domingo, 8 de setembro de 2019

Uma sociedade apenas é tão livre quanto o for o seu mais problemático dissidente político


As razões da perseguição, do exílio e da prisão de Julian Assange dizem muito sobre a real natureza da sociedade, e sobre o aparelho mediático dominante. Assange é perseguido porque revelou a verdade sobre crimes. Por isso também é atacado por poderosos meios de comunicação cuja especialidade é fazer o contrário.


Você não o saberia agora por nenhuma notícia publicada em qualquer meio de comunicação de massa ocidental, mas o músico Roger Waters vai interpretar a icónica música dos Pink Floyd “Wish You Were Here” em frente ao gabinete da secretária do Interior britânico Priti Patel, para chamar a atenção para a perseguição do fundador de WikiLeaks, Julian Assange.

No início deste ano, o bilionário Richard Branson realizou um concerto ao estilo “Live Aid” na Colômbia, perto da fronteira com a Venezuela, com o objectivo de “ajudar o povo venezuelano”. Na realidade, a encenação não passou de uma manobra para engendrar as inteiramente falsas narrativas de que o presidente Maduro estava a bloquear pontes e a recusar toda a ajuda estrangeira, e os fundos arrecadados acabaram por ser desviados pelo grupo - apoiado por Trump - de opositores pela “mudança de regime”, liderado pelo fantoche dos EUA Juan Guaidó. Os meios de comunicação britânicos, no entanto, ficaram absolutamente alucinados com a história. Só nos meios de comunicação de massa do Reino Unido, cada palavra nesta frase está hiper-linkada a uma história diferente sobre o concerto. E esse foi um concerto no outro lado do planeta, enquanto o evento de Assange acontece em Londres, em frente ao escritório de uma proeminente autoridade britânica, e tem em palco um dos maiores músicos de rock britânico de todos os tempos.

Essa discrepância diz-lhe tudo o que precisa saber sobre a chamada “imprensa livre” na sociedade ocidental e, de facto, sobre a própria sociedade ocidental.

Uma sociedade é tão livre quanto o for o seu dissidente político mais problemático, o que hoje significa que você é tão livre quanto Julian Assange o for. Enquanto você vive numa sociedade que pode dar origem a uma campanha multi-governamental coordenada para prender um jornalista pelo resto da vida com base em acusações falsas, porque ele expôs crimes de guerra dos EUA, você não é livre e não deve aceitar fingir que o é.

O velho ditado “as acções falam mais alto do que as palavras” tem eco entre as pessoas porque as palavras podem mentir mas as acções não o podem. E enquanto os comentadores milionários dos media bilionários nos asseguram continuamente por palavras que vivemos numa sociedade livre, as acções das pessoas que exercem sobre nós poder oficial e não oficial dizem-nos que vivemos efectivamente numa sociedade que tortura e aprisiona jornalistas dissidentes por dizerem verdades inconvenientes.

A perseguição de Julian Assange diz-nos muito mais sobre a nossa sociedade do que as narrativas autorizadas que nos vendem:

A perseguição de Julian Assange fala-nos sobre a função real dos media de massa. A discrepância entre a cobertura mediática do evento de apoio a Assange e a festarola propagandística de mudança de regime de Richard Branson é apenas um dos muitos, muitos exemplos que poderíamos discutir sobre como esses meios de comunicação distorcem deliberadamente a sua cobertura a favor de agendas que por acaso acontece alinharem-se com os interesses da CIA e do Departamento de Estado dos EUA. De todas as vezes que a situação de Assange surge nas manchetes, os media sociais enchem-se de aspirantes ambiciosos publicando piadas sarcásticas sobre ele, numa tentativa de mostrar aos operadores dos media bilionários quão longe estão dispostos a ir para defender o status quo. Dizem-nos por palavras que os media de massas estão cá para nos dizer a verdade sobre o que está a acontecer no mundo mas, através de acções, somos informados exactamente do oposto.

A perseguição de Julian Assange fala-nos sobre as engrenagens do império. Assange foi expulso da embaixada e preso por uma colaboração extremamente óbvia entre os EUA, Reino Unido, Suécia, Equador e Austrália, mas cada um deles fingiu estar a agir como nação soberana, separada, e completamente independente das outras. A Suécia fingiu estar profundamente preocupada com as acusações de violação, o Reino Unido fingiu estar profundamente preocupado com uma violação da fiança, o Equador fingiu estar profundamente preocupado com o skate e a higiene dos gatos das embaixadas, os EUA fingiram que estavam profundamente preocupados com os detalhes acerca da forma como Assange ajudou Chelsea Manning a encobrir o seu rasto, a Austrália fingiu estar demasiado preocupada em contemplar as questões soberanas desses outros países para intervir em defesa do seu cidadão, e todos convergiram de uma forma que parece exactamente igual em prender um jornalista por publicar factos. Vê-se constantemente essa mesma dinâmica, seja com intervenções militares, acordos comerciais ou campanhas de formatação de narrativas contra governos não alinhados.

A perseguição de Julian Assange diz-nos o tipo de sociedade em que realmente vivemos. Somos inundados desde a mais tenra infância com agradáveis slogans sobre liberdade e democracia, que nos dizem deverem ser difundidos a todos na terra com quanta força for necessária, mesmo que tenhamos que os matar a todos. Na realidade, vivemos numa sociedade feita de mentiras e liderada por mentirosos, que perseguem violentamente quem expõe a verdade. Essa gente são os seus opressores. Essa gente são os seus guardas prisionais. As suas faces zombeteiras dizem-lhe que está livre por detrás das grades da prisão, e que vão acabar consigo se você discordar.
Isto vai ter que mudar.


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