Miguel Guedes | Jornal
de Notícias | opinião
A estabilidade, segundo António
Costa. "Este Governo é para quatro anos, comigo não há pântanos",
assegura numa reunião do Grupo Parlamentar do PS.
Liberto dos compromissos à
Esquerda que cimentaram toda uma legislatura, a rejeição da "teoria do
pântano" do 2.º Governo de António Guterres (demissionário após os maus
resultados nas autárquicas de 2001 e de pouco mais de dois anos de poder em
agonia) é usada por Costa para uma revisitação da "teoria do oásis"
de Braga de Macedo, corriam os tempos idos de Cavaco Silva. Até que que haja
obstáculos intransponíveis que permitam vitimização, gere-se a maioria
relativa, navegando à vista, até ao limiar da maioria absoluta assim haja
perspectiva. António Costa pode estar mesmo convicto de que os eleitores
esquecerão facilmente as virtudes dos acordos à Esquerda dos últimos anos. Uma
questão de fé na táctica.
A "geringonça" - que
muitos apelidavam de experimentalismo táctico condenado ao insucesso - foi um
teste de referência de quatro anos e acrescentou dimensão democrática à leitura
política do país. Inspirou pluralismo, diversidade e a ideia de que é possível
fazer mais com outros protagonistas. Apesar do lamentável fim da imunidade
portuguesa à presença da extrema-direita no Parlamento, também assim se
compreende a vontade popular em abrir o hemiciclo a novas forças partidárias. E
assim vamos. A estabilidade para Costa é agora um movimento transitório. Está
tudo bem até que fique mal. Receita para quatro anos de instabilidade em oásis.
Se Guterres era o primeiro-ministro
do diálogo e caiu num pântano, Costa aborda um oásis a falar só para os seus. A
quantidade não conduz forçosamente a qualidade mas 50 secretários de Estado é
número redondo, "trade mark" para o XXII Governo Constitucional.
Somando estes números a ministros, serão 70. A ideia de que
todos-não-somos-de-mais viaja desde tempos imemoriais. Compete às elites
compreender o esforço colectivo dos homens. Durão Barroso, precisamente aquele
que em 2002 sucede ao pântano de Guterres, assegura que "as elites portuguesas
não têm estado à altura da capacidade notável de resiliência que o povo
português tem demonstrado". Se "a nossa fronteira não é em Vilar
Formoso", como assegura, também a sua não será a da vergonha. Durão
Barroso transporta o manual das portas giratórias e do esforço individual para
as olear. É também, sabemos agora, possuidor de admiráveis qualidades para se
ler ao espelho. O pântano é mesmo aqui.
Músico e advogado
O autor escreve segundo a antiga
ortografia
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