhas de víboras. A lista é longa, e pesquisadores afirmam que alguns padrões psicológicos de atiradores em massa misóginos são muito parecidos com os de supremacistas brancos e outros terroristas. 

Esses estudos demonstram como é preciso que se leve em conta essa relação entre misoginia e assassinatos em massa na hora de pensar políticas públicas, como leis que restrinjam a posse de armas a homens com históricos de agressão a mulheres. No Brasil, os casos de massacres de atiradores ainda são isolados, mas, se depender do presidente que foi eleito fazendo gesto de arma com as mãos, não devem tardar a ficarem mais comuns. Machismo, frustração e repulsa ao próximo não faltam, aos fiéis do bolsonarismo.

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