Henrique Burnay | Diário de Notícias
| opinião
A Alemanha já fez saber que uma
das prioridades da sua presidência rotativa da União Europeia, que acontece no
segundo semestre do ano que vem, exactamente antes da portuguesa, é organizar
uma cimeira com a China em que estejam sentados à volta da mesa, do lado
europeu, não apenas as insituições europeias mas também cada um dos 27 (ou 28,
nunca se sabe) Estados Membros. Esta originalidade - incluir todos e cada um
dos países da UE - tem um significado externo e interno. O que Berlim quer é
mostrar, aos chineses mas sobretudo aos restantes europeus, que o quadro das
relações com a China se define a nível europeu e, é esse o ponto, compromete
todos. O bilateralismo é só às vezes e só para alguns. Desta vez, querem os
grandes Estados Membros (França pensa a mesma coisa), não é para ninguém.
Em Março deste ano, um mês antes
da última cimeira UE - China, a Comissão Europeia publicou um documento que
pretende ser um olhar estratégico para o futuro das relações entre ambos. O
mais significativo desse documento é que define a China, simultaneamente, como
"um parceiro de cooperação" com quem a Europa tem objectivos
alinhados; um "parceiro negocial" com o qual é necessário encontrar
equilíbrios na defesa dos respectivos interesses; "um competidor
económico" que sabemos que procura liderança tecnológica; e "um rival
sistémico" que promove modelos de governança alternativos. O que isto quer
dizer é que, no mais relevante, na economia e nas relações internacionais, não
lhe chama inimigo mas chama-lhe competidor e rival. E, expectável, diz que com
um parceiro destes se tem de agir em comum.
No tempo da Guerra Fria, que não
serve para ler a actualidade mas a ajuda a pensar, do lado de lá estavam
inimigos, e com os inimigos não havia intensas trocas comerciais nem parcerias
estratégicas. Nesse tempo, a prova derradeira de que o nosso sistema era
preferível é que havia muros para impedir os de leste de fugirem para o
Ocidente. Hoje, os chineses que podem viajar não tentam desertar, como os
artistas e turistas vindos da União Soviética tantas vezes faziam. Hoje, há
investimento externo chinês (directa ou indiscretamente público) na Europa e
aproximações selectivas aos Estados Membros da UE com mais fragilidades
(necessidades) económicas. Foi assim em Portugal e na Grécia, tem sido assim a
leste.
Quem percorra as estantes das
livrarias portuguesas encontrará pouca literatura sobre a China e a sua visão
do mundo escrita ou traduzida em português (ainda que um dos autores
internacionais relevantes sobre o tema seja Bruno Maçães e, em Portugal, Raquel
Vaz Pinto tenha escrito sobre China também). Pelo contrário, quem quiser poderá
ler extensamente sobre Trump. Apesar de ser expectável que se escreva e leia
mais sobre o que nos é próximo, o que isto também quer dizer é que por cá
pensamos pouco sobre a enorme transformação que a emergência da China - que já
não é de ontem - traz ao Mundo, muito em especial ao nosso.
Daqui a um ano haverá uma
cimeira, liderada pela Alemanha, entre a Europa e a China, não é a última, a
definitiva, mas pretendem que seja um marco. Temos um ano para pensar mais em
quais são os nossos interesses nesta relação. Os nacionais e os globais.
Veremos se as estantes enchem.
*Escreve segundo a grafia
anterior ao Acordo Ortográfico
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