Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite* | Porto Alegre
| Brasil
As águas do
Oceano Atlântico foram denominadas, pelos africanos, de “Calunga Grande”, cuja
expressão, em dialeto ioruba, significa cemitério, pois os escravizados que
morriam de inanição, durante o transporte nos navios negreiros, eram jogados ao
mar. Este reino é de Yemanjá (yèyé omo ejá) , que é traduzido como “ Mãe
cujos filhos são peixes”, ocupando na hierarquia a função de matriarca na
teogonia africana.
Orixás, voduns
ou inkices vieram dentro do coração do escravizado e, de forma sincrética,
foram associados a santos da Igreja Católica. Este foi o recurso, do
qual o escravizado se utilizou, para burlar o poder dominante,
eurocêntrico e cristão, mantendo viva, desta forma, a fé e as tradições de seus
ancestrais.
Um exemplo marcante
do sincretismo religioso, no Brasil, é a associação de Nossa Senhora dos
Navegantes com Yemanjá. No dia 02 de fevereiro, ela é reverenciada, por meio de
procissões fluviais, marítimas e de ritos religiosos, que são realizados nas
areias das praias brasileiras, reunindo católicos e adeptos dos cultos de
matriz africana numa verdadeira simbiose espiritual.
No Brasil, embora
predominasse, entre os escravizados, a prática ritualística de cultuar os
orixás, é importante que se registre a presença dos negros malês. Convertidos
ao Islamismo, a maioria deles exerciam atividades como negros de ganho
(alfaiates, pequenos comerciantes, artesãos e carpinteiros. Em 1835, seus
líderes organizaram uma insurreição, em Salvador (BA), para tomar o poder e
submeter a população branca. Conhecida como a Revolta dos Malês, na noite de 24
para 25 de janeiro daquele ano, ao ser descoberta foi sufocada e os
líderes presos e executados.
O
tráfico negreiro
No transcorrer do século
XV, a expansão de Portugal, ao longo da costa africana, favoreceu, com o aval
de bulas papais, o tráfico negreiro. Totalizando 1.552.000 escravizados, a
América espanhola perde em índice numérico para o Brasil que, segundo estudos
recentes na Universidade de Emory, em Atlanta, atingiu o total de 4,8 milhões
de escravizados.
A presença
massiva do africano
A caminho do Rio de
Janeiro, que era a porta principal de entrada de navios negreiros, em torno de
300 mil morreram. Tratados como animais, os escravos eram transportados
nos tumbeiros (navios negreiros), nos quais se misturavam negros de diferentes
locais da África, falando dialetos diversos. Esta era a forma de dificultar a
comunicação entre os mesmos, enfraquecer a identidade cultural, enquanto grupo
étnico, visando a anular qualquer articulação de insurreição, durante o
transporte, ou uma fuga em massa.
Quando a Corte
Portuguesa se transferiu, em 1808, para o Brasil, fugindo da invasão
francesa, sob o comando do general francês Junot, a proporção, no Rio de
Janeiro, era de 10 africanos para um branco.
Mais tarde, com
a implantação de políticas imigratórias, que visavam ao branqueamento, ocorreu um
aumento do percentual da população branca, conforme o pesquisador do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) José Luis Petruccelli.
Durante os 350 anos de tráfico negreiro, entraram no Brasil cerca de 4 milhões
de africanos. Já no período de 1870 e 1930, aqui, vieram morar em torno de 4
milhões de imigrantes europeus.
Sob uma ótica atenta aos
fluxos migratórios, que se realizaram de forma forçada (tráfico negreiro) ou
voluntária na condição de imigrantes, busca-se compreender a relação entre o
indivíduo e a sociedade estabelecida, tendo como ponto de partida a travessia
desse Atlântico, os processos de aculturação e as formas de organização
sociopolítica, econômica e cultural.
Esta nova
configuração se dá a partir deste processo de aculturação , que resultou numa
complexa e fascinante amálgama cultural, embora os conflitos, genocídios e
sofrimentos, que foram gerados por processos eurocêntricos de dominação
econômica, política e cultural.É incontestável a riqueza desta diversidade
cultural, formada a partir de religiões, idiomas, tecnologias e artes, que
cruzou o Oceano Atlântico, chegando às Américas.
A miscigenação
Embora o
Brasil seja, em sua origem, uma nação indígena, o brasileiro é fruto de uma
miscigenação que, no decorrer dos séculos, adicionou ao sangue do indígena a
carga genética do negro; do branco (portugueses, franceses e holandeses e, a
partir do século XIX, dos imigrantes alemães, italianos, eslavos, judeus, entre
outros), além do amarelo (imigrantes chineses, no período de 1810 a 1820, e
japoneses que aqui aportaram no ano 1908).
Nossa diversidade
Cultural
O resultado de
tantas combinações é um povo cuja diversidade étnico-cultural é de uma riqueza
genuína. Composta por tradições remanescentes dos quilombos, em diversos
estados do Brasil, a estas se somaram as festas tradicionais do mês de junho
(Santo Antônio e São João), a Folia de Reis e a Festa do Divino, que se
constituem em heranças portuguesas do período colonial. A este quadro, nós
podemos acrescentar também as datas comemorativas de santos padroeiros
italianos, as celebrações do calendário judaico e as festividades alemãs - a
exemplo da Oktoberfest. Estas tradições compõem um mosaico de diversas
nacionalidades, etnias e religiões, que fazem parte do processo da construção
identitária do povo brasileiro.
Em 1500, de
acordo com a Carta de Pero Vaz de Caminha, ao cruzarem o Atlântico, os portugueses
chegaram à Ilha de Vera Cruz, dando início a uma história na América Portuguesa
que se deu na forma de uma colonização exploratória. Embora o Brasil tenha
realizado a sua independência em 1822, a conquista da cidadania plena do povo
brasileiro se constitui numa promessa. Os processos golpistas, oligárquicos e
elitistas, vivenciados, ao longo da história brasileira, vão de encontro à
construção de uma sociedade mais igualitária. Como dizia o historiador gaúcho
Décio Freitas (1922-2004): o Brasil é um país “Inconcluso”.
Ao analisar a última
estrofe, extraída do nosso Hino Nacional, cuja letra é de Osório Duque Estrada
(1870-1927), o leitor - atento às mazelas sociais do nosso Brasil - constata
que os versos não correspondem à realidade da maioria dos brasileiros.
“Terra adorada Entre outras mil,
És tu, Brasil, Ó Pátria amada!
Dos filhos deste solo és mãe
gentil,
Pátria amada, Brasil !“
*Pesquisador e coordenador do setor de imprensa do Museu da Comunicação Hipólito
José da Costa
Bibliografia
BERND, Zilá. Literatura
e identidade nacional. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2011.
CARVALHO, José
Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo Caminho. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2002.
CÔRTES, Paixão
J.C. Folclore Gaúcho / Festas, bailes,música,e religiosidade rural. Porto
Alegre: Corag, 2006.
JUNG, Roberto
Rossi. O Príncipe Negro. Porto Alegre: Edigal / Renascença, 2007.
LOPES, Luiz Roberto. A
Aventura dos Descobrimentos. Porto Alegre: Editora Novo Século, 1999.
Imagens
1-Roda de capoeira
2-Mercado em Salvador (BA)
3-Festa de São João/ Interior do
RS.
4-Oktoberfest
Sem comentários:
Enviar um comentário